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O Juiz Sérgio Moro rompe o silêncio e fala ao Estadão
Posted by Cottidianos
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00:13
Domingo,
06 de novembro
Foram
muitas as manifestações populares no Brasil. Foram diversos os gritos contra a
corrupção. As ruas apinharam-se de crianças, jovens e velhos, cujas palavras de
ordem nos gritos, nas frases escritas nas camisetas, bonés, e cartazes,
retratavam sempre o anseio de um Brasil melhor. Gritou-se muito contra a
corrupção. Foram milhões os gritos de “Fora Dilma”! “Fora Lula”! “Fora PT”. De certo
modo, esses gritos funcionaram muito bem, pois a presidente Dilma foi
destituída do cargo, o ex-presidente teve, ao que parece, seu brilho apagado, e
o PT fragorosamente derrotado nas urnas, nas últimas eleições para prefeito. Ah,
também houve os gritos de “Fora Cunha!”... E Cunha caiu fora, ou melhor foi
posto pra fora. Houve os gritos de “Fora Temer!”, mas nesse caso, os gritos não
lograram êxito. E não lograram êxito, ou porque as provas contra o atual
presidente ainda não se tornaram, de fato contundente, ou porque, no tabuleiro
de xadrez do jogo do poder, se tirarem a peça principal, o tabuleiro viraria uma
grande confusão, pois, o jogo está tão pobre em lideranças, que correríamos o
risco de não encontrar outra pedra, ou se encontrássemos, ela seria tão ruim,
que é melhor deixar como está, pelo menos até 2018.
Se
houve gritos contra os corruptos, também houve palavras de incentivo a quem
encabeça essa luta: o juiz Sérgio Moro, que comanda uma das maiores operações
policiais e investigativas que o Brasil jamais havia conhecido antes: Operação
Lava Jato. Assim como foi forte o grito de indignação, também foram milhões os
que levantaram cartazes em apoio ao juiz Sérgio Moro. Algumas pessoas chegaram
até mesmo a gritar “Sérgio Moro presidente!”.
Pena
que o grito das ruas tenha silenciado. As ruas poderiam voltar a gritar
novamente, dessa vez exigindo o “Fora Renan!” “Fora Romero Juca!” “Fora
Fernando Collor!” e fora tantos outros corruptos que ainda usam a lei como
escudo para a prática de atos ilícitos. As ruas não deveriam ter se calado. Ao contrário,
deveriam estar fazendo ainda mais barulho. Pois se Dilma se foi, e a estrela
vermelha se apagou, nem de longe foram banidos de debaixo da sombra de nossa
bandeira, os seus traidores, os traidores da nação, os traidores do povo que os
elegeu.
Em
meio a tudo esse rebuliço que provocou a Lava Jato, e das consequências que tem
feito suscitar no cenário político brasileiro, e do enorme medo que os
políticos tem dela, Sérgio Moro, estava calado. Apenas fazendo o seu trabalho,
com seriedade, e expressando o seu pensamento, em palestras, congressos, e
simpósios, mas ainda não havia, de fato, concedido uma longa entrevista a um
veículo de comunicação. Há dois anos que ele silencia. Mas resolveu falar ao
Jornal O Estado de São Paulo.
Os
repórteres Fausto Macedo e Ricardo Brandt foram a 13a Vara Federal,
em Curitiba, para ouvir o juiz. E lá não encontraram nada diferente do que
encontrariam na sala de qualquer outro magistrado do país: pilhas e pilhas de
processos a serem julgados. É dali, daquela sala e aparência caótica, e com
tantos papeis espalhados, que Sérgio Moro, 44 anos, tem incendiado o cenário
político, metendo medo em tantas figuras ilustres, que rezam para que os processos
em que são réus caiam nas mãos dele.
Para
aqueles que, durante as manifestações, alimentavam alguma esperança de ver o
juiz enveredar pela carreira política, podem, tranquilamente, tirar o cavalo da
chuva. Na entrevista ele afirma aos repórteres, que é um homem de Justiça, e
não um homem de política. Ele considera a política uma atividade importante,
mas diz que a realidade dele é outra. Também com a quantidade de criminosos, e
da tamanha desfaçatez dos personagens reais que habitam as paginas de seu
processo, Moro, como todo brasileiro, deve estar bastante desiludido com a
política, e com a classe política. Obviamente, ele não diz isso claramente, mas
é de pressupor que assim pense.
