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Arte que imita a vida e vice-versa
Posted by Cottidianos
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Quinta-feira, 02 de novembro
“Os habitantes da terra estão abusando
Ao
nosso supremo divino sobrecarregando
Fazendo
mil besteiras e o mal sem ter motivo
E
só se lembram de Deus quando estão no perigo”
(Saco Cheio – Composição: Almir Guineto
Interpretação:
Maria Rita)
Há
muito tempo numa galáxia distante...
Nesse primeiro momento não há música,
apenas silencio. E o silêncio, lembremos, traz expectativa do que está por vir
a ser dito, a ser mostrado.
Em seguida, estampado nele, aparece um
céu estrelado e saindo das extremidades da telona e desaparecendo rapidamente
no céu infinito, o título do filme, Guerra nas Estrelas (Star Wars), enquanto o
espectador ouve a clássica, Star Wars Theme Song, parte da trilha sonora de
John Willians, composta para o filme. De baixo para cima, e ainda sob a
magistral trilha do John, vai surgindo a introdução, apresentação do filme:
Episodio I
Uma Nova Ameaça
A galáxia vive tempos de expansão...
Assim, em 1977, começava uma das sagas
de maior sucesso na história do cinema mundial: Guerra nas Estrelas (Star
Wars). Dividida em seis episódios, desde sua estreia a série já faturou bilhões
de dólares, e incontáveis espectadores já a viram na telona, ou na telinha.
Talvez o sucesso da série se desenhe já
no seu momento inicial do primeiro filme quando apresenta ao espectador a
frase: “Há muito tempo numa galáxia
distante...”.
Ora, todo mundo em sua imaginação quer
saber o que se passa numa galáxia distante. Haverá alienígenas? Como serão
eles? São seres avançados? Querem dominar a Terra, ou serão amigos dos humanos?
A verdade é que a ficção mexe com nossa
imaginação, sacode nossos sentimentos. Pensando assim, percebemos que os filmes
de maior sucesso de bilheteria são aqueles que exploram esse lado curioso de
nossa imaginação, fazendo-nos viajar para mundos diferentes do nosso e
habitados por seres estranhos.
A ficção científica é um campo vasto,
uma tela em branco, por assim dizer, pois, por nunca termos ido numa galáxia
distante, então pressupomos que tudo pode acontecer por lá. Nossa mente não se
reprime, assim como também não reprimimos nosso sentimento. Podemos até ver um
extraterrestre comendo um rato — como, por exemplo, na série V – A Batalha Final, outra série de
grande sucesso — como se se fartasse de um gostoso pedaço de queijo que os
ambientalistas não moveriam um músculo para protestar, afinal, é ficção cientifica,
e nela os ETs podem comer ratos, e outros animais semelhantes. Isso apenas pode
causar certo nojo na maioria dos espectadores, mas não passa disso.
Porém, e quando a ficção desenha,
espelha, imita, o nosso mundo real? E quando a telona, ou a telinha refletem no
espelho do tempo o retrato fiel de nossa sociedade? Bem, meus amigos, minhas
amigas, aí a coisa muda de figura.
A
sociedade conservadora e tradicional, em sua maioria, não está preparada para
aceitar o diferente. Para essa sociedade, tudo teria que funcionar como se o
mundo fosse regido por um grande ditador que decretasse que todos os seres
devem agir todos dentro de uma uniformidade. Algo como na Coreia do Norte, do
ditador, Kim Jong-un, no qual o estado dita a moda.
Nesse país não circulam revistas de
moda, aliás, por lá, em se tratando de mídia, apenas circulam um jornal diário
e uma revista semanal, ambos editados e controlados pelo estado. É o estado que
diz como devem se apresentar os cidadãos. As mulheres podem dar-se ao luxo de
escolher o corte de cabelo em um catalogo nacional que contém 14 tipos de cortes
de cabelo. Às mulheres casadas é recomendado o uso dos cabelos curtos, e às
solteiras, comprimento mediano, e até ondulado.
Sobre os homens, nesse aspecto, a
exigência é maior: eles são instruídos a cortar o cabelo a cada 15 dias. Os
cabelos masculinos não devem ultrapassar os 5 cm de cumprimento. Também não
podem usar produtos como o gel para cabelos para não parecerem muito
efeminados. Em se tratando de
vestimenta, também tem um código a ser seguido, tanto por homens, quanto por
mulheres.
No campo das ideias, em certos setores
da sociedade, principalmente os mais conservadores, as coisas funcionam, mais
ou menos, da mesma forma: as pessoas não podem sentir diferente, ser
diferentes, ou agir diferente. E aqui nem está se falando de transgressões, mas
apenas de modo de ser, de essência humana, de ser aquilo que se é.
Falando da vida imitar a arte e da arte
imitar a vida, falemos das novelas brasileiras, tão assistidas Brasil afora, e
principalmente, das novelas da Globo, que vez por outra, suscitam grandes
polêmicas.
Recentemente, a Globo exibiu a novela, A Força do Querer, no horário das 21hs. A
autora Glória Perez trouxe para a novela a questão da transgeneridade, drama
vivido pelos personagens Ivana (Carol Duarte) e Nonato (Silvero Pereira). Ivana
é uma bela jovem, que ao longo da trama vai descobrindo que, dentro de seu
corpo feminino habita uma alma masculina. E provoca um grande conflito na
família quando resolve se vestir e agir como homem, tomando, inclusive
hormônios que façam sobressair traços masculinos em seu corpo.
