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Andando na contramão da moralidade

Posted by Cottidianos on 12:53
Domingo, 12 de novembro
Onde a máquina me leva não há nada
Horizontes e fronteiras são iguais
Se agora tudo que eu mais quero
Já ficou pra trás
Qualquer um que leva a vida nessa estrada
Só precisa de uma sombra pra chegar
A saudade vai batendo e o coração dispara

(Retrovisor – Fagner)


Na sexta-feira (10), funcionários da Mercedes, equipe à qual pertence o piloto Lewis Hamilton, foram assaltados, em São Paulo. A equipe deixava o autódromo de Interlagos, Zona Sul da cidade, quando foi abordada por cinco ou seis bandidos armados, segundo Niki Lauda, chefe da Mercedes, que dispararam alguns tiros. A equipe está no Brasil para o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 que acontece neste domingo (12).

O tetra campeão mundial de Fórmula 1 não estava junto com a equipe no momento do assalto. Porém, ficou uma fera quando soube do ocorrido. “Alguns integrantes do meu time foram abordados por homens armados quando deixavam o circuito no Brasil. Tiros foram disparados e armas foram apontadas para a cabeça de alguns. É muito desapontador ouvir isso. Por favor, rezem por meus companheiros que são profissionais e estão abalados”, escreveu o piloto nas redes sociais, e acrescentou: “Isso acontece todo ano aqui. A Fórmula 1 e as equipes precisam fazer mais. Não há desculpas”.

O Sr. está certo, excelentíssimo Sr. tetra campeão da F1. A F1 e as equipes que a compõem precisam fazer alguma coisa para evitar esses constrangimentos. Porém o que o Sr. talvez desconheça é que quem precisa fazer muito mais são os nossos governos nas esferas municipais, estaduais, e federal, que gastam seu tempo e o dinheiro do contribuinte a roubar o dinheiro dos cofres da nação, e ainda por cima, na surdina, no silêncios dos porões sórdidos do Legislativo e do Executivo tramam planos para que o combate à corrupção e à impunidade — que deveria ser a bandeira máster a ser levantada por eles — seja, tal qual lixo, empurrada para debaixo do tapete, e jogada nos aterros do esquecimento.

Recentemente, o deputado Miro Teixeira, do Partido Rede, fez um comentário que, mais que um comentário político, é uma resumida análise sociológica. Disse ele, referindo-se a um projeto de lei que pode enfraquecer a Lei da Ficha Limpa: “Vai ser um passo atrás. A rigor vai ser um estímulo à impunidade. E sempre que aumenta a impunidade nas esferas mais elevadas da administração pública, acaba aumentando a sensação de impunidade do criminoso comum, aumenta o crime na rua. Uma coisa está muito vinculada à outra”.

Como diz o deputado, quem sabe não esteja aí a razão para o aumento da criminalidade em nosso país, principalmente nos grandes centros, como Rio e São Paulo. Pegando carona na fala de Miro Teixeira, podemos dizer que o Rio, é, nesse sentido, vitrine. O Estado viveu por duas administrações sob o comando da quadrilha liderada pelo ex-governador Sérgio Cabral. E hoje os cariocas vivem um inferno, principalmente, na área de segurança, onde os assaltos e conflitos entre policiais e traficantes tem sido uma constante.

Voltando ainda ao fato relacionado à fala do deputado Miro Teixeira. Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que pode prejudicar em muito à Lei da Ficha Limpa.

A Lei da Ficha é uma lei que nasceu da incitativa popular, através de um projeto que reuniu mais de um milhão de assinaturas. O projeto se tornou lei em 2010, mas a lei apenas se tornou efetiva de fato em 2012, ocasião em que foram realizadas as primeiras eleições depois da criação da lei.

A lei determina que sejam considerados inelegíveis governadores e prefeitos que perderam os cargos eletivos por violarem à Constituição Estadual e à Lei Orgânica do Município. Ficam impedidos de se candidatar também os candidatos que foram condenados pela Justiça eleitoral nos processos que apuram abuso de poder econômico ou político.

Ficam inelegíveis também os candidatos que forem condenados pelos crimes contra a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, e a economia popular, dentre outros crimes.

Enfim, a Lei da Ficha Limpa elenca uma série de elementos que podem colocar o Brasil nos trilhos que queremos, qual seja, um país sério onde as leis sejam respeitadas e os criminosos punidos. Que a corrupção seja, se não extirpada, eliminada de nosso meio, pelo menos abrandada. Esse é o deseja da sociedade brasileira.

Porém, entre o que quer a sociedade e o que querem os que a governam parece haver um abismo imenso. Se compararmos a um casamento, então há um divórcio não amigável entre os líderes políticos e a sociedade. Como por exemplo, esse projeto que quer alterar a lei da Ficha Limpa.