O
juiz diz ter se escandalizado com o modo como a corrupção sistêmica passou a
ser não a ser exceção, mas sim, uma regra. Esse comportamento ilícito fez com
que os agentes políticos e empresariais perdesse a noção do certo e do direito,
e achar mais do que normal dá e receber propina. Muitos políticos pensaram que
a Operação Lava Jato era chuva de verão. Tanto que continuaram a todo vapor com
suas más intenções, mesmo meses depois de deflagrada a operação.
A seguir,
este blog, compartilha a integra da entrevista publicada no Estadão.
***
O juiz Sérgio Moro, em seu gabinete na Justiça Federal, em Curitiba / Fotos: Ricardo Brandt/Estadão |
‘Jamais
entraria para a política’, diz Sérgio Moro
Em
sua primeira entrevista em dois anos e meio de Lava Jato, magistrado critica
foro privilegiado e nova lei de abuso de autoridade
Fausto Macedo e Ricardo Brandt, enviados
especiais a Curitiba
“O
ideal seria, realmente, restringir o foro privilegiado, limitar a um número
menor de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes.” A proposta é
do juiz federal Sérgio Moro, titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba,
responsável pelos julgamentos da Operação Lava Jato em primeira instância.
Aos
44 anos, personificação da maior operação contra a corrupção, desvios e cartel
na Petrobrás, ele decidiu dar sua primeira entrevista como juiz da Lava Jato,
deflagrada em março de 2014.
Na
manhã fria de quinta-feira, Moro recebeu o Estado às 10h10 em seu gabinete, no
fim do corredor do segundo andar do edifício-sede da Justiça Federal no Bairro
Ahú, na capital paranaense. A temperatura era de 12°C, e o céu estava
carrancudo. O espaço onde o juiz trabalha é amplo, ornado por pilhas e pilhas
de processos que lhe dão uma aparência caótica. A papelada se espalha sobre e
sob a mesa. Ali, ele se mantém fiel a uma rotina que segue há 20 anos, desde
que ingressou na magistratura e vestiu a toga pela primeira vez.
No
gabinete, há um ambiente reservado para visitas, dois sofás e uma cadeira. A
cadeira é Moro quem ocupa. Sobre uma mesinha, uma jarra de vidro com água
fresca. É tudo o que ele oferece. Há algum tempo cortou o café. “Sinto pela
precariedade”, disse.
Em
uma hora de conversa, Moro apontou problemas na proposta da Lei de Abuso de
Autoridade, defendida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL),
falou sobre o escândalo na Petrobrás, alertou para o “risco à independência da
magistratura” e defendeu o envolvimento do Congresso no combate à corrupção e a
importância de se criminalizar o caixa 2.
Acusado
pelo PT de ser um algoz do partido, o juiz afirmou que “processo é questão de
prova” e acha “errado tentar medir a Justiça por essa régua ideológica”. Sobre
atuação político-partidária avisa que não será candidato: “Não existe jamais
esse risco”.
O que mais chocou o senhor na Operação
Lava Jato?
A
própria dimensão dos fatos. Considerando os casos já julgados aqui, o que nós
vimos foi um caso de corrupção sistêmica, corrupção como uma espécie de regra
do jogo. O que mais me chamou a atenção talvez tenha sido uma quase
naturalização da prática da corrupção. Empresários pagavam como uma prática
habitual e agentes públicos recebiam como se fosse algo também natural. Isso
foi bastante perturbador. (Chamou a atenção) Também a constatação, e aí me
refiro a casos que já foram julgados, de que algumas pessoas que haviam sido
condenadas na ação penal 470 (mensalão no Supremo Tribunal Federal) persistiam
recebendo propinas nesse outro esquema criminoso na Petrobrás. Foi uma coisa
bastante perturbadora.
Mesmo depois de deflagrada a Lava Jato,
o esquema continuou por alguns meses?
