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Remendos Constitucionais
Posted by Cottidianos
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00:09
Sexta-feira,
09 de dezembro
Plenário do STF |
As
nossas crises políticas e institucionais tornaram o Brasil tal qual roupa
velha: sempre a precisar de remendos.
Foi
assim no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Pela lei, o presidente que
sofrer impeachment, perderá, além do cargo, a suspensão de seus direitos
políticos por oito anos. Ou seja, por oito anos aquele que sofreu impeachment
não poderá ocupar nenhum cargo público. É o que diz o artigo 52 da Constituição
Federal em seu parágrafo único. E o que fizeram os Senadores? Fatiaram esse parágrafo
de nossa Carta Magna, e votaram em separado a perda do mandato presidencial e a
suspensão dos direitos políticos. Resultado dessa manobra estranha e esquisita,
Dilma perdeu o cargo de presidente, mas não teve seus direitos políticos
suspensos. Fizeram os senadores e senadoras um remendo constitucional.
Essa
semana foi a vez do judiciário providenciar um remendo constitucional.
Primeiro
façamos um retrospecto dos fatos acontecidos essa semana.
No
domingo (4), o povo foi às ruas em protesto contra a corrupção e em defesa do
Ministério Público e do juiz Sérgio Moro. Renan foi um dos nomes mais citados
durante a manifestação. Muito se gritou “fora Renan”. Talvez, embalado por esse clamor, ou
influenciado por ele, o ministro do Supremo, Marco Aurélio de Melo, atendendo
um pedido do partido Rede Sustentabilidade, em um entendimento de que tendo
virado réu em processo no Supremo, Renan não podia continuar presidindo o
Senado.
Na
terça-feira (06), Renan se recusou a cumprir a decisão tomada por Marco
Aurélio. Idem a mesa diretora do Senado. Estava criada uma crise institucional
que se anunciava gravíssima. A ministra do Supremo, Carmen Lúcia, convocou, na
quarta-feira (7), uma sessão de urgência no plenário da instituição para
decidir o impasse criado entre Senado e Supremo. Nessa sessão, por 6 votos a
favor e 3 contra, o plenário do STF, deu vitória a Renan.
Mais
uma vez se arranjou um jeitinho, um remendo constitucional, para botar panos
quentes na questão. Renan continua presidindo o Senado, mas não pode assumir a
presidência, caso falte o segundo homem na linha de sucessão. O que é isso
senão remendos constitucionais? E que roupa precisa de remendo, se não aquela que
já está bastante desgastada?
Nessa
queda de braços entre poderes quem sai vencedor? O próprio Renan, sem dúvida, e
também o governo, mas também os dois partidos em maior evidência no cenário
político atual: PMDB e PSDB. Obviamente, se há vencedores, também há
perdedores. E quem são eles? O próprio STF, o Ministério Público, a Rede
Sustentabilidade que entrou com a liminar pedindo a saída de Renan da
presidência do Senado, e toda a sociedade brasileira. É lamentável que nosso
Senado tenha de depender de um político como Renan para votar importantes
projetos. Apenas lembrando que Renan figura na condição de réu em um processo
no STF, e na condição de investigado em outros 11. E ainda nem foram abertas de
verdade as misteriosas portas das delações premiadas da Odebrecht, e nem
Eduardo Cunha resolveu falar ainda.
Todo
prosa, Renan trabalhou ativamente durante esta quinta-feira (8) para garantir
na semana que vem a votação do projeto do governo que limita os gastos
públicos. Renan também abriu e fechou nessa mesma quinta, três sessões. E por
falar em sessões no Senado e na Câmara, como se ouve o nome de Deus em vão no
plenário daquelas casas... Os presidentes das respectivas casas começam a
sessão dizendo: “Em nome de Deus declaro aberta a sessão”. Certamente, não deve ser o Deus citado nos
livros sagrados das religiões. Deus esse que não pactua com práticas ilícitas tão
corriqueiramente praticadas pela nossa elite política.
Abaixo,
este blog compartilhar texto publicado na Folha Piauí, de autoria da
jornalista, Malu Gaspar. Malu é, repórter de Piauí, é autora do livro Tudo ou
Nada: Eike Batista e a Verdadeira História do Grupo X, da Editora Record.