A
família abastada não aceita o fato de que Ivana venha a se tornar Ivan. A
novela mostra o preconceito contra os trans, não apenas por parte da família, dentro
de casa, mas também fora de casa, quando Ivan é agredido na rua algumas vezes,
tendo, em uma dela ido parar no hospital todo machucado pelas agressões físicas
sofridas na rua. Ao final, a família se convence de que não há nada que possa
impedir a transgeneridade de Ivana e aceita a nova condição da filha.
Quanto a Nonato, ele é um jovem que,
durante o dia trabalha em escritório de advocacia, e à noite, se transforma em
mulher e faz shows em boates da cidade. É Nonato quem orienta Ivana em sua nova
fase, alertando-a para os dilemas e preconceitos que a jovem teria de enfrentar
ao assumir a condição de transgenero.
A novela teve como ambientação em seus
primeiros capítulos, a cidade de Belém do Pará, e depois o cenário mudou para a
cidade do Rio de Janeiro.
Ao abordar uma questão tão delicada a
novela e a emissora atraíram a ira de grupos religiosos e de outros setores da
sociedade. Padres e pastores propuseram uma cruzada contra a Rede Globo, que
segundo eles, é uma destruidora dos lares e modificadora da realidade moral das
famílias brasileiras. Mensagens foram pregadas nos púlpitos católicos e
protestantes contra a novela que estava sendo exibida e contra os transgeneros.
Ao imitar a vida a novela, de forma
artística, de forma sensual, porém sem cair no pornográfico, relevou ao Brasil
a condição de milhares de pessoas no país, e milhões no mundo, que vivem o drama
de ser transgenero, e que não sabem lidar com essa questão. Essas pessoas vivem
na terra o seu calvário, carregam a cruz pesada do preconceito, sofrem
depressão e violência.
Quando a emissora de televisão traz à
tona um tema tão controverso, ela não está atingindo, nem destruindo a moral
familiar, ela está apenas mostrando que existe uma realidade diferente daquela
que não é a realidade da grande maioria. Ela está mostrando apenas que o universo
é movimento e que o mundo não é algo estático, que o tempo passa, os costumes
mudam.
Olhando por cima do ombro, e para o
passado, veremos que já avançamos muito, e que a humanidade já viveu assentada
sobre ideias que eram dominantes na época, e que hoje nos parecem ridículas e
infantis. Ideias essas que também eram sacramentadas pela igreja, pois tudo
fazia parte de um contexto social, de uma época, de um momento.
Já se disse, por exemplo, que os negros
não tinham alma, já se disse que as mulheres eram incapazes de assumir postos
de comando, também já disse das mulheres e dos negros que não eram aptos a
votar.
Ainda hoje há por aí gente que ainda
pensa rasteiro em relações a essas questões, haja visto o número ainda
crescente de discriminação contra os negros e contras as mulheres.
A Globo encerrou uma novela polêmica e
já colocou no ar outra que está dando o que falar. A nova novela das 21hs, O Outro Lado do Paraíso, de Walcyr
Carrasco, em seus primeiros capítulos já apresentou temas com o estupro, e
violência contra a mulher. A novela abordará ainda temas quentes como o racismo
e homofobismo.
Esses são temas presentes na sociedade e
que precisam ser discutidos para serem compreendidos. Não adianta se fingir de
cego, ou querer tapar o sol com a peneira, pois quem assim o faz, pode
despencar no precipício da ignorância, e aí sim, haverá choro e ranger de
dentes.
Não adianta ignorar que são altíssimos
os números de agressões contra os trangeneros, contra os homossexuais, e contra
as mulheres. Quando a sociedade, principalmente os setores religiosos, através
de uma atitude preconceituosa, fecham-se para a discussão desses temas, é como
se eles tivessem se colocando ao lado dos algozes e condenando as vítimas.
Estamos vivendo em um mundo conturbado,
onde o respeito pelo outro diminui a cada dia. Nesse universo é preciso
entender que se deve julgar o outro não pela sua sexualidade, mas pelo caráter,
não pela sua natureza sexual, mas pela luz que há em seu coração.
É preciso entender que a
homossexualidade, ou a transgeneridade não encerram em si mesmas as devassidões
do mundo, pois a maldade presente no mundo. É preciso compreender que o que, de
fato, destrói as famílias não é a sexualidade deste ou daquele, mas sim a falta
de amor, de compreensão, e de aceitação do outro, daquele que é diferente de
nós, e esse tipo de sentimento está no coração de padres, de pastores, de
leigos, de crente e ateus, pois que é uma coisa inerente ao coração humano, e
Deus deu livre arbítrio ao homem de escolher entre o bem e mal, escolhai, pois,
vós, o bem.
É preciso compreender também que uma
mulher não está pedindo para ser estuprada apenas por estar com uma roupa
provocante. Que ela não é escrava do homem, mas companheira. Que a sua
fragilidade física não é um convite à agressão.
Ademais, é bom que esses setores
religiosos ajam como verdadeiros profetas sociais, e gritem, não contra quem
faz arte que imita a vida, mas contra os poderosos que desviam milhões dos
cofres públicos e comemoram a impunidade reinante no país com os melhores
vinhos e champagne importados. Porém, para essa realidade cruel e gritante eles
parecem fazer vistas grossas.
Que eles se levantem contra os falsos religiosos
e falsos profetas que usam as tribunas do Congresso Nacional para proclamar
suas hipocrisias e apoio à corrupção e à roubalheira que campeia em nosso país.
Se querem ser profetas de verdade, denunciem também os pastores que enriquecem,
ilicitamente, à custa do dízimo dos fieis.
Agindo dessa forma eles estarão, sim,
fazendo a vontade Cristo, de quem se dizem seguidores, e não estarão fazendo a
vontade de Cristo levantando o chicote contra aqueles que apenas querem ser
gente, e querem ser respeitados como gente.
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