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7 de Setembro: O sequestro de uma data cívica

Posted by Cottidianos on 23:08

Quinta-feira, 08 de setembro

 


O 7 de setembro amanheceu frio e chuvoso aqui na cidade de Campinas, São Paulo. Acordei por volta das 7h e 30 minutos da manhã. Haveria um desfile cívico-militar para comemorar a data a ser realizado na Avenida Francisco Glicério, uma das mais movimentadas do Centro da cidade. O local fica na esquina do prédio onde moro.

Mesmo assim, estava indeciso entre ver o evento, ou ficar em casa. Porém, quando começou o desfile, vi que era quase impossível ficar em casa, com o som das bandas militares soando quase dentro de casa. Então resolvi prestigiar o evento. Peguei um guarda-chuva, e sai para a rua.  Não pretendia ficar muito tempo. Apenas uma passada rápida para ver o desfile. Era essa a minha intenção.

Quando cheguei ao local do evento observei que havia muitas pessoas com bandeiras do Brasil, camisas verde-amarelo, e outros adereços que lembram a pátria amada. Tudo aquilo me causou, de início, um estranhamento. Esse sentimento em mim me incomodou muito a mim mesmo.

Fiquei pensando no motivo de estar me sentindo desse jeito. Afinal de contas, são as cores do país onde nasci, e as quais eu muitas vezes também já usei. Era supernormal as pessoas estarem vestindo verde-amarelo. O problema é que, com a eleição de Jair Bolsonaro, houve um sequestro dos símbolos nacionais. Os símbolos nacionais passaram a expressar não ideais patrióticos, mas os ideais de uma extrema direita. Nem a ideologia de um partido político essa direita representa, pois o presidente é avesso à partidos. A relação de Bolsonaro com os partidos políticos é de conveniência, e só. Bolsonaro precisa de um partido pelo qual possa concorrer, então vai lá se filia a ele, mas não há uma relação de pertencimento a esse partido nem um compromisso de fidelidade.

Enfim, aos poucos fui me tranquilizando e aceitando que era normal as pessoas vestirem o verde-amarelo. Meu receio era que o desfile fosse usado politicamente, como aconteceu no Rio e em Brasília, mas aqui em Campinas foi supertranquilo nesse sentido. Não houve essa mistura.

Primeiro desfilaram os militares: Marinha, Exército e Aeronáutica. Depois passaram representantes de entidades educacionais e culturais, as escolas, e encerrando o evento, houve um desfile de carros antigos, e motos.

Minha intenção primeira era não me demorar muito no evento, porém, encontrei um ótimo lugar, encostado a grade de proteção, e por ali fiquei. Posso dizer que no desfile cívico militar realizado aqui na cidade, após dois anos suspenso por causa da pandemia, eu vi bravura.

Não bravura por parte dos militares, nem dos demais adultos, mas por parte de jovens e crianças. As crianças tão pequeninos, tão miudinhos, e estavam ali desfilando, firmes, debaixo de chuva, pois caia uma chuva fininha quando as escolas passaram na avenida. 

Eu ali, encostado na grade de proteção, debaixo de um guarda-chuva, e vestindo três agasalhos, ainda sentia frio, imaginem aquelas crianças com roupas para serem usadas em dias de sol esplendoroso. Mais um motivo para    que eu prestigiasse o evento.

Vi apenas uma criança chorar. Dois meninos seguravam as extremidades de uma faixa.  Um deles tremia de frio, e chorava um choro contido. A professora ali, caminhando ao lado do menino, com a mão apoiada no ombro dele. Por fim, alguém que estava assistindo ao desfile — provavelmente algum — familiar do garoto entregou um casaco que a professora vestiu no menino. Com certeza, diminuiu um pouco do sofrimento dele.

No encerramento do desfile, começaram então os atos políticos, tanto da direita, quanto da esquerda. Então fui para casa para ver pela TV o que acontecia em Brasília, e depois no Rio.

E as coisas que vi não me deixaram nem um pouco feliz e orgulhoso da festa dos 200 anos da independência do Brasil. 

Era para ser um momento de grande festividade para todos os brasileiros e brasileiras, mas o que vimos foi um sequestro. Jair Bolsonaro, assim como sequestrou os símbolos nacionais, também fez a mesma coisa com o 7 de setembro. Ele transformou a data cívica num grande comício eleitoral, numa peça de campanha. E teve sucesso nisso. Conseguiu reunir milhares de pessoas, tanto em Brasília, quanto no Rio de Janeiro.

Em Brasília, o presidente discursou logo após o desfile militar em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil. Discursou em cima de um trio elétrico montado por seus apoiadores. Antes do pronunciamento do presidente, a primeira dama, Michelle Bolsonaro discursou, em seguida o empresário Luciano Hang. Hang é investigado no STF no inquérito das fake news.

Bolsonaro nem disfarçou. Foi explícito. Direto ao ponto. Pediu votos para si mesmo no dia 02 de outubro. “A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro. Vamos todos votar, vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós, vamos convencê-los do que é melhor para o nosso Brasil”, disse ele em trecho do pronunciamento.