Houve
situações constatadas de pessoas recebendo propina em fase adiantada (da Lava
Jato). Um dos casos que chamou muito a atenção, um caso já julgado, por isso
posso afirmar mais livremente, de um pagamento de propina a um membro da CPMI
da Petrobrás, instalada em 2014. Então, se instalou uma comissão parlamentar de
inquérito para apurar os fatos e, depois, se constatou que o vice-presidente da
comissão solicitou e recebeu propina dos investigados. Por isso tenho dito:
precisa aplicar remédios amargos. A Justiça precisa ser efetiva para demonstrar
que essa prática não é tolerada.
O senhor defende a extinção do foro
privilegiado?
O
Supremo tem cumprido um papel muito importante na Operação Lava Jato. Longe de
mim querer avaliar o trabalho do Supremo, mas acho que o ministro Teori
Zavascki tem feito um trabalho intenso, muito importante e relevante. Mas
existem alguns problemas estruturais: saber se o Supremo tem a capacidade, a
estrutura suficiente, para atuar em tantos casos criminais. Tem o Supremo
condições de enfrentar toda essa gama de casos? Não que o Supremo não seja
eficiente, mas é um número limitado de juízes e é uma estrutura mais limitada.
O Supremo não tem só esse trabalho à frente, tem todos casos constitucionais
relevantes e não pode se transformar simplesmente em uma Corte criminal. O
ideal seria realmente restringir o foro privilegiado, limitar a um número menor
de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes e retirar esse
privilégio, essa prerrogativa, de um bom número de autoridades hoje
contempladas. Acho que seria a melhor solução.
Com o início de um maior volume de
processos em instrução no Supremo, que tem um ritmo mais lento, há um risco
para a imagem da Lava Jato?
Importante
destacar que o foro privilegiado não é sinônimo de impunidade. O trabalho que
tem sido feito lá (no Supremo) merece todos elogios. Acredito que vá haver um
esforço para que isso seja julgado dentro de um prazo razoável. Isso não nos
impede de discutir a questão, isso não tem nenhum demérito ao Supremo, discutir
se é conveniente que essas ações remanesçam, essa quantidade de pessoas com
foro privilegiado, na forma como estão. Isso gera impacto na pauta de
julgamento do Supremo.
No início do ano o senhor foi à Câmara
dos Deputados falar do projeto das 10 Medidas contra a Corrupção e disse que
via com bons olhos aquele momento. Passados oito meses, o senhor vê a
instituição em sintonia com a voz das ruas?
Um
fato que é bem interessante é que a instituição que mais respondeu a esses
anseios foi, até o momento, o Poder Judiciário. Não estou dizendo aqui da 13.ª
Vara (Federal, em Curitiba), mas o Poder Judiciário em geral. Não temos visto
iniciativas tão significativas por parte dos outros Poderes. Nessa linha, a
discussão atual, a constituição dessa comissão para discutir o projeto das dez
medidas, é algo assim que nos dá esperança de que também o Congresso vai
acompanhar essa percepção de que é necessário mudar.
Da forma como foi encaminhado, o projeto
de Lei de Abuso de Autoridade preocupa?
Há
dois problemas: uma questão do momento, que é um momento um pouco estranho para
se discutir esse tema, e o problema da redação do projeto. Por exemplo, a
previsão de algo como “promover a ação penal sem justa causa”. Bem, qualquer
ação penal tem de ter justa causa. O problema é que direito não é propriamente
matemática. Pessoas razoáveis podem divergir se está presente ou não a justa
causa para oferecer uma ação penal. O que isso vai significar na prática? O
Ministério Público, por exemplo, oferece uma denúncia afirmando que tem justa
causa, isso vai a juízo, o juiz tem de receber ou não a denúncia, se entender
que é justa causa, e eventualmente o juiz pode discordar – “ah… não tem justa
causa” – e rejeitar a denúncia. Pela redação do projeto, em princípio, isso
possibilitaria que o denunciado entrasse com uma ação penal por abuso de autoridade
contra o procurador, ou o promotor. Vamos supor: o juiz decreta uma prisão e,
eventualmente, essa prisão é revogada, não porque o juiz abusou, mas porque o
juiz errou na interpretação da lei. Isso de sujeitar o juiz a um processo
criminal é o que a gente chama de crime de hermenêutica. Vai colocar
autoridades encarregadas da aplicação da lei, juízes, polícia e Ministério
Público numa situação em que possivelmente podem sofrer acusações, não por
terem agido abusivamente, mas, sim, porque adotaram uma interpretação que
eventualmente não prevaleceu nas instâncias recursais ou superiores.