O projeto é de autoria do deputado do Nelson Marquezelli (PTB) e, detalhe, há requerimento para que o projeto seja votado com urgência. Tal qual abutres ávidos por carne podre de algum animal morto na caatinga, logo o projeto de Marquezelli recebeu o apoio incondicional de 15 partidos: PT, PMDB, DEM, PP, PTB, PC do B, AVANTE, SD, PRB, PHS, PROS, PSL, PRP, PV, e PSC.

O fantasma que está provocando tanto medo nos deputados a ponto de pedirem urgência para a votação deste projeto, é uma decisão do Supremo Tribunal Federal tomada em 04 de outubro deste ano.

Por seis votos contra cinco, o STF decidiu aplicar a Lei da Ficha Limpa também a políticos condenados antes de 2010, quando a lei passou a vigorar, tornando esses políticos inelegíveis por oito anos. A lei anterior à lei de 2010 estabelecia uma punição de três anos de inelegibilidade. 

Com essa decisão, o Supremo barra as candidaturas para as próximas eleições para os políticos que foram condenados por abuso de poder entre janeiro e junho de 2010, que foi o mês em que a Lei da Ficha Limpa foi sancionada. Os que foram condenados em 2009, ao final desse ano, já terão cumprido o prazo de inelegibilidade. Esse entendimento do STF pode levar a cassação de centenas de mandatos de políticos que foram eleitos em 2014 e 2016.

A causa “nobre” pela qual o deputado Nelson Marquezelli está lutando, e tentando ganhar aliados para ela, é de que a lei não seja retroativa, o que anularia a decisão do STF tomada em outubro. Segundo o deputado, o objetivo do projeto é evitar que a retroatividade seja tão intensa que venha a prejudicar a segurança jurídica, a soberania popular e a coisa julgada. Nesse pacote de objetivos, ele coloca também as demais consequências sociais, financeiras, e políticas que decorreriam da retroação da lei.

Ora, não é a lei da Ficha Limpa que ultraja segurança jurídica, a soberania popular e a coisa julgada, bem como as demais consequências citadas pelo deputado. Quem ultraja, todos os dias, os brasileiros violando esses princípios são os excelentíssimos deputados e senadores que, se esqueceram de legislar pelo país e apenas legislam em causa própria.

Não se pode desconsidera os crimes praticados pelos parlamentares antes da lei de 2010. Para os cidadãos comuns é certo que não haja retroação de lei, pois, nesse caso trata-se de direitos civis, e estes tratam das liberdades individuais, direito de ir e vir, etc. mas no caso do político, entra-se na questão dos direitos políticos. E os direitos políticos tratam da participação do governo na sociedade. Em tese, o povo participando do poder. Deveria ser assim. Então se o candidato pretende representar a coletividade é certo que ela tenha conduta ilibada para que não se corra o risco de que ele venha a ludibriar aqueles que representa, como é o que tem acontecido em nosso deplorável cenário político.

É nesse sentido que também caminha o pensamento do ex-presidente do Supremo, Aires Brito. Disse ele em entrevista ao Jornal Nacional: “Não confundir as coisas, nós estamos cuidando de direitos políticos. Quando a Constituição proíbe a retroação da lei penal está protegendo o indivíduo. Aqui nós estamos cuidando de direitos políticos porque o indivíduo presenta a si mesmo, fala por si, ao passo que o candidato tem a pretensão de representar toda uma coletividade, de ser porta-voz de todo o povo. Então, a Constituição exige muito mais do candidato para que ele tenha uma vida passada isenta de senões ou infringências à lei da improbidade administrativa. É de ser mesmo inelegível quem tem uma biografia, uma vida passada eticamente enlameada. Quem vive num lodaçal ético... chega a ser atrevimento postular uma candidatura para representar o povo”.

É preciso que a sociedade fique de olhos bem abertos e atentos, cada vez mais e mais, uma vez que o despudor dos políticos antes era mais recatado. Hoje, não. Eles, abertamente, posicionaram-se contra a moralidade e ao lado da roubalheira, da impunidade, e da corrupção.

No próximo ano teremos eleições, e, talvez, as mais importantes dos últimos anos, pois teremos um raio de X de como o todo da sociedade está reagindo a tudo isso. É possível que os lobos em pele de cordeiros sejam reeleitos? É possível que os corruptos e ladrões sejam reeleitos? Sim, é possível. Afinal, grande parte da sociedade ainda vive alheia a tudo o que acontece nos bastidores da política, bastidores estes que tem sido escancarados pela imprensa. Milhões de pessoas menos esclarecidas podem se deixar pela fala mansa dos lobos? Podem. Não podemos negar. Mas é justamente isso que a sociedade precisa evitar. Pois um lobo em pele de cordeiro, virá lobo em dois tempos, basta apenas conseguir o seu objetivo que é o de ser eleito. E um lobo em pele de cordeiro colocado em lugar errado devora todo mundo, aqueles que enganou e aqueles a quem não enganou. 

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