0
Calmarias e icebergs
Posted by Cottidianos
on
00:01
Terça-feira,
15 de agosto
“Every night in my dreams
I see you, I feel you
That is how I know you go on
Far across the distance
And spaces between us
You have come to show you go on”
(My heart Will Go On - James
Horner / Will Jennings)
Há
quase vinte anos, mais precisamente em 19 de dezembro de 1997, o mundo assistia
deslumbrado, a estreia do filme Titanic.
Um épico do cinema, dirigido por James Cameron. Logo Titanic se tornou
um dos filmes de maior bilheteria da história do cinema. O clássico levou nada
menos que 11 estatuetas na cerimônia do Oscar, inclusive de Melhor Filme, e
Melhor Música com a canção “My Heart Will Go On”, magistralmente interpretada
por Celine Dion. O filme também foi o responsável por alçar dois jovens
talentos aos céus já estrelados de Hollywood: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet.
O
filme conta a história de uma tragédia, ao mesmo tempo em que usa como tempero
uma história de amor. Rose (Kate Winslet), uma passageira da primeira classe,
se apaixona por Jack (Leonardo DiCaprio), um artista e aventureiro que viaja na
3a classe. Jack não sobrevive ao mar gelado e morre.
Embora
o romance vivido pelos dois no filme seja fictício, as maiorias dos fatos
narrados são reais, idem para os dramas vividos naquele luxuoso transatlântico.
O deus-navio Titanic, partiu em sua viagem de Southampton, maior cidade portuária
da costa Sul do Reino Unido, em 10 de abril de 1912, com destino a Nova Iorque.
Dentro
do navio, tudo era festa, luxo e glamour. Os da 1a classe sentiam-se
deuses no Monte Olimpo. Os da 3a classe se sentiam próximos aos
deuses e, portanto, também privilegiados. Fora do navio, tudo era calmaria. O mar
parecia ter sido feito para o Titanic, e o Titanic parecia ter nascido para
cumprir seu destino glorioso nos mares. Porém, o mar é traiçoeiro. Ninguém
confie de forma tão arraigada em suas águas mansas e calmas, pois é justamente
por baixo delas que podem estar escondidos perigos mortais.
E
tudo seguia exatamente assim. Até que, ao passar por Cherbourg-Octeville na
França e por Queenstown na Irlanda, o luxuoso gigante dos mares colidiu com um
iceberg. Era madrugada do dia 14 de abril de 1912. O navio afundou no dia
seguinte vitimando mais de 1.500 pessoas. “O Titanic não pode afundar. É
impossível ele afundar”, disse Bruce Ismay, Presidente da White Star Line, proprietária
do transatlântico. E o Titanic afundou, provando que o impossível acontece,
para o bem e para o mal.
“Nele
estavam 2.224 pessoas, entre passageiros e tripulantes – 1.514 das quais, ou
seja, 68% do total, morreram afogadas ou congeladas. Quase metade dos que
perderam a vida, 696, eram tripulantes (ou seja, carvoeiros, foguistas,
mecânicos, cozinheiros, mordomos, etc) – outros 528 eram passageiros da 3ª
classe. Dos passageiros ricos, que ocupavam a 1ª classe, 62% sobreviveram; na
segunda classe, 41% se salvaram; enquanto, entre os pobres da 3ª classe, apenas
um em cada quatro permaneceram vivos”, escreve sobre o acidente, o colunista do
El País Brasil, Luiz Ruffato, em seu artigo, Titanic.
A
postagem de hoje fala do luxuoso Titanic, porém, metaforicamente, poderíamos
substituir Titanic por Brasil. Pense o leitor, ou leitora no Brasil como esse
gigante que singra os mares, no qual os ricos e poderosos estão na primeira classe comendo e bebendo do melhor, enquanto na terceira classe, viajam aqueles
que lhes proporcionam, à custa do seu suor, uma viagem confortável.
Lembram-se
do Lula, em 2008, os Estados Unidos viviam, à época, uma grave crise, e o então
presidente afirmou que, se essa crise chegasse ao Brasil, chegaria apenas como
uma marolinha. Em 2015, a presidente Dilma Rousseff reconhecia os efeitos no
Brasil da crise pela qual o mundo atravessava, e afirmava que a marolinha tinha
virado uma onda. Também Dilma, no comando do navio, afirmou que tudo estava
tranquilo, minimizando dessa forma, a força do iceberg que atingiria o navio
milhas à frente.
Tiraram
Dilma do comando, e ela foi substituída pelo seu vice, Michel Temer. Este,
mesmo tendo os brasileiros sentido o barco balançar para lá e para cá, vive
afirmando que o país não atravessa crise alguma. Temer, tal qual sua
antecessora, minimiza os efeitos de uma crise que pode jogar o país cada vez
mais para trás, de uma forma ou de outra.
E,
os brasileiros, anestesiados, não se sabe se pela enxurrada de escândalos, ou
pela miragem de que tudo pode melhorar de uma hora para outra, viajam como se
estivessem em mar em plena calmaria, enquanto o iceberg já está raspando o
casco do navio...