Querem intimidar?
No
momento (da propositura) do projeto e com essa redação, se pretenderem aprovar
e não colocarem salvaguardas à possibilidade de crime de hermenêutica, vai ter
esse efeito.
O senhor se sentiria inseguro de
enfrentar uma nova Lava Jato caso seja aprovado o projeto com o texto atual?
Tem
de se deixar claro na lei que a interpretação do juiz ou do Ministério Público
ou do agente policial não significa prática de crime de abuso de autoridade. O
projeto não garante isso.
O que tem de mudar no projeto?
A
redação do projeto teria de ser muito melhorada para evitar esse tipo de risco.
Porque esse risco vai afetar a independência da atuação, não só do juiz de
primeira instância, mas dos juízes de todas as instâncias, e do Ministério
Público e da polícia.
Como vê a criminalização do caixa 2? Se
passar, o que muda nas investigações sobre empreiteiras? Elas admitem repasses
de propinas via caixa 2 disfarçadas de “doações eleitorais”.
O
assim chamado caixa 2, ou seja, o uso de recursos não declarados em campanhas
eleitorais, já é criminalizado no artigo 350 do Código Eleitoral. No projeto 10
Medidas do Ministério Público Federal, há proposta para aprovação de uma
redação melhor para esse crime. Seria um passo importante do Congresso. Se a
lei exige que todos os recursos eleitorais devem ser declarados, e isso é uma
regra básica de transparência, é isso que deve ser feito. No caso da Operação
Lava Jato, o foco não tem sido propriamente no caixa 2 de campanhas eleitorais,
mas no pagamento de propinas na forma de doações eleitorais registradas ou não
registradas, ou seja, crime de corrupção. Então, embora a proposta represente
aprimoramento da lei atual, não terá um impacto tão significativo nos
processos. Sobre eventual proposta de anistia, creio que é prudente aguardar
eventual formulação concreta antes de opinar. Seria impensável, porém, anistia
de crimes de corrupção ou de lavagem.
O que fez a Lava Jato funcionar?
É
difícil fazer uma avaliação do que foi diferente. Tem muito de circunstancial.
Acho que os crimes, considerando os casos que já foram julgados, foram sendo
descobertos, eles tinham uma grande dimensão. Isso gerou, na sociedade, uma
expectativa de que as instituições funcionassem. Nós tivemos aí milhões de
pessoas que saíram às ruas, protestando sobre várias coisas, mas protestando
também contra a corrupção e dando apoio às investigações. Ao meu ver, isso é
algo muito significativo. E situa de uma maneira muito clara esse enfrentamento
da corrupção como uma conquista da democracia brasileira.
A Lava Jato vai acabar com a corrupção
no Brasil?
Não,
não existe uma salvação nacional, não existe um fato ou uma pessoa que vai
salvar o País. Um caso, pela escala que ele tem, como esse da Lava Jato, pode
auxiliar a melhorar a qualidade da nossa democracia.
Crítica recorrente das defesas é que há
excesso de prisões. A Lava Jato prende para arrancar delações?
É
uma questão interessante, até fiz um levantamento, temos hoje dez acusados
presos preventivamente sem julgamento. Dez apenas. Não me parece que seja um
número excessivo. Jamais se prende para obter confissões. Isso seria algo
reprovável do ponto de vista jurídico. Sempre as prisões têm sido decretadas
quando se entende que estão presentes os fundamentos das prisões. Quando se vai
olhar mais de perto os motivos das prisões, se percebe que todas estão
fundamentadas. Pode até se discordar da decisão do juiz, mas estão todas
fundamentadas. Estamos seguindo estritamente o que a lei prevê.
O senhor teme pelo futuro do Brasil numa
eventual delação do deputado cassado Eduardo Cunha?
Sobre
esse caso do ex-presidente da Câmara, como é um caso pendente, eu não tenho condições
de fazer nenhum tipo de afirmação. Mas não se deve ter receio de qualquer
problema dessa espécie em relação ao Brasil. O País já enfrentou desafios
grandes no passado. O problema da corrupção é mais um problema a ser vencido
pela democracia brasileira.
