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Patrões, governos e magistrados perversos
Posted by Cottidianos
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00:48
Terça-feira,
24 de outubro
Hoje,
ainda este blog não apresenta texto de autoria própria, peço desculpas aos
leitores, mas também não poderia deixar de passar e deixar uma palavra acerca
do que acontece em nosso país e que indigna a todos.
Na
semana passada, o governo Temer, através de uma Portaria — ato que não exige
consulta ao poder legislativo — alterou, radicalmente, o conceito de trabalho
escravo, a despeito de todos os setores da sociedade se manifestando contrários
a tal atitude. Simplesmente assim: ditador, como tem sido desde o início do seu
governo, Temer retrocede na questão dos direitos humanos e dos direitos
trabalhistas de uma tacada só.
Toda
a sociedade ficou estarrecida com a medida. Minto. Tem uma classe que ficou
hipersatisfeita: a bancada ruralista de quem Temer, deseja ardentemente, os
votos para barrar a segunda denúncia contra ele na Câmara.
É,
caros leitores, a coisa em Brasília está tão feia que, pelo poder, se vende a
alma ao diabo, sem cerimônia.
Como
foi dito acima, esse blog não vai se estender sobre esse assunto, que, dentre
outros, será assunto da próxima postagem.
No
meio disso tudo, o ministro Gilmar Mendes desferiu uma sátira ferina, contra as
vitimas dessa história horrível que é a escravidão moderna. Ao invés de se
voltar contra os opressores, pasmem os senhores, o magistrado se colocou ao
lado deles. No livro, A Travessia do
Oposto, a grande dama das letras, Clarice Lispector, diz que a sátira é
usada para “alterar, menosprezar, ferir”. Ora senhor magistrado, quem fere a frágil
vítima, ao invés do opressor, é covarde. Faz injustiça,e não justiça.
O
fato que provocou tanta polêmica foi que, questionado a respeito da Portaria do
governo que altera o conceito de trabalho escravo, Gilmar Mendes, disse o
seguinte: “O importante, aqui, é tratar
do tema num perfil técnico, não ideologizado. Há muita discussão em torno
disso. Nós já tivemos no Supremo debates a propósito disso, em que se diz que
alguém se submete a um trabalho estressante, exaustivo. Eu, por exemplo, eu
acho que me submeto a um trabalho exaustivo, mas com prazer. Eu não acho que
faço trabalho escravo”.
Realmente,
uma muito infeliz comparação entre a situação do ministro que tem por ofício
aquilo que gosta de fazer e que lhe dá prazer, e que além disso, lhe
proporciona um salário estratosférico se comparado a grande maioria dos
brasileiros, e mais ainda, em comparação com as condições de trabalho daqueles
que vivem nos campos de concentração das fazendas brasileiras, sob o comando de
patrões tiranos e perversos, assim como também se mostra tirano e perverso o
governo Temer.
Mas,
fiquemos, por enquanto, com a análise desta atitude do ministro Gilmar Mendes,
feita pelo colunista do jornal El País Brasil, Juan Arias. O artigo escrito
pelo jornalista, intitulado, A ironiabumerangue de Gilmar Mendes sobre o trabalho escravo, é reproduzido abaixo.
***
A
ironia bumerangue de Gilmar Mendes sobre o trabalho escravo
O
juiz não entendeu é que a ironia e a sátira compõem um dos gêneros literários
mais difíceis de se usar
É
possível que o polêmico juiz do STF e presidente do TSE, Gilmar Mendes, esteja
se perguntando por que a sua ironia sobre o trabalho escravo acabou virando um
bumerangue que colocou as redes sociais contra ele.
A
sociedade brasileira, desta vez sem opiniões divididas, caiu com tudo sobre o
magistrado. O que ele disse para suscitar tanta ira? Lembremos. O governo
conservador de Temer está tentando atenuar a legislação que pune, no Brasil, o
trabalho realizado em condições de escravidão, o que significa um retrocesso grave
na luta contra os novos senhores de escravos. A sociedade se rebelou a tal
ponto que Temer acabou prometendo rever alguns itens da nova lei.
Diante
de uma sociedade indignada com o governo, ocorreu ao magistrado a ideia de
tratar do assunto com uma ironia barata. “Eu me submeto a um trabalho
exaustivo, mas com prazer, e não considero que isso seja trabalho escravo”,
comentou, e, insistindo em sua ironia, perguntou se também seria trabalho
escravo “o dos motoristas dos juízes do Supremo que ficam esperando no subsolo
da garagem”. Era como dizer: não exageremos querendo ver como escravo todo e
qualquer trabalho.
O
que o juiz não entendeu é que a ironia e a sátira compõem um dos gêneros
literários mais difíceis e perigosos de se usar. É preciso uma inteligência
aguçada para adotá-lo. Caso contrário, ele se transforma, como neste caso, em
um bumerangue.
Gilmar
Mendes não entendeu que, desde os gregos até os nossos dias, passando pelos
romanos, a sátira deve ser dirigida contra os carrascos e não contra as
vítimas. Por isso ela é libertadora. Com sua ironia, o magistrado mostrou não
entender — ou será que entendeu, sim? — que o que ele estava fazendo era apoiar
a flexibilização da legislação contra o trabalho escravo.
Mendes
não entendeu que o que ele fez foi ofender não só os milhões de trabalhadores
que ainda hoje vivem em situações degradantes, mas também os milhões de
trabalhadores comuns, como são aqueles que não têm a sorte, como ele, de
trabalhar com algo que “lhe dá prazer” e, além disso, uma remuneração elevada,
quando se sabe que o trabalho é muitas vezes alienante, burocrático, mal
remunerado, que as pessoas aceitam não por gosto ou por prazer, mas porque
precisam viver e sustentar uma família. E esse é o caso da grande maioria.
Muito
sangue dos antigos escravos ainda corre nas veias do Brasil, assim como corre
muita dor, a dor dos milhões de trabalhadores que, por culpa de gigantesca
desigualdade social que castiga o país, se veem obrigados, tantas vezes, a realizar
um trabalho que traz consigo as marcas da velha escravidão. Faz sentido fazer
humor com eles?
Nada
contra o uso da sátira, que é o sal que dá sabor à dureza da vida e aos abusos
de poder. Nada mais eficaz do que uma charge inteligente para colocar de
joelhos um canalha ou desinchar o ego de quem se acha acima dos outros. Ninguém
se incomoda mais com a sátira do que os poderosos. Muitas vezes, uma boa charge
acaba se transformando no melhor editorial de um jornal.
Todos
os autoritários sempre tiveram pavor da ironia, e continuam tendo. Em uma
charge que vi reproduzida dias atrás no Facebook e que certamente se referia à
ironia feita pelo magistrado brasileiro, aparece um trabalhador baixinho com
uma corrente de ferro no pescoço. Seu chefe, alto, vestido de preto, olha para
ele e diz: “Se a corrente está frouxa não é trabalho escravo”. O título da
charge é: FLEXIBILIZOU. Isso sim, Excelência, é uma sátira inteligente.
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