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Sabedoria de umbuzeiro

Posted by Cottidianos on 00:58
Domingo, 12 de março

Tantas vezes me mataram / Tantas vezes eu morri
Mas agora estou aqui /ressuscitando
Agradeço ao meu destino /E a essa mão com um punhal
Porque me matou tão mal /E eu segui cantando
Cantando ao sol /Como uma cigarra
Depois de um ano embaixo da terra
Igual a um sobrevivente /Regressando da guerra
(A cigarra – Renato Teixeira)


 Há na caatinga nordestina, árvores fortes, como o umbuzeiro, que suportam com dignidade e beleza a dureza dos períodos de estiagem, e matos ralos, que secam ao primeiro raio de sol que desce mais forte sobre a terra.

Na vida não é diferente, há pessoas umbuzeiros e pessoas mato ralo. Em qual das duas categorias se enquadra o caro leitor, ou leitora?

Naquele segundo ano houve dificuldades medonhas. Plantei mamona e algodão, mas a safra foi ruim, os preços baixos, vivi meses aperreado, vendendo macacos e fazendo das fraquezas forças para não ir ao fundo. Trabalhava danadamente, dormindo pouco, levantando-se às quatro da manhã, passando dias ao sol, à chuva, de facão, pistola e cartucheira, comendo nas horas de descanso um pedaço de bacalhau assado e um punhado de farinha.
O trecho acima em parágrafo recuado foi extraído do livro, São Bernardo, um dos clássicos de Graciliano Ramos. No trecho citado acima, o personagem Paulo Honório faz um balanço de sua vida na Fazenda São Bernardo. Paulo Honório é o dono da fazenda, e para conseguir os seus objetivos na vida, passa por cima de tudo e todos. Depois descobre que não é bem esse o fio condutor da vida.  Porém, não é esse o enfoque que se quer dar nesse texto, mas sim, as dificuldades vividas pelo nordestino, e principalmente, o homem do sertão.

Euclides da Cunha, em seu clássico romance, Os Sertões, diz que “o nordestino é antes de tudo um forte”. O autor foi muito feliz ao dar vida a estas palavras em seu texto. São palavras obvias para quem está imerso na realidade do povo nordestino, mas o obvio e belo está tão evidente em nossa vida, na maioria das vezes, debaixo de nosso nariz, mas ficamos procurando, o complexo, nesse jogo de simples e complexo, as grandes verdades da vida passam despercebida de nós mesmos.

Como Paulo Honório, no sentido de homem nordestino que passa por dificuldades existem muitos. Gente que se levanta quando  o sol ainda se demorará em raiar, e sai, serpenteando pelas estreitas veredas do sertão, em busca do sustento, de um bocado para comer, e dar de comer aos filhos.

A seca rouba do nordestino os sonhos de uma boa colheita, de água fácil para matar a sede dos homens e dos bichos. É preciso ser forte ao ver que os grãos plantados vão mirrando no solo seco, esturricado, as últimas folhas como braços erguidos ao céu suplicando apenas algumas gotas de chuva para saciar a sede. Mas sobre elas bate um sol impiedoso que lhes ceifa a vida, e as plantas suplicantes acabam por se tornarem tão secas quanto o solo, entristecendo sertão e sertanejo.

Junto com os rios e lagos secam também a fonte das lágrimas do homem do sertão. Já não há lágrimas para chorar. É preciso viver, mais que isso, é preciso sobreviver. Não tempo para cair, nem para desanimar.

Em meio a toda sequidão uma palavra brota do coração sertanejo, e é ela que dá vida e animo para prosseguir a dura caminhada pelas veredas:estreita faixa de terra, ladeada por galhos que parecem suplicar por chuva que lhes venham refrescar as dores, e por espinhos que ferem e cortam a pele de quem pelas veredas adentra.

A palavra que brota do coração sertanejo, e se vai escrevendo em letras garrafais, a cada nascer do sol, e a cada entardecer, se chama esperança. Esperança que sempre vem acompanhada pela fé. Sem estas duas irmãs andando juntas pelas veredas do coração do sertanejo, ele secaria como o solo e as plantas que nele foram plantadas, e depois castigadas pelo sol abrasador.

Para o sertanejo é assim: quanto maiores as dificuldades, maior a fé e a esperança em dias melhores.

A inspirar o homem do sertão em meio a toda aquela desolação, está, imponente, uma planta que é exclusiva do nordeste, chamada umbuzeiro. Símbolo de resistência, de luta, e de não se entregar as dificuldades. As árvores ao seu redor estão perecendo por falta de chuvas, mas o umbuzeiro não: ele exibe verdor e vigor. Sua verde copada pode ser vista de longe em meio a caatinga.

Seus frutos azedos e saborosos, são uma rica fonte de vitamina C. Os seus frutos são tão abundantes que não se seguram no pé quando maduros, e vem forrar o chão estéril de fartura, como que a dizer, “diante das dificuldades, resista, e ouse ser diferente”.

Essa atitude nobre do umbuzeiro permite ao nordestino um meio a mais de matar a fome e nutrir ao corpo de vitaminas essenciais, além de conseguir algum dinheiro com a venda e beneficiamento do fruto.

Para exibir toda essa imponência e fartura em meio à desolação da caatinga, o umbuzeiro usa a tática das virgens prudentes da parábola dita pelo mestre Jesus, no evangelho de Mateus (25, 1-13).

Esta parábola narra a história das dez virgens que estava esperando pelo noivo para entrarem junto com ele no salão onde se realizaria a cerimônia de casamento. Ocorre que cinco delas eram precavidas e haviam levado óleo suficiente para o caso de uma emergência. E as outras cinco não eram tão precavidas assim, e levaram óleo apenas para o tempo suficiente em que esperariam o noivo.

E o imprevisto aconteceu: o noivo demorou mais que o esperado. Todas elas acabaram dormindo. Acordaram sobressaltadas com gritos de que o noivo estava chegando.

As imprudentes, com as lâmpadas quase se apagando, pediram óleo às prudentes, ao que estas replicaram “de modo nenhum, pois o óleo pode faltar para mim e para vocês”. E lá se foram as imprudentes comprar mais óleo, enquanto as prudentes entraram com o noivo, e a porta do salão se fechou atrás delas.

Este é o segredo do umbuzeiro para se conservar verdejante enquanto as árvores da caatinga ao seu redor perecem: a árvore tem por raízes, batatas que funcionam como pequenos reservatórios d’água. Durante o período chuvoso, estas raízes vão armazenando água e, durante, o período de estiagem, estas raízes vão abastecendo o tronco, folhas, flores, e frutos, da substância vital que lhes conserva a vida. Estima-se que cada umbuzeiro consiga acumular até 1.500 litros de água.

Agora, pense você que lê este artigo, no Brasil como um grande sertão que está atravessando um período de estiagem. O monstro da inflação a ameaçar o país em recessão. Crises por todos os lados. Universidades ao abandono. Economia em colapso. Crises institucionais. Um lastro de roubalheira e corrupção que puxam o país para trás.


Mais do que nunca é hora do brasileiro agir; com a sabedoria das virgens prudentes, prevenindo-se para qualquer eventualidade; com a ciência do umbuzeiro, que não espera os dias difíceis para tomar providências, pois as providências já foram tomadas antes, nos dias de fartura de chuvas e de água; e com a fé do sertanejo, que mesmo diante das dificuldades inúmeras, jamais deixa morrer nas veredas do seu coração, a esperança consoladora. 

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