Depois
não adianta gritar, chorar, e espernear, pois, como no pomposo Titanic, a corda
sempre arrebenta para o lado mais fraco. Os da primeira classe sempre
encontrarão meios de escapar ilesos do naufrágio. Pode ser que alguns deles
sucumbam, mas será sempre a menor parte...
Abaixo,
este blog compartilha, artigo — já citado anteriormente — de Luiz Ruffato,
colunista do El País Brasil. O artigo do jornalista tem por título: Titanic.
***
Titanic
O Brasil de
Temer é um navio sem comandante navegando a pleno vapor com uma tripulação
anestesiada a espera de um desastre
Luiz Ruffato
Sexta-feira,
dia 4. Noite, 15 graus. Um grupo de uns 50 jovens, com pouco mais de 20 anos,
portando três bandeiras negras do anarquismo, alguns mascarados, a maioria de
cara limpa, fecha a pista direita da avenida Paulista. Eles caminham gritando
palavras de ordem contra os políticos de maneira geral, desde o vão do MASP
(Museu de Arte de São Paulo) até quase a esquina da rua da Consolação. Param.
Fazem uma rápida assembleia, decidem voltar pela faixa esquerda. Andam um
quarteirão, e indecisos param novamente, e resolvem descer a rua Augusta, em
direção ao centro.
Vários
carros e motocicletas e dezenas de homens da Polícia Militar acompanham o
protesto, perfazendo o triplo do número de manifestantes. Um policial fardado e
outro à paisana filmam a passeata que segue organizadíssima. Embora causem
enorme confusão no trânsito, em pleno horário de rush, não se ouve nenhuma
buzina. Nas calçadas, apressados, passam os transeuntes pendurados em seus
celulares, driblando os camelôs que apregoam seus produtos. Anestesiada, a
noite cruza os braços de frio.
Dois
dias antes, em Brasília, 263 deputados federais garantiram a aprovação do
parecer do tucano Paulo Abi-Ackel favorável ao arquivamento da denúncia de
corrupção passiva contra o presidente não eleito, Michel Temer. Para alcançar
seu objetivo, Temer não precisou recorrer a conversas privadas, extraoficiais,
como a que deu origem à acusação do empresário Joesley Batista, da JBS.
Deixando de lado o pudor, Temer passou os últimos dois meses dedicando-se
exclusivamente a editar medidas e a negociar emendas que assegurassem os votos
necessários para a salvação do seu mandato – e, para isso, mandou às favas a
decência e as contas públicas.
Naquele
dia, não havia, em frente ao prédio do Congresso Nacional, carros de som de centrais
sindicais, nem estandartes de partidos políticos, nem patos gigantes, nem
bandeiras nacionais: apenas o olhar incrédulo do pedreiro, garçom e pintor
mineiro, André Rhouglas, que, após percorrer de ônibus 910 quilômetros em 15
horas para acompanhar a votação, se viu sozinho com a faixa de “Fora Temer”. O
fenômeno se repetiu Brasil afora: quarta-feira, dia 2, era apenas mais uma data
como outra qualquer.
Na
madrugada de 15 de abril de 1912, o gigantesco navio RMS Titanic afundou, após
abalroar um iceberg, nas águas geladas do Atlântico Norte. Nele estavam 2.224
pessoas, entre passageiros e tripulantes – 1.514 das quais, ou seja, 68% do
total, morreram afogadas ou congeladas. Quase metade dos que perderam a vida,
696, eram tripulantes (ou seja, carvoeiros, foguistas, mecânicos, cozinheiros,
mordomos, etc) – outros 528 eram passageiros da 3ª classe. Dos passageiros
ricos, que ocupavam a 1ª classe, 62% sobreviveram; na segunda classe, 41% se
salvaram; enquanto, entre os pobres da 3ª classe, apenas um em cada quatro
permaneceram vivos.
Segundo
índice da Confederação Nacional da Indústria, aferido entre março e julho, o
medo do desemprego chegou a 66,1 pontos, o quarto maior da série histórica
iniciada em 1999. A taxa de crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro
para este ano, segundo a otimista projeção do Fundo Monetário Nacional, deve
ser de apenas 0,2%. E nosso índice de homicídios, segundo relatório da
Organização Mundial de Saúde, com base em dados de 2015, é 30,5 assassinatos
por 100 mil habitantes, número que vem crescendo ano a ano.
O
pior de tudo, entretanto, é esta estranha sensação de calmaria, a mesma que
antecedeu o desastre do Titanic. Na época, não se sabia que um mar de águas
muito tranquilas é sinônimo da presença de icebergs. Somos um navio sem
comandante navegando a pleno vapor na noite escura. Se ainda tivéssemos
esperança de que lá na frente alguém comprometido com o salvamento do país
assumiria o controle... mas nem isso... Aqui a história se repete de maneira
cruel: quem sofrerá as consequências será, como sempre, o pessoal que ocupa a
terceira classe, os pobres. E os ratos serão os primeiros a abandonar o
barco...
Postar um comentário