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Encarando o monstro de frente
Posted by Cottidianos
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00:42
Sexta-feira, 14 de julho
Era
alvorecer de um novo dia em um país chamado Brasil. Um homem e uma mulher corriam
apressados pelas ruas de Brasília, capital do país. Era uma cidade bela e
atraente. Ali não se podia dobrar esquinas, pois esquinas não existiam. Dividida
em duas asas, Norte e Sul, cortada ao meio por uma longa via, do alto a
impressão que se tinha era a de que a cidade era um avião pronto a decolar a
qualquer instante.
Há
tempos os apressados fugitivos sentiam que suas riquezas diminuíam a cada dia.
Em casa, nas despesas domésticas, os recursos minguavam. Se iam a alguma
instituição pública, como por exemplo, em escolas e hospitais, sentiam que elas
deterioravam cada vez mais. As peças do quebra-cabeça pareciam não se encaixar
direito. O dinheiro que era arrecadado com os impostos para onde ia?
Certamente, não eram aplicados naqueles serviços, pois, se assim o fossem, a coisa
pública não estava capenga do jeito que estava. Alguma fonte, ou coisa maligna
estava sugando os recursos da nação, e
eles não sabiam quem ou o que estava fazendo isso. Tudo era um grande mistério para eles.
Administrativamente, as coisas no país
não andavam bem já fazia algum tempo. Haviam atravessado um período difícil sob
o comando da ditadura militar. O regime havia vigorado durante vinte e um anos,
e ficou conhecido como “anos de chumbo”. Cessão de liberdades total. Era proibido
falar ou fazer qualquer coisa que parecesse que se estava agindo de forma
contrária ao que pregavam os militares. Muitas pessoas foram mortas, outras
tantas presas, torturadas, ou exiladas.
Finalmente, veio a abertura democrática,
mas muito da riqueza cultural que vinha desabrochando no Brasil, antes daqueles
terríveis anos, foi se perdendo aos poucos e quase despareceram na poeira do
tempo. Talvez por que o trauma tenha sido muito grande para aqueles que
militaram nas trincheiras pró-liberdade, e por isso eles tenha se voltado para
dentro de si como faz uma rosa que em vez de um desabrochar estonteante amarga
um triste murchar. Muitos desses artistas mudaram a linha de suas composições,
tornaram-se mais suaves, e menos críticos.
Enfim a democracia se consolidou. Os anos
de chumbo ficaram para trás das cortinas de um passado que não deve ser
esquecido, mas que deve estar sempre vivo para se saber que por aquele caminho
não devemos mais andar. Nesse novo tempo, os habitantes do Brasil puderam
escolher seus governantes através de eleições diretas. Porém, os esperançosos
habitantes da bela nação brasileira nunca tiveram muita sorte em suas escolhas.
Logo após a derrubada do regime militar
o grito das ruas brasileiras era por eleições diretas, no movimento que ficou
conhecido como Diretas Já. Mas esse desejo não foi plenamente realizado. Em 15
de janeiro de 1895, Tancredo Neves era eleito presidente do Brasil para um
mandato de seis anos, por um colegiado. Mesmo assim, o país tinha um presidente
civil, após os anos de castigo sob o regime. Logo, porém, a esperança sofreu um
golpe.
Em 14 de março, Tancredo foi internado
às pressas no Hospital de Brasília, foi uma longa agonia para o paciente, e
para os brasileiros. Tancredo morreu no dia 21 de abril de 1985, 12 horas antes
da tão sonhada posse que lhe permitiria assumir os destinos da nação. Em seu
lugar assumiu José Sarney. A morte de Tancredo foi um balde de água fria em uma
nação que sonhava com um Brasil mais justo.
Sarney foi o primeiro presidente civil,
de fato, que o Brasil experimentou após os anos de chumbo. Entretanto não havia
sido escolhido por vontade popular, mas por um colégio eleitoral.