Alguma delação ou processo criminal tem
o poder de parar o País?
Não,
não acredito nisso. O que traz instabilidade é a corrupção e não o
enfrentamento da corrupção. O problema não está na cura, mas, sim, na doença. O
Brasil pode se orgulhar de estar, dentro da lei, enfrentando seriamente a
corrupção. A vergonha está na corrupção, não na aplicação da lei.
A Odebrecht está em negociação para
fechar delação de mais de 50 executivos. Isso mostra que ela estava
completamente envolvida com esse esquema?
O
que eu posso dizer é o caso que eu já julguei, que envolvia executivos dessa
empreita que teriam pago propinas milionárias em contas no exterior para
executivos da Petrobrás. E, nessa linha, pelo menos naquele caso, aparentava
ser uma prática sistêmica, não fato isolado dentro da vida da empresa. Mas o
grande aspecto a ser ressaltado é como se sai disso. E as empresas brasileiras
não tinham esse costume de reconhecer sua responsabilidade quando elas eram
surpreendidas praticando crimes. Quem sabe algo tenha mudado com a Operação
Lava Jato.
Deve haver um limite para o número de
delações no processo?
A
abordagem disso é muito pragmática. Primeiro, para qualquer colaboração precisa
ter prova de corroboração, não se pode confiar somente na palavra do criminoso.
Tem de ter prova independente, documentos, testemunhas, perícias, para poder
dar valor probatório ao que diz um criminoso colaborador. Depois, existem
outras regras, fazer um acordo com criminoso menor para chegar a um criminoso
maior ou um grande criminoso para chegar a vários outros grandes criminosos. A
abordagem desse problema é muito pragmática.
São mais de 30 partidos políticos no
Brasil. Por que só ex-tesoureiros do PT estão presos?
Considerando
os casos que já foram julgados, há uma afirmação de que a vantagem indevida, a
propina que era paga nos contratos da Petrobrás, era dividida entre os agentes
da estatal e os agentes políticos ou partidos políticos que davam suporte à
permanência daqueles agentes da Petrobrás em seus cargos. Nessa perspectiva, quando
isso foi de fato comprovado, é natural que apareçam nos processos exatamente
aqueles agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo. Se
havia uma divisão de propinas entre executivos da Petrobrás e agentes políticos
que lhes davam sustentação, vão aparecer esses agentes que estavam nessa base
aliada, como se dizia. Ainda assim, falando de ex-parlamentares que foram
processados, casos que já foram julgados, têm ex-parlamentares do Partido
Progressista, têm do Partido dos Trabalhadores, tem do PTB e tem do
Solidariedade.
A Operação Lava Jato vai poupar PMDB e
PSDB?
Processo
é uma questão de prova. A atuação da Justiça, do Ministério Público e da
polícia não tem esse viés político-partidário. O fato é que, contra quem tenha
aparecido provas, tem sido tomadas as providências pertinentes.
Quais são as motivações do juiz Sérgio
Moro? Muitos enxergam interesses político-partidários.
No
fundo, o juiz está cumprindo o seu dever. Minhas reflexões têm por base os
casos já julgados, considerando os casos já julgados. Este caso que em seu
início parecia um caso criminal, não vou dizer trivial, mas se transformou em
um caso que diz respeito à qualidade da nossa democracia. Porque esse nível de
corrupção sistêmica compromete a própria qualidade da democracia. É um trabalho
que se faz, eu acredito que leve, no futuro, talvez no presente, não sei, se já
tenha levado em termos, mas também para o futuro, que melhore a qualidade da
nossa democracia. Existem bons administradores públicos, existem bons agentes
políticos, mas é importante que, constatado o comportamento criminoso, isso
tenha resposta na Justiça com afastamento desses administradores públicos e
agentes políticos desonestos. Acho que é um ganho para a democracia brasileira.
Uma pergunta que o País inteiro está
fazendo: o senhor vai mandar prender o ex-presidente Lula?
Esse
tipo de pergunta não é apropriado, porque a gente nunca fala de casos
pendentes.
O senhor já votou no Lula?
É
o tipo da resposta que eu não posso dar, porque acho que o mundo da Justiça e o
mundo da política não devem se misturar.
