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A árvore de Natal na casa de Cristo
Posted by Cottidianos
on
18:34
Sábado,
24 de dezembro
Mais
um Natal chega em nossas vidas com sua festa, suas luzes, presentes,
badalações. Entretanto, poucos refletem, de verdade, sobre o sentido desse dia,
e dessa festa tão grandiosa, e tão grandiosamente simbólica para a humanidade e
para sua história.
Que
se comemora neste dia? O Papai Noel? Os presentes? A ceia? A bela árvore de
Natal enfeitada?
Sim,
tudo isto se celebra neste dia. São símbolos fortes dessa época do ano,
aguardada por todos, principalmente, pelos comerciantes.
Mas
todos esses pequenos símbolos estão a serviço do símbolo maior. Um símbolo
maior que nasceu pequenino, numa fria noite, em uma manjedoura nos arredores da
cidade de Belém. Os pais haviam vindo de uma longa peregrinação, de cidade em
cidade, até chegarem à cidade. Durante essa peregrinação, a mãe grávida, deve
ter passado por maus bocados. Se a gravidez exige cuidados, para ela exigiu
sacrifício.
E assim
aquele meninos, especial Deus-menino, teve de vir à terra dos homens, em
condições nada fáceis. Logo ele, que durante o decorrer breve de sua vida terrena
cresceria em graça e sabedoria, perante Deus e os homens, que, rei, morreria
numa cruz entre dois ladrões. Entretanto, seu reinado não era deste mundo. Era de
um mundo glorioso, onde brilha a paz e a justiça. E, por causa as águas da
injustiça, e os reinos deste mundo não tiveram poder contra ele, e seu reino
cresceu, e se expandiu por toda a terra, após o seu desencarne.
É este
mesmo menino Jesus que continua a nascer em condições também nada fáceis em
milhões de crianças brasileiras, abandonadas pelo poder público, enquanto
aqueles que deveriam trabalhar para lhes dar dignidade se embriagam com o maldito
vinho da corrupção.
É este
mesmo menino Jesus que nasce nas crianças refugiadas que fogem da guerra e da
fome.
É este
mesmo menino Jesus que nasce aos seus pais tentar cruzarem, penosamente, as
fronteiras americanas, e em busca de uma vida melhor, e são vítimas fáceis da
desumanidade.
Mais
de dois mil anos se passaram desde que a resplendorosa estrela guiou os magos
até Belém. Mas parece que o mundo nada mudou em matéria de saber acolher os
pequenos, e tratá-los com dignidade.
Como
mensagem de FELIZ NATAL, este blog apresenta um contraditório conto de Natal que é muito profundo e nos faz refletir sobre a
fria realidade social de muitos irmãos. . O conto é um clássico escrito pelo
russo, Dostoievski, intitulado, A árvore
de Natal na casa de Cristo.
A todos
um humano e FELIZ NATAL!
***
A
árvore de Natal na casa de Cristo
Dostoievski
Havia num porão uma criança, um garotinho de
seis anos de idade, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no
porão úmido e frio. Tiritava, envolto nos seus pobres andrajos. Seu hálito
formava, ao se exalar, uma espécie de vapor branco, e ele, sentado num canto em
cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor da boca, pelo
prazer de vê-lo se esvolar. Mas bem que gostaria de comer alguma coisa.
Diversas vezes, durante a manhã, tinha se aproximado do catre, onde num colchão
de palha, chato como um pastelão, com um saco sob a cabeça à guisa de almofada,
jazia a mãe enferma. Como se encontrava ela nesse lugar? Provavelmente tinha
vindo de outra cidade e subitamente caíra doente. A patroa que alugava o porão
tinha sido presa na antevéspera pela polícia; os locatários tinham se
dispersado para se aproveitarem também da festa, e o único tapeceiro que tinha
ficado cozinhava a bebedeira há dois dias: esse nem mesmo tinha esperado pela
festa. No outro canto do quarto gemia uma velha octogenária, reumática, que
outrora tinha sido babá e que morria agora sozinha, soltando suspiros, queixas
e imprecações contra o garoto, de maneira que ele tinha medo de se aproximar da
velha. No corredor ele tinha encontrado alguma coisa para beber, mas nem a
menor migalha para comer, e mais de dez vezes tinha ido para junto da mãe para
despertá-la. Por fim, a obscuridade lhe causou uma espécie de angústia: há
muito tempo tinha caído a noite e ninguém acendia o fogo. Tendo apalpado o
rosto de sua mãe, admirou-se muito: ela não se mexia mais e estava tão fria
como as paredes. "Faz muito frio aqui", refletia ele, com a mão
pousada inconscientemente no ombro da morta; depois, ao cabo de um instante,
soprou os dedos para esquentá-los, pegou o seu gorrinho abandonado no leito e,
sem fazer ruído, saiu do cômodo, tateando. Por sua vontade, teria saído mais
cedo, se não tivesse medo de encontrar, no alto da escada, um canzarrão que
latira o dia todo, nas soleiras das casas vizinhas. Mas o cão não se encontrava
alí, e o menino já ganhava a rua.
