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Sob um sol de abril
Posted by Cottidianos
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00:32
Terça-feira,
14 de abril
Acordei às sete e meia e olhei pela
janela do apartamento. Era início da manhã e o sol já derramava seu brilho,
ainda tímido, dourado e morno, sobre a amanhecente cidade de Campinas. Lá fora,
alguns poucos carros rodavam pelas ruas. Logo mais haveria manifestações
populares no centro da cidade. Eu também estaria lá, em meio a multidão,
exercendo mais um ato de cidadania. A concentração de pessoas era prevista para
as dez da manhã, no Largo do Rosário. Até
as dez, havia o espaço de duas
horas e meia. O que fazer até lá? Pensei. Poderia ir dar uma volta de bicicleta
pela cidade. Não fosse a manifestação marcada para esta manhã de domingo, teria
ido pedalar em meio à estimulante natureza de Souzas e Joaquim Egídio, junto
com os amigos Marcelo Massarela e Ricardo Silva. Aliás, faz tempo que não
pedalo com eles, na verdade, desde que fui atropelado quando passava de
bicicleta, pelo bairro do Cambuí, em uma tarde de sábado, em fevereiro deste
ano. Fiquei um tempo sem pedalar, dando tempo para que o machucado sarasse por
completo, o que coincidiu com o domingo de Páscoa. Mas se eu tivesse, ido neste
domingo (12), para as trilhas, junto com os amigos, somente meu corpo estaria
lá entre o verde das matas. Meu pensamento, na verdade, estaria aqui, em meio à
multidão esperançosa e desejosa por mudanças.
Após a higiene matinal, pus a
bicicleta na rua e saí para um passeio breve. A manhã estava agradabilíssima.
Nem muito frio, nem muito quente. Apenas a brisa fresca da manhã acariciando
meu rosto. Enquanto seguia pela Avenida Orosimbo Maia, deliciava-me com a
tranquilidade do trânsito. As veias e artérias — que convencionamos chamar de
ruas e avenidas — que correm pelo complexo corpo das cidades, estavam
completamente desosbtruídas. Apenas uns poucos carros corriam velozes por elas.
Domingo é um dia perfeito para os ciclistas por causa da redução do fluxo de
carros nas ruas.
Subi a Rua Paula Bueno. Já havia
percorrido boa parte da Paula Bueno, quando ao passar em frente a um
supermercado, deparei-me com os funcionários que cuidam do trânsito,
interrompendo um trecho da rua.
Fiquei curioso e perguntei a um dos
funcionários: “Porque estão interrompendo o trafego? O que acontecerá por
aqui?” Ele me respondeu que era a tradicional Corrida do OBA — uma rede de
supermercados.
Pensei em sair dali o mais rápido
possível, afinal, queria pedalar com tranquilidade.
Cheguei ao Parque Taquaral no exato
momento em que era dada a largada, e uma multidão passou a correr em disparada.
Fiquei empolgado e resolvi acompanhar a
corrida. Montado na bicicleta era mais fácil. Homens e mulheres pareciam um
exército a invadir a cidade… As tropas da saúde. Cerca de três mil pessoas
corriam. Algumas mais rápidas. Outras mais devagar. O pelotão de frente,
formado pelos atletas de elite, disparado na frente.
Assim como havia chegado no Taquaral no
ponto em que havia sido dada a largada, consegui chegar a tempo de ver o
anúncio do vencedor da prova na categoria masculina. O vencedor foi o
queniano, Mathew Kiptoo Cheboi. Ah, os quenianos! Nessas provas de corrida
eles parecem ser imbatíveis. Cerca de quatro minutos depois foi anunciada a
vencedora na categoria feminina: Gladys Kataron Kiplagat. E ela era… Queniana!
Demorei no parque mais uns poucos
minutos e resolvi fazer o caminho de volta para casa. Cheguei em casa e conferi
o velocímetro da bike: havia percorrido exatos 18 Km. Não era muita coisa, mas
a intenção não era mesmo pedalar muito. Cansado, tomei um banho relaxante e
depois um gostoso café da manhã.
Após o café, segui para o local onde se
concentrariam os manifestantes. Cheguei lá por volta dez e meia. Já havia
bastante gente na praça, entretanto, eu esperava que fossem muito mais. Cheguei
a pensar que o protesto seria um fiasco. Fiquei circulando por entre a
multidão. Porque aquelas pessoas estavam ali? O que reivindicavam? Que ideais
as moviam?
Notei a presença de várias crianças e
achei bonito, terno e significativo o fato de elas estarem ali, algumas ainda
em tenra idade. Brasileirinhos e brasileirinhas que, certamente, não tinham
consciência do porquê estavam ali, mas o eficiente gravador de mensagens de
seus subconscientes registravam o mar de cores verde e amarelo, o clamor de uma
população contra a corrupção, as palavras de ordem contra a impunidade, o sentido
profundo de abrigar-se sob uma bandeira especial: a bandeira brasileira. Então
olhei para o alto, para o lindo céu azul anil sob o qual estávamos... E pedi ao
bom Deus que aquelas crianças não fossem contaminadas pelos germes da
corrupção, nem se deixassem infectar pela bactéria do comodismo, mas sim, que
elas se deixassem invadir, se deixassem inundar pelos valores da honestidade,
da ética, da justiça e, principalmente, do amor fraternal que deve irmanar a
toda humanidade.