Vieram as eleições de 1989, e
apresentou-se como candidato, Fernando Collor de Melo, que se autodenominava “O
caçador de marajás”. Venceu as eleições com a promessa de acabar com a
corrupção no país. Ledo engano. Em fins de dezembro de 1992, o caçador de
marajás, sofria processo de impeachment, e renunciava ao cargo, sob nuvem de
denuncias de corrupção em seu governo, deixando na cadeira presidencial, seu vice,
Itamar Franco. Depois de Itamar, o país passou
as mãos de Fernando Henrique Cardoso.
Após dois anos de governo Fernando Henrique,
surgiu mais uma esperança: o metalúrgico e sindicalista Luís Inácio Lula da
Silva. Homem do povo, trabalhador, linha de ação de esquerda. Iria transformar
o Brasil em país dos sonhos em se falando de educação, saúde, e segurança. Até
que o presidente operário fez um bom governo. Então veio mais um balde de água
fria na cabeça dos brasileiros. De revolucionário, o novo presidente não tinha
nada. Aliou-se aos poderosos de direita, de esquerda, de centro, não importando
que linha de ação eles defendiam, mas sim, o apoio que estes lhe podiam dar no
Congresso.
Fez contratos sem escrúpulos com a
iniciativa privada, e transformou o congresso nacional num mercado de comprar
deputados. O escândalo estourou no mensalão. Braços direitos do presidente
foram condenados à prisão, mas nele, nada respingou. Ele soube fazer as
trapaças muito bem feitas, e muito bem escondidas. E seu governo continuou pelo
mandato seguinte, legalizando e ampliando a corrupção.
Mas como diz o ditado, “a Justiça tarda,
mas não falha”, e ela tardou mas não falhou. A mão de ferro do juiz Sérgio Moro condenou o
ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do Triplex do
Guarujá. A sentença foi anunciada na quarta-feira (12) e logo provocou reações
contrárias a favor dentro e fora do congresso. O juiz baseou a condenação no
fato de Lula ter se beneficiado de recursos desviados para a compra e reforma
do imóvel, e também por entender que o ex-presidente recebeu vantagens indevidas
da OAS em função de contratos da empreiteira com a Petrobrás.
Agora o ex-presidente se diz perseguido
politicamente, que é vitima da justiça e da imprensa, e essas coisas todas que
ele sempre disse. E vai fazer de tudo para concorrer as próximas eleições
presidenciais, não porque queira fazer algo de bom pelo país, mas para fazer da
cadeira presidencial um refúgio contra a lei.
A defesa do presidente recorreu da
decisão do juiz Sérgio Moro, e se esse recurso não for julgado a tempo, e até
lá, em um cenário hipotético no qual Lula consiga se reeleger, enquanto ele
estiver na presidência, ele se livra da justiça. Outro fator motivador para o
ex-presidente querer tanto voltar à presidência deve ser o gosto da vingança
contra aqueles que o “perseguiram”, então, será, de fato, o fim da Lava Jato.
Ainda falando da falta de sorte dos
brasileiros na escolha de suas lideranças, Lula fez Dilma sua sucessora. E talvez
tenha sido esse seu grande erro. Dilma uma mulher sem experiência política
nenhuma, fechou em posição arrogante, não dialogou com o congresso. Achava que se
bastava a si mesma. Fez um governo medíocre, mesmo assim foi reeleita, usando
para isso a máquina estatal. Quase levou o país a falência. Sofreu impeachment,
acusada de atos fiscais ilegais.
Para azar dos brasileiros, o vice na
chapa dela, era Michel Temer.
Dizem que Lula era o chefe da quadrilha
e de um esquema criminoso que vigorou no país por treze anos, se contarmos os
governos petistas dele, e de sua apadrinhada política, Dilma Rousseff. Mas o
que o governo de Michel Temer tem feito é coisa de escandalizar até o mais
recatado puritano.