Senhor!
que grande cidade! Nunca tinha visto nada parecido, De lá, de onde vinha, era
tão negra a noite! Uma única lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de
madeira são baixas e fechadas por trás dos postigos; desde o cair da noite, não
se encontra mais ninguém fora, toda gente permanece bem enfunada em casa, e só
os cães,às centenas e aos milhares,uivam, latem, durante a noite. Mas, em
compensação, lá era tão quente; davam-lhe de comer... ao passo que ali... Meu
Deus! Se ele ao menos tivesse alguma coisa para comer! E que desordem, que
grande algazarra ali, que claridade, quanta gente, cavalos, carruagens... e o
frio, ah! Este frio! O nevoeiro gela em filamentos nas ventas dos cavalos que
galopam; através da neve friável o ferro dos cascos tine contra a calçada; toda
gente se apressa e se acotovela, e, meu Deus! Como gostaria de comer qualquer
coisa, e como de repente seus dedinhos lhe doem! Um agente de policia passa ao
lado da criança e se volta, para fingir que não vê.
Eis
uma rua ainda: como é larga! Esmagá-lo-ão ali, seguramente; como todo mundo
grita, vai, vem e corre, e como está claro, como é claro! Que é aquilo ali? Ah!
Uma grande vidraça, e atrás dessa vidraça um quarto, com uma árvore que sobe
até o teto; é um pinheiro, uma árvore de Natal onde há muitas luzes, muitos
objetos pequenos, frutas douradas, e em torno bonecas e cavalinhos. No quarto
há crianças que correm; estão bem vestidas e muito limpas, riem e brincam,
comem e bebem alguma coisa. Eis ali uma menina que se pôs a dançar com um
rapazinho. Que bonita menina! Ouve-se música através da vidraça. A criança
olha, surpresa; logo sorri, enquanto os dedos dos seus pobres pezinhos doem e
os das mãos se tornaram tão roxos, que não podem se dobrar nem mesmo se mover.
De repente o menino se lembrou de que seus dedos doem muito; põe-se a chorar,
corre para mais longe, e eis que, através de uma vidraça, avista ainda um quarto,
e neste outra árvore, mas sobre as mesas há bolos de todas as qualidades, bolos
de amêndoa, vermelhos, amarelos, e eis sentadas quatro formosas damas que
distribuem bolos a todos os que se apresentem. A cada instante, a porta se abre
para um senhor que entra. Na ponta dos pés, o menino se aproximou, abriu a
porta e bruscamente entrou. Hu! Com que gritos e gestos o repeliram! Uma
senhora se aproximou logo, meteu-lhe furtivamente uma moeda na mão, abrindo-lhe
ela mesma a porta da rua. Como ele teve medo! Mas a moeda rolou pelos degraus
com um tilintar sonoro: ele não tinha podido fechar os dedinhos para segurá-la.