Repetindo-se como papagaio, o presidente disse travar uma “luta do bem contra o mal”. Ao usar esta expressão o presidente se refere ao ex-presidente Lula, e seu principal opositor nas eleições deste ano e que lidera as pesquisas de intenção de voto.

Numa democracia, os adversários não tratados como inimigos, mas sim, como adversários. Há uma grande diferença entre um termo e outro, principalmente quando se trata de política. Mas se há coisa que Bolsonaro não consegue é ser democrata, e não o é porque, para se afirmar como tal, é preciso respeitar as diferenças, coisa que ele também não consegue fazer.

Ainda em cima do trio elétrico em Brasília, Bolsonaro elogiou a primeira dama, dizendo que ela é “uma mulher ativa na minha vida, não é ao meu lado, não, muitas vezes ela está é na minha frente”. Bolsonaro beijou a mulher e, ao ouvir gritos de seus apoiadores puxou, ele mesmo, o coro de “Imbrochável, imbrochável, imbrochável”, ou seja, o tipo macho alfa que não falha na cama. Protagonizou assim o momento mais patético do discurso.

O jornalista William Waack fez um comentário jocoso, e muito inteligente na CNN Brasil: “O Brasil não precisa se preocupar com a irrigação sanguínea do pênis de Bolsonaro. Ela está plenamente normal e satisfatória, ele assegurou. O que permite esperar que a irrigação sanguínea esteja também plenamente normal e satisfatória em outros órgãos dos quais ele precisa para governar, como o cérebro, por exemplo”, disse o jornalista.

Em relação a expressão “imbrochável” usada por Bolsonaro também em outras ocasiões penso que se trata aí de sexualidade mal resolvida. Mas isso é coisa para a psicologia explicar.

No Rio de Janeiro, não foi diferente. O presidente também usou o aparato estatal e as comemorações do Bicentenário para se autopromover e fazer campanha eleitoral. O presidente partiu do Aterro do Flamengo em uma motociata e chegou à Copacabana por volta das 14h50min. De cima do palco acompanhou a apresentação da esquadrilha da fumaça e de paraquedistas do Exército e da Aeronáutica. No Rio, mais ataques ao ex-presidente Lula, mais pedidos de votos, e mais desrespeito à lei eleitoral ao usar o cargo para se autopromover. Luciano Hang também estava no palco, ao lado do presidente, no Rio, assim como esteve em Brasília.

Alguns veículos de comunicação disseram que Bolsonaro foi moderado. Não, ele não foi. O presidente pode até moderado as palavras. Mas há muitas formas de ser radical. Pode-se atacar outro indiretamente, com meias palavras, ou incitando a turba contra determinada pessoa ou instituição, ou mesmo afrontando decisões de outro Poder.

E Bolsonaro fez tudo isso. Ao colocar Luciano Hang ao seu lado no palanque, ele, mais uma vez, afronta o STF, pois o empresário é investigado naquele órgão. “É obrigação de todos jogarem dentro das quatro linhas da Constituição. Com a minha reeleição, nós traremos para as quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora dela”, Bolsonaro disse essa frase no Rio, e o que é isso senão uma provocação ao Supremo Tribunal Federal?

Pela manhã, em Brasília, o presidente fez um café da manhã com empresário, parlamentares e ministros. Nesse evento, após citar vários momentos em que o país passou por tensão, o presidente disse: “A história pode se repetir. O bem sempre vence o mal”. Se isso não é uma velada ameaça de golpe, então o que é?

Na manhã de 7 de setembro, antes de ir para o vento na Praça dos Três Poderes, em Brasília, Bolsonaro deu uma entrevista à TV Brasil, canal estatal na qual também exaltou os feitos do seu governo, o que também é proibido pela lei eleitoral. Começava ali, o 7 de setembro de Bolsonaro e de seus apoiadores, e não o 7 de setembro do povo brasileiro.

Ainda antes de terminar este artigo, relato uma cena que vi no desfile cívico-militar aqui em Campinas.

Já haviam passado todas as representações das Forças Armadas, entidades, escolas, e naquele momento passava na Avenida Francisco Glicério o povo do Grito dos Excluídos, promovido pelos partidos de esquerda. Ao meu lado, um apoiador e uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro começaram a gritar ofensas ao PT e ao ex-presidente Lula.

O pessoal do Grito dos Excluídos era ladeado por policiais que cuidavam da segurança desses manifestantes. Quando um destes policiais passou perto dos apoiadores que gritavam junto as grades de proteção, notei que os dois reduziram o volume em que gritavam.

Foi então que um dos policiais que estava acompanhando o Grito dos Excluídos, olhou para eles e, com o olhar, os incentivou a que gritassem ainda mais alto as ofensas contra o PT e contra o ex-presidente Lula. Ninguém mais notou essa cena. Apenas eu, pois essa cena se deu em  átimos de segundo.

Ao ver essa cena, minha visão foi mais à frente, nos pós eleição. Se o presidente Jair Bolsonaro perde a eleição, e se os apoiadores dele resolvem fazer aqui o que fizeram no Capitólio, os policiais cruzarão os braços, incentivarão com os olhos e com a passividade uma violência maior? Esse é um perigo que corremos e ao qual precisamos ficar atentos.


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