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Liberdade: O sol que nasce para todos

Posted by Cottidianos on 09:21
Segunda-feira, 20 de novembro
Mais é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã.
Espera que o sol já vem
(Mais do mesmo – Renato Russo)



Hoje, vinte de novembro, é dia da Consciência Negra. Hoje, mais uma vez, como tem feito há muito tempo, o sol se levanta sobre todos: Negros, brancos, pobres, ricos, velhos e crianças, para gente da favela, e para gente dos palácios.
O sol, assim como a chuva, o vento, e todos os elementos da natureza, são, por natureza, sábios. Eles não fazem discriminação.
Já pensou um sol que nascesse apenas para os negros? Ou uma chuva que chovesse apenas para os brancos, ou um vento que ventasse apenas para os velhos, ou uma terra que desse fruto apenas para as crianças?
Os homens, todos os homens e mulheres deveriam aprender com a natureza. Isto é, deveriam ser tão sábios quanto ela, a mãe de todos nós: a mãe natureza. Essa mãe tão bondosa que abraça todos os seus filhos, sem fazer distinção de raça, cor, religião, filosofias, e todos os outros sistemas e categorias que os homens inventaram para complicar ainda mais a já tão complicada vida terrena.
E, notem, que para ser sábio, para ser sábia, não é necessário ter os melhores diplomas, nas melhores universidades. Ao contrário, tem muita gente que tem tudo isso, e, se comparado a um asno pastando no campo, o asno ainda é mais sábio. Diplomas e conhecimento não significam, necessariamente, sabedoria. Tem gente que têm as duas coisas: diplomas e sabedoria, e Deus seja louvado por isso.
Pensem vocês sobre qual curso a mãe natureza fez. E pensem vocês também em como tudo funciona com perfeição na natureza. O próprio astro rei tem um caminho a percorrer no céu, diariamente, e o percorre sem atrasar um segundo sequer. Se bem que, ao que nos parece, ele tem andando um pouco mais rápido, dada a velocidade com que tem se sucedido os dias, as horas, os anos. Mas todos os dias lá está ele, imponente, e disposto a cumprir a missão que lhe foi confiada.
Os órgãos de nosso corpo, os cabelos de nossas cabeças, as unhas de nossos dedos, por mais conhecimento e poder que tenhamos, não conseguimos dar sequer uma ordem a qualquer um deles, para que cresçam, ou deixem de crescer, para que funcionem, ou deixem de funcionar. Tudo é regido e permitido por uma força maior. Tudo na natureza é regido por uma força maior, inclusive, nós seres humanos, que ingenuamente, às vezes nos consideramos deuses. Coitados de nós, tão pequenos e frágeis, e tão nas mãos do destino!
E apesar de toda essa impotência, diante do poder criador que a tudo rege, ainda nos damos, enquanto raça humana, o direito de julgar as pessoas pela cor da pele, pela posição social que ocupa, por alguma limitação que tem no corpo do outro.
A pele, uma dia a terra pedirá de volta. Ninguém escapa disso, pretos, brancos, pardos, todos vieram do pó e ao pó voltarão. O dinheiro, por mais que se tenha, não dá para levar no esquife, o qual a terra também devorará. A limitação que vemos no corpo do outro e que nos faz vê-lo como menor e incapaz, pode estar apenas e tão somente no corpo, porque, na mente, aquele que vemos como incapaz pode estar a quilômetros á nossa frente.
Então, porque sair por aí, pisando, humilhando, maltratando, discriminando a quem quer que seja?
Metaforicamente, a vida já foi comparada a uma jornada, a uma vela, e tantas outras coisas, mas lembremos de que a vida, metaforicamente, também pode ser comparada a um processo judicial. E lembremos também que, em todo processo judicial, ao final dele, você estará sentado diante de um juiz que julgará suas ações. Lembre-se que ao final do processo judicial só há dois caminhos possíveis: a liberdade ou a condenação. Trabalhem pois, enquanto lhes sobra tempo para ganhar, ao final do processo, o merecido e agradável premio da liberdade.
Parem de perder tempo com coisas inúteis e desnecessárias. Olhai para a grandiosidade da vida, para a riqueza que é o outro que caminha a seu lado. Veja nele seu semelhante e não seu diferente. Afinal, Deus é um só. Porque então considerar o outro menor pela cor da pele, posição social e todos os outros critérios que levam a uma discriminação e preconceito que geram violência?
A seguir, este blog compartilha palestra de uma das melhores atrizes brasileiras: Thais Araújo, negra, mãe de dois filhos: um menino e uma menina, e casada com o também ator negro, Lazáro Ramos.
Thais proferiu palestra no evento, Mulheres que Inspiram, promovido pelo TEDx, em São Paulo, no começo deste mês.
Na palestra, de uma forma simples e emocionante, atriz fala da preocupação com a educação e o futuro dos filhos em país preconceituoso contra os negros e mulheres. Ela também fala de racismo, preconceito e violência.

