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Um deputado atrás das grades
Posted by Cottidianos
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00:22
Terça-feira, 03 de setembro
A revista Veja –
um dos semanários de maior circulação no país – trouxe, no domingo, 4 de
setembro, em sua edição 2337, ano 46, nº 36, uma excelente reportagem sob o
título:
O GABINETE 595 DO
CONGRESSO NACIONAL – Em momento de humilhação da
democracia, deputados transformaram uma cela em extensão do Parlamento - e o
Parlamento, por conseqüência, na extensão de uma penitenciária.
Uma reportagem
esclarecedora, produzida pelo repórter Robson Bonin. Complementando a reportagem,
a revista trouxe ainda uma entrevista feita pelo repórter Hugo Marques a Ademar
Silva de Vasconcelos, juiz da Vara de Execuções Penais de Brasília, Distrito
Federal. Na entrevista o juiz fala, dentre outros assuntos, da situação do
deputado Donadon dentro do presídio e da situação embaraçosa criada pela
Câmara.
Abaixo transcrevo a
entrevista:
“ELE NÃO PODE SAIR PARA
VOTAR”
O juiz da Vara de
Execuções Penais de Brasília, Ademar Silva de Vasconcelos é o
guardião dos mais de 12 mil criminosos que cumprem pena no presídio da Papuda,
em Brasília. Não é uma tarefa fácil. A penitenciária abriga os bandidos mais
perigosos do Distrito federal e enfrenta problemas comuns ao sistema carcerário
brasileiro – superlotação, tráfico de drogas, falta de condições, fugas. Na
semana passada, o deputado-presidiário Natan Donadon, que cumpre pena por
formação de quadrilha e peculato, reclamou da comida e do conforto de sua
cela.Em entrevista ao repórter Hugo Marques, o magistrado não se
sensibilizou:“Isso significa que a pena esta tendo efeito”.
O deputado Donadon
reclamou do tratamento que esta recebendo no presídio. Ele tem razão?
Tem. Ele reclama de
um sistema que não foi feito para deputados. Foi feito para
condenados. Ele perde o conforto do lar, perde o afago dos familiares, o
convívio com os amigos, perde o lazer. Claro que ele vai reclamar, por que está
numa situação desconhecida. Todos os seres humanos tem medo do desconhecido.
Ele esta preso em cela
individual. Isso não é um privilégio?
Decidi assim para preservar
a integridade física em relação à massa carcerária e para preservar o cargo
dele, de deputado. Não posso desconhecer que ele é um deputado federal. Por
isso recomendei ao diretor do presídio que o colocasse em uma cela
individual, o que também não é muito bom do ponto de vista pessoal,
por que ele fica isolado das outras pessoas.
Como deputado, ele corre
algum risco?
Existe a lógica do
encarcerado, a lógica do mais forte, do líder positivo ou negativo da massa carcerária.
A massa carcerária tem leis próprias, que, sem fazer trocadilhos, são leis não
editadas pelo Congresso. São leis pessoais, leis de sobrevivência, leis da
malícia do crime. Ele é uma presa fácil pois não tem a malícia, a
vivência. O sentimento dos outros presidiários é que ele tem dinheiro.
Quando chega uma pessoa que tem dinheiro dentro do
sistema penitenciário em que o dinheiro não circula normalmente,
isso cria um desconforto para ele e para os outros presos também.
Como o senhor, sendo
operador da Justiça, vê toda essa polêmica?
O deputado esta reclamando
da perda da liberdade. Isso significa dizer, em termos práticos, no campo
penal, que a pena está tento efeito. É exatamente isso. Está se
fazendo a justiça e cumprindo a lei como manda a Constituição.
O deputado também reclama
da qualidade da comida no presídio da Papuda
Eu também reclamaria.
A dificuldade na Papuda é a seguinte: eu tenho 12.300 presos.Ao meio
dia, preciso ter 12.300 refeições prontas. Não se confeccionam 12.300
refeições ao paladar do comensal. E lá ele não é um comensal; é um presidiário
comum que vai receber a alimentação que o estado lhe der naquelas condições.
Quem esta em liberdade de escolher restaurante. Quem paga escolhe o cardápio.
Como é, para o senhor,
administrar um sistema carcerário com 12.300 presos comuns e uma
autoridade política?
Isso significa um avanço
no processo democrático. É exatamente o que a lei almeja e o povo quer: Que lei
seja aplicada a todos, seja voltada para todos, e que haja eficácia na lei
penal. Não me surpreende que exista entre os presos um deputado. Temos
ex-juízes, ex-promotores e ex-delegados cumprindo pena.
O deputado já anunciou que
pretende pedir a Justiça o direito de participar das votações no Congresso.
Isso não é possível,
porque ele está condenado a pena de reclusão superior a oito anos, tem a perda
temporária de seus direitos políticos. Ele é preso em regime fechado. Até por
uma inspiração democrática, autorizei que ele fizesse sua defesa. Mas ele está em regime
fechado. Não pode, a exemplo dos outros presos que estão em regime fechado,
votar na Câmara. Nem votar como eleitor. Ele não vota nem é votado.
O Senhor vê alguma
incongruência no fato de haver um deputado preso e, ao mesmo tempo, no
exercício do mandato?
Nós temos dois aspectos.
Um é o entendimento se o ato praticado pelo parlamentar fere o decoro. Isso é
um juízo de valor coletivo da Câmara. O Supremo Tribunal Federal deixou a
critério da Câmara avaliar o que os militares chamam de pundonor, a ética no
exercício do cargo. Isso é uma questão para o poder constituído analisar. Da
mesma forma, é correto afirmar que ele poderia ter sido absolvido pelo Supremo
e perdido o mandato na Câmara.
Não são sinais confusos
para a sociedade?
Nem sempre o anseio do
povo é atendido dentro desse aspecto político. Isso é um critério, como nós
temos um critério na justiça. Nosso critério é a lei. O juiz decide até contra
a sua vontade pessoal para julgar de acordo com a lei. É uma evolução
democrática o fato de hoje fazermos justiça. Parece-me obvio, porém, que os
critérios podem não satisfazer a todos. É um dilema da sociedade. Não podemos
resolver todos os anseios apenas com um exemplar do Código Penal debaixo do
braço.
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