Macabros carnavais
Quarta-feira, 17 de fevereiro
“É aquela que fere
Que virá mais tranquila
Com a fome do povo
Com pedaços da vida
Como a dura semente
Que se prende no fogo
De toda multidão”
(A Terceira Lâmina – Zé Ramalho)
Imagine
que você está andando pelas ruas da cidade e, de repente, em uma esquina
qualquer, surge um assaltante, aponta uma arma para sua cabeça e lhe diz em tom
furioso:
—
Passe tudo o que você tem.
Claro,
você, contrariado, e amedrontado, entrega tudo o que tem para evitar o mal
maior, afinal, mais importante que todos os pertences que esteja carregando
naquele momento, a coisa mais importante que você possui é seu bem maior: a
vida. O resto? Bem, do resto, do que foi levado, se cuida depois, até se pode
adquirir outros pertences mais e melhores.
Pois
bem, saíamos do nível individual e vamos para o coletivo.
A
humanidade andava bem tranquila pelas esquinas do mundo, e de repente foi
surpreendida por ameaçadora voz:
—
Passe tudo o que você tem.
E
lá se fomos nós a entregar nossa liberdade de ir vir, nosso desejo de estar com
as pessoas que amamos e que nos amam também. Ficamos sem poder abraçar, beijar,
dar carinho. Trancamo-nos dentro de casa. A casa passou a ser quartel general.
De
repente, só nos restou os olhos para que pudéssemos ler a alma das pessoas, uma
vez que o sorriso esteve escondido pelas máscaras de proteção.
O
coronavírus também roubou empregos e vidas.
Também
este vírus terrível roubou-nos a explosão de alegria que é a festa
carnavalesca. A cartase que se via todo ano pelas ruas do Brasil, silenciou. Não
houve a apoteose das escolas de samba da Marques de Sapucaí, com todo o seu
luxo e beleza. Os blocos de rua que empolgavam e arrastavam foliões pelas ruas
do Brasil afora ficaram mudos, parados extáticos.
O
eletrizante carnaval de Salvador com seus frenéticos trios elétricos estava
triste, chorando em algum lugar da praça Castro Alves. Muito menos desfilaram
os bonecos gigantes pelas ruas tomadas de frevos e do fervor dos foliões, em
Recife, capital do frevo.
Este
ano foi tudo diferente. Não teve carnaval. Os dias que teriam sido de muita folia
se os tempos fossem os de outrora foram dias normais como quaisquer outros com
as pessoas indo e vindo de seus trabalhos.
É
compreensível o poder público ter suprimido o feriado de carnaval e proibido as
festas públicas cheias de aglomeração. Afinal, como todos estão cansadíssimos
de saber, estamos em meio a uma pandemia que já deixou por toda a parte danos físicos
e materiais.
É
compreensível que muita gente tenha preferido festejar entre os familiares
dentro de casa, com as pessoas que habitam naquela residência. Também é
compreensível que os artistas tenham, feitos suas lives transmitidas através
das ondas da Internet. A rainha da música baiana, a brasileiríssima, Ivete
Sangalo, contava ontem, 16, pela manhã,
a Ana Maria Braga, no programa Mais Você,
que para ela esses foram dias bem tristes. Certamente não apenas para Ivete
estes dias foram sentidos dessa forma, mas, para toda a classe artística,
acostumada com a bajulação dos fãs e com a grande energia que envolve os bailes
carnavalescos sejam eles em clubes, ruas, ou avenidas.
Porém,
as coisas funcionaram desse jeito para as pessoas com senso de coletividade e
de amor à própria vida. Gente que tem a capacidade de ver uma realidade que se
descortina em seu horizonte e que seja por princípios morais e éticos, ou até
mesmo por necessidade, resolve agir em conformidade com ela
Entretanto,
para os filhos e adeptos da deusa grega Hedonê, não existe essa coisa de se
preocupar com o bem comum, nem o cuidado com o outros, nem a percepção de que
somos todos elos de uma mesma corrente, e que se um elo estiver doente, ou
frágil, ou com defeito, ele será capaz de fazer desabar uma estrutura inteira. Aos
filhos dessa deusa uma coisa apenas interessa: o prazer.
Filha
de Eros e Psique, para Hedonê o ideal era levar uma vida prazerosa. Todo ser
aspira a uma vida de prazeres e recompensas. Todo nós estamos constantemente
lidando e experimentando essa questão. É inerente ao ser humano.
O
dilema surge quando a questão do prazer é tratada sob a perspectiva do
hedonismo. Nessa doutrina ou filosofia de vida, o prazer é encarado como
finalidade única da vida humana.
Para
os filhos de Hedonê não é o senso de pertencimento a coletividade, a busca do
bem estar de si e dos outros que move a busca da felicidade. Para eles, o
motor, a mola propulsora dessa busca é o prazer pelo prazer.
E
os hedonistas, mesmo sem saber de sua filiação materna, proporcionaram cenas de
arrepiar os cabelos neste carnaval, assim como já haviam protagonizado essas
cenas semelhantes por ocasião das festividades de Natal e Ano Novo, quando
multidões, desrespeitando o apelo das autoridades para que permanecessem em
suas casas, evitando, dessa forma, aglomerações, a fim de frear a transmissão
do vírus, novamente, invadiram as praias, e se fartaram, e se banquetearam em
escandalosas festas clandestinas, sem a menor preocupação com regras
sanitárias, nem muito menos com uma ameaça perigosa chamada: coronavírus.
Do
Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, apesar da proibição por parte de
poder público de festas e aglomeração, o que se viu foi, justamente, muita gente
reunida em praias e nas tais festas clandestinas.