Primeiro, escapou do processo de
cassação da chapa Dilma-Temer, no Supremo Tribunal Eleitoral. Mexeu os
pauzinhos por lá, e com a ajuda do amigo, Gilmar Mendes, presidente daquele órgão,
conseguiu se safar dessa, mesmo com provas contundentes de que houve abuso de
poder econômico nas eleições de 2014, a qual ele
concorreu junto com Dilma.
Depois disso, foi pego na arapuca do empresário
Joesley Batista, junto com seu fiel escudeiro, Rodrigo Rocha Loures. Tarde da
noite, em encontro reservado, e às escondidas, o presidente ouviu do empresário
a confissão de crimes gravíssimos, como a compra do silencio de Eduardo Cunha,
bem como a manipulação de juízes, e ainda consentiu com isso. O empresário confessou em delação premiada que o
presidente havia pedido uma gorda mesada de R$ 500 mil reais semanais por cerca
de vinte anos, o que totalizaria uma quantia de R$ 480 milhões. Uma aposentadoria
em forma de propina. Na ocasião em que Rocha Loures foi pego com a mala
contendo R$ 500 mil, isso correspondia à primeira parcela desse acerto.
O procurador geral da Republica, Rodrigo
Janot, apresentou denuncia contra Temer pelo crime de corrupção passiva. O Supremo
Tribunal Federal acolheu a denuncia, e enviou para a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara para apresentação de parecer, e demais ritos. Para depois a
denuncia ir a plenário para autorizar ou não o prosseguimento da denúncia.
O empresário já havia dito, referindo-se
a dinheiro, em entrevista à Época que “O Temer não tem muita cerimônia para
tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro”. Joesley afirma
também na mesma entrevista concedida a revista em Junho deste ano: “O Temer é o
chefe da Orcrim (organização criminosa) da Câmara. Temer, Geddel, Henrique,
Padilha e Moreira. É o grupo deles... Essa turma é muito perigosa”.
Confirmando o que disse Joesley, Temer
não fez a menor cerimônia em comprar o apoio dos deputados da CCJ. Passou, ao
menos explicitamente, dois dias inteiros dedicados a receber deputados no Palácio
do Planalto para negociar com eles. E fez mais, aos integrantes da CCJ que eram
manifestamente favoráveis a aceitação da denúncia, Temer fez a troca desses
deputados.
As artimanhas do governo, o oferecimento
de verbas, e a troca de deputados funcionou. Nesta quinta, a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, rejeitou o relatório do deputado Sérgio
Zveiter, recomendando o prosseguimento da denuncia. 25 deputados votaram a
favor do relatório, e 40 votaram contra. Houve uma abstenção. Mesmo tendo sido
rejeitado o relatório de Zveiter, o prosseguimento ou não da denuncia será
decidido no plenário da Câmara. Logo em seguida à votação foi aprovado um novo
relatório que pede o arquivamento da denúncia. E este será o relatório que irá
a plenário.
O que os brasileiros assistiram foi uma
acintosa tentativa de obstrução da justiça,e abuso de poder econômico. Como disse
Joesley, Temer é mesmo um cara sem cerimônia. E para conseguir o arquivamento
da denuncia no plenário da Câmara, o que ele fará? Deputados não podem ser
substituídos como ocorreu na CCJ. Haverá um plano mais arrojado de compra de
deputados?
Enquanto
isso, o homem e a mulher, que corriam desesperados em meio aos caos de
Brasília, perseguidos pelo inimigo por tanto tempo oculto, e que agora se fazia
manifesto, e recebia um nome de corrupção e políticos corruptos, de repente,
sentiram que se continuassem fugindo iriam acabar mortos e sem esperança. Sentiram
que ainda lhes restava um pouco de força, e decidiram que era hora de parar de
fugir, e encarar o monstro de frente. Viraram-se e o que viram era mais
terrível do que eles suponham. Mas era preciso ser forte. Aquele era o momento.
Era aquela a hora de lutar com todas as forças e derrotar o inimigo, e fazer
com que as coisas no país prosseguissem em paz.
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