Por falar em bandeira, olhei para o
lado e vi um homem de cabelos embranquecidos pela idade, abrigado debaixo do
manto verde amarelo, azul e branco que se balançava-se, suavemente, ao sabor do
vento. Quanta experiência devia estar escondida debaixo daqueles cabelos
brancos... Quantos sonhos, quantas esperanças de ainda ver o Brasil ser um país
coroado pelas estrelas do desenvolvimento, da prosperidade, cheio de ordem e
progresso... A bandeira de um país é mais que um pedaço de pano, bordado e
enfeitados com alguns símbolos e dizeres. Não! Por detrás de uma bandeira está um
povo inteiro, e representado nelas estão seus ideais, seus sonhos, suas lutas e
sua liberdade. Um homem coberto pela bandeira de seu país, não é apenas um
homem só, nem um só homem: é um país inteiro, uma nação inteira.
Também observava os cartazes. Neles
estavam escritos o que todos os brasileiros gostariam de dizer. É engraçado
como as pessoas dizem as mesmas coisas de forma diferente. Algumas expressam o
seu grito com indignação, outras com revolta, outras ainda com bom humor. O bom
mesmo é que ninguém fique indiferente. Um desses cartazes usava charges e
carregava no bom humor. No cartaz, via-se o dialogo de um homem, sentado no sofá
da casa dele, com a televisão. A TV anuncia: “Horário de verão gera economia de
R$ 400 milhões”. Enquanto o cidadão replica: “Se ficássemos uma hora por ano
sem corrupção a economia seria muito maior”.
Outros eram mais pragmáticos, como o que dizia: “Nós somos a voz das
ruas, a voz do Brasil”. A maioria das
pessoas já saía de suas casas com os cartazes prontos. Alguns poucos
aproveitavam os poucos minutos antes do início da marcha para ainda prepararem
os seus, ali mesmo, no chão da praça, como fazia o homem de camisa bermuda e boné
preto, camisa amarela e tênis branco. Ele concentrava-se na confecção de seu
cartaz, enquanto sua própria sombra e a de outros manifestantes, desenhavam-se
no chão, remetendo a ideia das sombras da injustiça que tanto mal fazem a este
solo e a este povo.
Aproximava-se das onze e meia da manhã
e sol já não estava tão suave como nas primeiras horas da manhã. Já começava a
incomodar um pouco, e as pessoas procuravam um abrigos debaixo da sombras das
árvores, dos toldos dos prédios comerciais. Outras ficavam debaixo do sol
quente mesmo. Os organizadores então convocaram o público presente a entoar o
Hino Nacional. Todos se perfilaram, e se prepararam para tão solene momento. Mão no peito... Sentimento de orgulho de ser
brasileiro... Voz compenetrada e forte, como pedia o momento. Após a bela
introdução ao hino pátrio, todos cantaram garbosamente:
Ouviram
do Ipiranga as margens plácidas
De
um povo heroico o brado retumbante,
E
o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou
no céu da pátria nesse instante.
Se
o penhor dessa igualdade
Conseguimos
conquistar com braço forte,
Em
teu seio, ó liberdade,
Desafia
o nosso peito a própria morte!
Ó
Pátria amada,
Idolatrada,
Salve!
Salve!
Brasil,
um sonho intenso, um raio vívido
De
amor e de esperança à terra desce,
Se
em teu formoso céu, risonho e límpido,
A
imagem do Cruzeiro resplandece.
Gigante
pela própria natureza,
És
belo, és forte, impávido colosso,
E
o teu futuro espelha essa grandeza.
Terra
adorada,
Entre
outras mil,
És
tu, Brasil,
Ó
Pátria amada!
Dos
filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria
amada,
Brasil!
Terminado esse ritual, foi dado início,
de fato, a marcha. Seguimos pelas ruas da cidade. Contrário ao que eu mesmo havia
pensando ao chegar ao local, de que a marcha seria um fiasco, as ruas se
encheram de gente. Já não éramos poucos, éramos muitos. Unidos por um só ideal.
Pessoas nas janelas de seus edifícios eram convocadas a virem para a rua... E vinham!
Palavras de ordem contra o PT e contra a presidente Dilma Rousseff eram ouvidas
a todo o momento.