O senhor se considera uma pessoa com
ideologia mais de direita ou mais de esquerda?
Esses
processos (da Lava Jato), ao meu ver, não têm nada a ver com questão nem
político-partidário nem político-ideológica. Então, se a pessoa é culpada ou
não, não importa se ela é de esquerda, se é de direita, se ela é de centro,
tampouco importa se o juiz é de direita, se é de esquerda ou se é de centro. O
juiz vai julgar com base na lei e nas provas. Acho errado tentar medir a
Justiça por essa régua ideológica. Por isso acho desimportante a minha posição
política. São muito discutíveis essas fronteiras entre esquerda e direita.
Sairia candidato a um cargo eletivo? Ou
entraria para a política?
Não,
jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um
homem da política. Acho que a política é uma atividade importante, não tem
nenhum demérito, muito pelo contrário, existe muito mérito em quem atua na
política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra realidade, outro tipo de
trabalho, outro perfil. Então, não existe jamais esse risco.
Como o senhor lida com o culto a sua
figura pública?
Vejo
que existe essa operação, que é muito grande e tem diversos agentes públicos
envolvidos, Ministério Público, Polícia Federal, Receita, Justiça das várias
instâncias. E, como pelo menos na Justiça, há um único juiz na primeira
instância – agora tem mais, mas no começo era um único juiz –, isso me deixou
mais em evidência e as pessoas, às vezes, fazem uma identificação da operação
com a figura do juiz, o que não é totalmente correta. Isso tem gerado grande
atenção, e as pessoas, em geral, são generosas e bondosas. O apoio da opinião
pública, realmente, tem sido essencial nesse caso. Mas tudo é passageiro, não
é? Tem um velho ditado do latim que diz sic transit gloria mundi, basicamente
“a glória mundana é passageira”.
O senhor foi ameaçado alguma vez?
Essa
é uma pergunta um pouco desconfortável. Eu prefiro não falar. Envolve questão
de segurança, envolve questões relativas à minha família.
Lá na frente, quando se aposentar,
pretende advogar?
Eu
gostaria de que fosse uma data mais próxima (a aposentadoria). Mas é uma data
tão distante, que não tenho como…
O senhor tem 20 anos de carreira?
Sim,
20 anos de carreira no Judiciário, mas ainda muito chão pela frente para poder
me aposentar e pensar nessa perspectiva.
Pensa em subir para o Tribunal Regional
Federal 4 (TRF-4) ou Supremo Tribunal Federal?
Olha,
sou um juiz de primeira instância fazendo meu trabalho no momento. Então, claro
que se pensa na carreira, como algo natural, pelo menos na carreira ordinária,
o tribunal um dia, mas isso não é algo que não está no meu horizonte próximo.
Não fico meditando sobre isso.
Há algo que o senhor se arrepende na
condução da Lava Jato ou na sua carreira?
É
cedo para esse tipo de reflexão. Evidentemente, como todos, também estou
sujeito a praticar erros, praticar equívocos. Existe um sistema dentro do
Judiciário, de erros e acertos, que propicia que minhas decisões sejam eventualmente
revistas por instâncias recursais ou superiores.
Os tribunais estão mantendo suas
decisões em grande maioria…
É
natural se um juiz tem uma decisão reformada, isso faz parte do processo.
Ninguém precisa ficar magoado por isso, mas, nesses casos, os tribunais têm
mantido a grande maioria das decisões, sinal de que está havendo uma aplicação
correta da lei.
Dois anos e meio depois de deflagrada a
Lava Jato, por que o senhor decidiu dar a primeira entrevista? Está acabando a
operação?
Tem
tido muitos convites para entrevistas, eu tenho sido, em geral, refratário aos
convites. Mas dada a dimensão desse caso, e há uma natural curiosidade do
público em relação a algumas posições do juiz, acabei concordando em dar essa
entrevista para prestar alguns esclarecimentos. Quanto ao término da operação,
é um pouco imprevisível. Porque, embora haja muitas vezes expectativa de que os
trabalhos se aproximam do fim, muitas vezes se encontram novos fatos, novas
provas, e as instituições não podem simplesmente fechar os olhos, têm de
trabalhar com o que aparece. Então, é imprevisível.
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