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Thais Araújo

Como criar crianças doces num país ácido?

TEDx/São Paulo – Thais Araújo
Eu sou mãe de um menino de 6 anos chamado João Vicente e de uma menina de 2 anos e 7 meses chamada Maria Antonia, e a pergunta que eu mais escuto, a pergunta que mais me fazem é: qual a diferença entre criar um menino e criar uma menina? E a minha resposta ela é sempre muito imediata, ela é sempre a mesma. Eu sempre falo que eu não vejo diferença entre criar meninos e meninas. Eu to criando dois indivíduos, portanto, cada um tem suas características.
Essa minha resposta, apesar de sempre a mesma, ela é uma mentira. Eu vejo diferença entre criar meninos e meninas. O gênero é uma questão. Porque quando eu engravidei de meu filho, eu fiquei muito, mas muito aliviada, de saber que no meu ventre, tinha um homem. Porque tinha a certeza que ele estaria livre de passar por situações vivenciadas por nós mulheres.
Teoricamente, ele está livre, certo? Errado. Errado porque o meu filho, ele é um menino negro, e liberdade não é um direito que ele vai poder usufruir se ele andar pelas ruas, descalço, sem camisa, sujo, saindo da aula de futebol. Ele corre o risco de ser apontado como um infrator, mesmo com 6 anos de idade.
Quando ele se tornar adolescente ele não vai ter a liberdade de ir para a sua escola, pegar uma condução, pegar um ônibus com a sua mochila, com seu boné, ou com o seu capuz, com seu andar adolescente, sem correr o risco de levar uma investida da polícia, ao ser confundido com um bandido. Porque no Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de calçada, escondam suas bolsas, e que blindem seus carros.
A vida dele só não vai ser mais difícil que a vida da minha filha. Com a Maria Antonia eu me pego pensando o tempo inteiro o quanto nos mulheres somos criadas pra agradar, o quanto nos silenciam, e o quanto nos desqualificam, o tempo inteiro. Quando eu penso no risco que ela corre, simplesmente, por ter nascido mulher e negra, eu fico completamente apavorada, e o meu pavor tem uma razão.
Observando o mapa da violência no Brasil, esse mapa é o de 2015, é o último que a gente tem, os números são muitos alarmantes. Mas nós temos algumas vitórias muito poucas, mas eu queria ressaltar uma: o número de feminicidio contra mulheres brancas ele caiu. Ele caiu 9,8%. É muito pouco o que a gente deseja pra nossas irmãs brancas, mas caiu. Já o numero de feminicidio contra as mulheres negras aumentou 54, 8%.
É ou não pra eu ficar apavorada? Preciso dizer mais alguma coisa? Preciso dizer que, apesar do meu pavor, apesar do meu medo, apesar desses números alarmantes, eu não ouso perder a esperança, e fico elaborando o tempo inteiro uma maneira de eu criar meus filhos aqui no Brasil, no meu país.
Eu fico pensando em como criar crianças doces num país tão ácido? Como criar crianças que acreditem que pluralidade e diversidade são riquezas, num país que é tão plural, que é tão diverso, e que é tão desigual? Como não jogar sobre elas uma vivencia, experiência, até uma magoa que é minha, mas também como não permitir que elas enfrentem o mundo de maneira ingênua, pra que não sejam atropeladas pelo racismo que existe na estrutura de nosso país?
Eu assisti a um filme chamado a 13a emenda, um documentário, ele fala sobre o sistema carcerário norte americano, e fala de um homem, um homem branco, me chamou muito atenção. Ele disse: eu sou fruto de uma escolha feita pelos meus antepassados.  Os negros são frutos de uma falta de possibilidade de escolha dos seus antepassados. Eu, homem branco, tenho culpa dessas escolhas? Os negros contemporâneos têm culpa dessas escolhas? Não. Nenhum de nós temos culpa.  Mas foi uma herança que a gente recebeu, então a gente tem que ter a responsabilidade de lidar com essa herança das quais somos frutos.