***
Calheiros,
dono do Brasil
Malu Gaspar
Há
nove anos, em pleno Carnaval de 2007, Renan Calheiros jantava sozinho na
residência oficial do Senado, acuado e deprimido com o escândalo que começara
com a descoberta de que a empreiteira Mendes Júnior pagava a pensão da mãe de
um filho seu, e só terminaria meses depois, com sua renúncia da presidência da
Casa para evitar a cassação. Naquela
noite, duas visitas chegaram de surpresa. O senador as convidou à mesa, mas
permaneceu alheio e mal conseguiu interagir. Grogue, muito provavelmente
entupido de remédios, tentou conversar, mas apagou ali mesmo, sem concluir a
refeição, diante dos pratos de comida e das visitas constrangidas.
Ontem,
após a decisão do Supremo Tribunal Federal que o manteve no cargo, a mesma casa
estava em festa, repleta de políticos, comemorando com vinhos e uísques a
derrota que o Senado impôs ao STF. Por
incrível que pareça, o caso que originou toda a celeuma é ainda o mesmo – o
inquérito sobre a pensão paga pela Mendes Júnior a uma amante. Depois de nove
anos dormitando nas gavetas judiciais, a denúncia do Ministério Público foi
aceita pelo Supremo, gerando a questão arbitrada ontem – afinal, pode ficar no
cargo um político que, sendo o terceiro na linha de sucessão da presidência da
República, é alvo de investigação no STF? Para perplexidade geral de todos os
que não comungam dos códigos de Brasília, a corte disse que sim, pode.
Arrumou-se uma jabuticaba legal tão esdrúxula quanto a criada para impichar
Dilma sem tirar-lhe os direitos políticos: no caso, Calheiros fica no cargo, mas
não pode substituir o presidente da República.
Em troca do aval do Supremo, ele aceitou congelar a tramitação do
projeto que impõe limites para abusos de autoridade de promotores e juízes. Que
não reste dúvida, porém: mesmo cedendo, é o presidente do Senado o grande
vitorioso desse episódio.
A
cena de um Calheiros inerte, derrubado por medicamentos, está contada no livro
Entre a Glória e a Vergonha: memórias de um consultor de crises, publicado em
capítulos pelo UOL. O autor, Mário Rosa, que esteve nos bastidores de algumas
das mais graves crises políticas e empresariais do país, é amigo do
senador. “Naquele momento, Renan era a
crise da vez, um tumor a ser extirpado pela classe política. Hoje, ele é o
único capaz de salvar o Brasil da septicemia.” O argumento de Rosa é justamente
o que os ministros do Supremo ouviram na calada da noite de políticos de todos
os matizes, escalados para construir a salvação do presidente do Senado. Jorge
Vianna, petista ilustre, flagrado em um grampo da Lava Jato defendendo “subir o
tom” e “enfrentar” o juiz Sérgio Moro, foi o principal emissário de Calheiros
ao Supremo. Ao longo do dia, ontem, enquanto os ministros davam lustre de
juridiquês aos votos elaborados sob o calor de um impasse institucional,
jornalistas e comentaristas repetiam placidamente que, sem Renan na
presidência, o Brasil mergulharia em uma crise sem precedentes – e com desfecho
imprevisível.
Triste
o país que precisa salvar Renan Calheiros para assegurar a sua própria
salvação. Para o bem de todos, porém, o
melhor é que a afirmação não seja verdadeira, porque a solução que magistrados
e políticos sacaram da manga é apenas provisória. A aura de intocável conferida
a Calheiros a partir de agora só atiçou ainda mais a sanha investigativa de
procuradores, policiais federais e magistrados que não respeitam conluios
políticos tramados no escuro – sem contar os inimigos inconfessáveis que montam
dossiês e grampos nos submundos do Planalto. Além de ser o foco de outros doze
inquéritos no Supremo, Calheiros ainda tem potencial para figurar em destaque
nas delações premiadas que vão sacudir o Brasil em 2017: se não brilhar na da
Odebrecht, certamente será protagonista da de Eduardo Cunha. Como bem lembrou
um experiente observador de Brasília, dia desses, “sempre que vai prender um
traficante, a polícia começa a divulgar que ele é o novo dono do morro”.
Calheiros, hoje, é o dono do Brasil. Se continuará sendo amanhã já é outra
história.
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