Eu havia lido nos jornais, dias antes
do evento, que as avaliações do governo era a de que os protestos do domingo,
12 de abril, não seriam tão impactantes quanto os dias 15 de março, e realmente
fora uma previsão acertada. Havia muita gente nas ruas, porém, um pouco menos
do que o protesto do mês anterior. Entretanto, isso não era menos significativo
no sentido de expressar uma insatisfação sentida por toda uma nação. A palavra
de ordem durante todo o percurso era: “Fora Dilma!” “Fora PT!”. Ainda durante a
marcha, pensava eu que, talvez, o número de adesões ao protesto tenha diminuído
por causa da agenda. Toda manifestação para ter sucesso precisa ter uma boa
agenda. Um bom e forte motivo, possível de ser realizado. O pedido de impeachment,
apesar de ser a agenda da marcha da qual participava, e de, segundo pesquisas,
ter o apoio de 63% da população, é uma coisa meio irreal, impossível de
acontecer, na atual momento.
Uma vez que, nas denuncias recentes de
corrupção na Petrobrás, não aparece, diretamente relacionado, o nome da
presidente Dilma Rousseff, enquanto tal e no exercício do mandato presidencial,
segundo, porque o Procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, não estar entre aqueles 63% da população que deseja o
impeachment da presidente. Sendo ele quem tem o poder de determinar a abertura
de investigação contra a presidente, e se ele acha que não há motivos para
isso, então a ideia de afastamento de Dilma fica um pouco complicada, e em
terceiro, o Congresso Nacional também não é muito favorável a essa ideia de
impeachment.
Creio que o grito contra a corrupção
não deva se restringir apenas ao PT, afinal, não foi o Partido dos
Trabalhadores a instituir a corrupção no país. É bem verdade que o PT aperfeiçoou
essa prática, mas acho que o problema do Brasil é uma corrupção sistêmica. Há corrupção
em cidades governadas por políticos de todos os partidos, em todos os níveis de
poder. Então o grito dos organizadores devia ser: “Fora corruptos de todos os
partidos!”. O que realmente mudaria o Brasil seria uma mudança de consciência
de nossos governantes todos, e não apenas de um partido em especifico. Pois se
não for assim, suponhamos que saia o PT. Se não houver uma mudança de
mentalidade mergulhada na corrupção para uma mentalidade transformadora e
libertadora, de que adiantará ter havido alguma mudança. Terá, de fato,
ocorrido alguma mudança no cenário nacional?
Entretanto, o grito de “Fora Dilma!” “Fora
PT!” pode enfraquecer o governo e o seu partido. O que é interessante para a
oposição.
Acho que a grande maioria dos que
seguiam pelas ruas da cidade, sabia de tudo isso, e gritávamos mesmo era contra
toda essa onda de corrupção, de ineficiência dos governos, seja em nível
municipal, estadual e federal. Isso já está se tornando para nós, insuportável.
Estamos cansados de pagar tantos impostos, impostos em demasia, e não ver todo
esse dinheiro, e muito dinheiro, ser revertido em benefício para a população,
em forma de uma educação de qualidade, uma saúde de qualidade e uma segurança
pública eficiente.
Mas não se iluda o governo em os
protestos terem levado menos gente às ruas, no último dia 12 de abril. O nível de
reprovação de condução das políticas econômicas e contra a corrupção gritante,
continuam altos. Que o digam as pesquisas de opinião que mostram a presidente
Dilma Rousseff com um péssimo índice de avaliação. Segundo essas pesquisas,
apenas 13% dos brasileiros consideram o governo da presidente ótimo ou bom,
contra 60% que o acham ruim ou péssimo.
Depois de uma boa caminhada pelas ruas
e avenidas da cidade, a marcha chegou ao seu ponto final no Centro de
Convivência. O local abriga, aos domingos, uma feira de artesanato e pintura. No
último domingo, o local foi inundado por uma multidão vestida de verde e
amarelo e gritando palavras de ordem contra os desmandos que acontecem em nossa
nação.
Entraram todos no teatro de arena, no
qual foi solenemente introduzida a bandeira brasileira. Mais uma vez com grande
carinho e emoção, foi entoado o Hino Nacional. Após esse momento solene, a multidão
começou a se dispersar. Era hora de irem todos para as suas casas, afinal já
era uma e meia da tarde, e todos estavam com fome. O evento estava previsto
para terminar um pouco mais tarde, mas devido ao forte calor, e pelo fato de
haver entre os manifestantes, crianças e pessoas com deficiência, os
organizadores acharam por bem encerrar mais cedo o evento.
Antes de ir para casa, pois além da
fome de justiça, sentia também fome de pão, meus olhos ainda tiveram tempo de
se debruçar sobre uma frase de um empresário e político brasileiro, chamado
Teotônio Vilela, escrita em uma placa na Praça do Centro de Convivência. Dizia a
frase do político:
“Apesar de todas as desgraças, há uma pátria e é por
esta pátria que ainda estou lutando. A esta pátria, se eu pudesse renascer
hoje, iria dedicar todo o meu tempo novo, em uma campanha de restauração da
dignidade da vida do país”.
Fiquei feliz, ao final do evento, em
ter encontrado no pensamento de Teotônio Vilela, os questionamentos que havia
feito a mim mesmo, no Largo do Rosário local de início da marcha. No fim, é
isso mesmo que todos nós buscamos: Uma restauração da dignidade da vida do
país.
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