Eu fiquei pensando no que esse cara falou, eu pensei: Gente, que ele tá falando? Essa herança que esse cara tá falando, ela tem um nome e ela se chama nossa sociedade. Sendo assim, a desigualdade social, a desigualdade entre gêneros, e o racismo, são, sim, problemas de todos nós. E não é só problema de gênero, não porque até a condição sexual importa muito nesse país.
O Brasil é o país que mais mata homosexual no mundo. Os meus filhos eles são crianças ainda. Eu não sei qual será a condição sexual deles, mas o que eu desejo para os meus filhos é o que eu desejo para toda e qualquer criança, seja branca, negra, indígena, heterossexual, homossexual, gay, trans, eu desejo que eles cresçam livres, cheios de amor, coragem, que sejam crianças potentes.
E eu também tenho um sonho. Eu tenho um sonho de ver ricos trabalhando para acabar com a pobreza, de ver homens se colocando no lugar de mulheres, de ver mulheres brancas entendendo que existe um abismo entre mulheres brancas e mulheres negras. Eu tenho um sonho de ver crianças heterossexuais aceitando crianças homossexuais e trans, de ver mulheres heterossexuais aceitando mulheres lésbicas, e, todos nós, que a gente fique muito atentos pra garantir o direito dos índios.
Eu queria aqui hoje fazer um convite, um convite pra gente se ajudar mutuamente, se ajudar para que todos possam ter de fato as mesmas possibilidades, porque perante a lei, somos todos iguais, mas na prática não somos. Isso não é um problema. As diferenças não são um problema desde que elas não causem desigualdade.
Pra isso acontecer, eu tenho a sensação de que a gente tem que começar a olhar pro outro com humanidade, com afeto. É um exercício. Olhar pro outro com afeto é um exercício. Entender que o outro e sim uma extensão da gente. Olha, se a gente quiser andar tranquilamente pelas ruas, de dia e de noite. Se a gente quiser ficar nas nossas casas sem aflição de saber como ou se os nossos filhos chegarão aos seus destinos. Se a gente quer ligar a televisão e não assistir a uma enxurrada de sangue. Se agente quer andar com os nossos com os vidros abertos, não quiser ficar fazendo conta de quanto será blindar um carro, a gente vai ter que melhorar a vida das pessoas. É a única maneira.
E uma chance disso é a gente olhar pro outro com afeto, com atenção, e aí fica a pergunta: como é que a gente pode melhorar a vida das pessoas? Eu não sou o governo. Eu não sou uma empresa. Por que um governo sério a gente sabe o que ele deve fazer para acabar com a desigualdade. Ele deve investir em políticas públicas, em ações afirmativas, em políticas educacionais, inclusivas, né?
Uma empresa ela pode reavaliar o seu quadro de funcionários, e fazer da diversidade um pilar real dessa companhia. Mas, e a sociedade civil? O que a sociedade civil pode fazer? Bom, nos somos a sociedade civil. E essa tem sido a questão da minha vida: como eu posso melhorar a vida das pessoas?
E aí eu fico pensando que talvez a gente tenha que transformar os nossos pensamentos, as nossas falas em ação. Entender que as ações individuais elas geram impacto diretamente no coletivo, e o coletivo somos nós. Somos a nossa sociedade. As pequenas ações elas são valiosas e elas são capazes de mudar o mundo. E onde começa o mundo senão em nós mesmos?

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