O menino apertou o passo para ir mais longe - nem ele mesmo sabe aonde. Tem
vontade de chorar; mas dessa vez tem medo e corre. Corre soprando os dedos. Uma
angústia o domina, por se sentir tão só e abandonado, quando, de repente:
Senhor! Que poderá ser ainda? Uma multidão que se detém que olha com
curiosidade. Em uma janela, através da vidraça, há três grandes bonecos
vestidos com roupas vermelhas e verdes e que parecem vivos! Um velho sentado
parece tocar violino, dois outros estão em pé junto dele e tocam violinos
menores, e todos maneiam em cadência as delicadas cabeças, olham uns para os
outros, enquanto seus lábios se mexem; falam, devem falar - de verdade - e, se
não se ouve nada, é por causa da vidraça. O menino julgou, a princípio, que
eram pessoas vivas, e, quando finalmente compreendeu que eram bonecos, pôs-se
de súbito a rir. Nunca tinha visto bonecos assim, nem mesmo suspeitava que
existissem! Certamente, desejaria chorar, mas era tão cômico, tão engraçado ver
esses bonecos! De repente pareceu-lhe que alguém o puxava por trás. Um moleque
grande, malvado, que estava ao lado dele, deu-lhe de repente um tapa na cabeça,
derrubou o seu gorrinho e passou-lhe uma rasteira. O menino rolou pelo chão,
algumas pessoas se puseram a gritar: aterrorizado, ele se levantou para fugir
depressa e correu com quantas pernas tinha, sem saber para onde. Atravessou o
portão de uma cocheira, penetrou num pátio e sentou-se atrás de um monte de
lenha. "Aqui, pelo menos", refletiu ele, "não me acharão: está
muito escuro."
Sentou-se
e encolheu-se, sem poder retomar fôlego, de tanto medo, e bruscamente, pois foi
muito rápido, sentiu um grande bem-estar, as mãos e os pés tinham deixado de
doer, e sentia calor, muito calor, como ao pé de uma estufa. Subitamente se
mexeu: um pouco mais e ia dormir! Como seria bom dormir nesse lugar! "mais
um instante e irei ver outra vez os bonecos", pensou o menino, que sorriu
à sua lembrança: "Podia jurar que eram vivos!"... E de repente
pareceu-lhe que sua mãe lhe cantava uma canção. "Mamãe, vou dormir; ah!
como é bom dormir aqui!"
-
Venha comigo, vamos ver a árvore de Natal, meu menino - murmurou repentinamente
uma voz cheia de doçura.
Ele
ainda pensava que era a mãe, mas não, não era ela. Quem então acabava de
chamá-lo? Não vê quem, mas alguém está inclinado sobre ele e o abraça no
escuro, estende-lhe os braços e... logo... Que claridade! A maravilhosa árvore
de Natal! E agora não é um pinheiro, nunca tinha visto árvores semelhantes!
Onde se encontra então nesse momento? Tudo brilha, tudo resplandece, e em
torno, por toda parte, bonecos - mas não, são meninos e meninas, só que muito
luminosos! Todos o cercam, como nas brincadeiras de roda, abraçam-no em seu
voo, tomam-no, levam-no com eles, e ele mesmo voa e vê: distingue sua mãe e lhe
sorrir com ar feliz.
-
Mamãe! Mamãe! Como é bom aqui, mamãe! - exclama a criança. De novo abraça seus
companheiros, e gostaria de lhes contar bem depressa a história dos bonecos da
vidraça... - Quem são vocês então, meninos? E vocês, meninas, quem são? -
pergunta ele, sorrindo-lhes e mandando-lhes beijos.
-
Isto... É a árvore de Natal de Cristo - respondem-lhe. - Todos os anos, neste
dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os meninos que não
tiveram sua árvore na terra...
E
soube assim que todos aqueles meninos e meninas tinham sido outrora crianças
como ele, mas alguns tinham morrido, gelados nos cestos, onde tinham sido
abandonados nos degraus das escadas dos palácios de Petersburgo; outros tinham
morrido junto às amas, em algum dispensário finlandês; uns sobre o seio
exaurido de suas mães, no tempo em que grassava, cruel, a fome de Samara;
outros, ainda, sufocados pelo ar mefítico de um vagão de terceira classe. Mas
todos estão ali nesse momento, todos são agora como anjos, todos juntos a
Cristo, e Ele, no meio das crianças, estende as mãos para abençoá-las e às
pobres mães... E as mães dessas crianças estão ali, todas, num lugar separado,
e choram; cada uma reconhece seu filhinho ou filhinha que acorrem voando para
elas, abraçam-nas, e com suas mãozinhas enxugam-lhes as lágrimas,
recomendando-lhes que não chorem mais, que eles estão muito bem ali...
E
nesse lugar, pela manhã, os porteiros descobriram o cadaverzinho de uma criança
gelada junto de um monte de lenha. Procurou-se a mãe... Estava morta um pouco
adiante; os dois se encontraram no céu, junto ao bom Deus.
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