No
dia 05 deste mês, a região da praia de Capão da Canoa, litoral norte do RS, foi
colocada na fase de bandeira vermelha. Apesar disso, o que se viu em Capão da
Canoa, neste carnaval foram dezenas de pessoas aglomeradas, sem a menor
preocupação com o uso de máscaras, imagina então álcool gel. Com os bares
fechados, cada qual levava sua própria bebida. Os jovens bebiam e dançavam na
beira do mar totalmente alheios ao fato de a cidade apresentar 4 mil casos de
Covid-19, 77 mortes, e de os leitos de UTI estarem, na sexta-feira, 12, com uma
lotação de 81,8%.
Saindo
do Rio Grande do Sul para o Rio Grande do Norte, também lá teve aglomeração. Na
famosa praia de Pipa, cidade onde inexistem leitos de UTIs, uma multidão desfilava
pelas ruas estreitas, sem mascaras de proteção.
“As pessoas, principalmente em Pipa, não
querem usar a máscara. Pipa nos causa estranheza pela falta de empatia e
civilidade das pessoas. Há falta de educação mesmo. Uma aglomeração muito
grande e uma falta de respeito, empatia e preocupação com o próximo”, disse
o porta-voz da PM, tenente-coronel Eduardo Franco.
O
trabalho da PM em meio a toda essa falta de empatia, é como “enxugar gelo”,
expressão usada pelos agentes da PM de Pipa. “Elas colocam na nossa frente e quando dão as costas retiram”, disse
um deles em relação ao pedido para que as pessoas usem máscaras.
No
Sudeste, o Rio de Janeiro também foi palco de aglomerações e festas
clandestinas. Também lá era como se a pandemia não existisse. As festas
atravessavam a madrugada e só terminavam com dia claro. Todas elas regadas a
muita bebida e nenhuma preocupação com medidas sanitárias.
Chamou,
particularmente, a atenção uma festa no Vidigal. Imagens feitas pelo Globocop, helicóptero
usado pela Globo para sobrevoar a cidade em suas reportagens, mostrou uma boate
com três andares, superlotados. Do alto, a impressão que dava eram de que as
pessoas estavam espremidas umas contra as outras tamanha era a quantidade de
gente que estava na boate.
Autoridades
cariocas disseram que não podiam entrar no Vidigal e acabar com a festa porque
é uma área dominada pelo tráfico, e era impossível fazer uma intervenção lá sem
que houvesse confronto entre traficantes e policiais, o que poderia agravar
ainda mais a situação.
Também
nas praias cariocas se viu aglomeração e muito desrespeito.
Este
blog citou apenas estes poucos casos, mas eles ilustram bem o que aconteceu em
todo o país. Digamos que são apenas uma amostra do desrespeito que, mais uma
vez, reinou em solo nacional.
É
por tudo isso e muito mais que em um relatório produzido pelo Lowy Institute,
um centro de estudos baseado em Sidney, Austrália, o Brasil ficou em último
lugar no combate a pandemia. A pesquisa avaliou governos de 98 países. No topo
da lista, figurando como bons exemplos nessa luta estão Nova Zelândia, Vietnam,
Tailândia, e Tawian.
Esses
irresponsáveis que ignoram as medidas sanitárias não se dão conta que o país já
chegou a marca de 240 mil mortes por coronavírus, e de que estamos próximos de
completar um mês sob uma taxa de mortes em 24 horas acima de 1.000.
Talvez
não se deem conta de que a variante P1, surgida no Amazonas, mais perigosa e
mais transmissível, já começa a circular, ainda de maneira discreta, por todo o
território nacional.
É
por essas e outras também que especialistas dizem que o Brasil pode ter uma
terceira onda da doença ainda pior do que a primeira e a segunda. Ou seja, o
que está ruim, pode ainda ficar pior.
Se
o nosso processo de vacinação estivesse andando rápido ainda poderíamos respirar
um pouco mais tranquilos, mas a vacinação por aqui, apesar de estar
acontecendo, está andando a passos de tartaruga. Tudo isso, em grande parte, devido
um ministro da Saúde sem a menor competência para o cargo, e um presidente
negacionista que quer empurrar garganta abaixo dos brasileiros, remédios sem
nenhuma eficácia comprovada contra o coronavírus.
Por
falar nele, esse filho ilustre de Hedonê, esteve, neste carnaval, novamente,
provocando aglomerações. Está em São Francisco do Sul com a família aproveitando
para descansar um pouco. Ele não está preocupado com essa coisa toda de
pandemia, nem muito menos com transmissão de vírus.
Foi
lá que ele voltou a atacar a imprensa e disse que “O certo é tirar de circulação, não vou fazer isso porque eu sou um
democrata, Globo, Folha de S.Paulo, Estadão, Antagonista… que são fábricas de
fake news”.
Os
veículos de imprensa, principalmente, os citados pelo presidente são muito
perigosos. Os jornalistas que trabalham nas mídias que criticam o governo são subversivos,
pois eles fazem um sério trabalho sério de investigação, e mostram a verdade
podre que se esconde nos corredores de Brasilía.
O
presidente acabou com a Lava Jato. Agora os esquemas de corrupção nas estatais
podem continuar agindo com tranquilidade. Resta acabar com essa imprensa
incomoda, que denúncia.
É
mais um filho de Hedonê, e como tal busca o prazer como finalidade única da
vida. Aonde ele está nos momentos mais críticos da pandemia? Andando de moto,
de barco, pescando, ou em alguma atividade lúdica.
Alguma
preocupação com o combate à pandemia? Pra que, não é? Afinal, todos vão morrer
um dia. Por isso, para ele, a palavra de ordem é sabotar: Sabotar o combate à
pandemia, sabotar o trabalho dos governadores, sabotar a vacina, sabotar o meio
ambiente, a cultura, a educação, e o que mais encontrar pela frente.
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