O luxo e o lixo dos palácios
Quarta-feira, 28 de agosto
Palácio!
Em
qualquer época que esta palavra seja pronunciada ela sempre nos remeterá a
ideia de influência, luxo, e poder. O castelo sempre povoará os sonhos das
jovens sonhadoras que sonham com seus príncipes encantados, e o dos homens
sedentos de dominação e poder.
Não
é diferente com o famoso Palácio das Laranjeiras, residencial oficial dos
governadores do Rio de Janeiro. Sua localização entre a exuberante vegetação da
floresta do morro de Nova Cintra o faz parecer uma bela pintura arquitetônica
emoldurada pela foresta.
Localizado
no bairro da Laranjeiras, zona sul do Rio, em fins do século XIX, era um
palacete pertencente a um aristocrata português, o Conde Sebastião de Pinho. O
Palacete foi demolido e, em 1909 o atual palácio começou a ser construído,
sendo finalizado em 1914, tendo sido projeto arquitetônico de Armando Carlos da
Silva Telles.
Tornou-se
então propriedade do poderoso industrial e empreiteiro, Eduardo Guinle. Ventos
ruins sopraram na direção da família Guinle nos anos 40, e a viúva de Eduardo
recebeu uma proposta irrecusável do governo federal a quem vendeu o imóvel. Os
Guinle perderam a opulência, mas com a soma que receberam com a venda do
imóvel, certamente, não ficaram pobres.
Por
um tempo, o palácio também já foi abrigo do presidente da república, Juscelino
Kubistchek.
Em
1974, a União doou o prédio ao Estado do Rio de Janeiro. Desde então ele tem
sido utilizado como residência oficial dos governadores cariocas.
Por
que essa breve apresentação do Palácio das Laranjeiras?
Esse
símbolo de poder me veio à memória ao pensar que nele vive hoje,
melancolicamente, um homem que sonhou com o poder, o teve em suas mãos, e agora
corre o risco de perdê-lo.
Falo
de Wilson Witzel (PSC). Em 28 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça determinou
o afastamento imediato do governador por suspeita de corrupção. Naquele dia o
STJ também determinou que fossem realizadas buscas no escritório da advogada
Helena Witzel, por suspeitar que ela mantinha contratos com empresas envolvidas
no esquema de desvio de dinheiro de recursos.
Toda essa novela que resultou no afastamento
de Witzel: operações de busca e apreensão, e mandados de prisão de envolvidos,
foi consequência da Operação Favorito e da Operação Placebo, deflagradas pela
PF em maio, e fruto da delação premiada de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde
do Rio.
Segundo
apontaram as investigações policiais, o governador teria recebido cerca de R$ 554,2
mil em propina, por intermédio do escritória da sua mulher, a advogada Helena
Witzel.
O
foco das investigações foi irregularidades em compras para a pandemia de
Covid-19. Houve desvios na contratação dos hospitais de campanha, e na compra
de respiradores e medicamentos. As investigações, porém, mostraram que a
organização criminosa foi montada no governo logo após o governador assumir o
cargo em 2019.
O
mais triste em tudo isso é ver que o poder corrói, o poder corrompe. A sede de poder
e ambição, muitas vezes, matam a vontade de acabar com as njustiças, ou de,
pelo menos, lutar contra elas. É como uma bebida que inebria o homem, ou a
mulher, e os deixa paralisados, seduzidos pela possibilidade de dinheiro fácil,
e de uma vida de luxo às custas da vida de uma população inteira.
O
governador foi eleito usando como uma de suas promessas de campanha, o combate
a corrupção.
“Portanto, meu primeiro agradecimento é ao nosso
povo, com quem assumo o compromisso de não deixar apagar essa chama de
confiança em um futuro melhor para o nosso Estado”.
“É chegada a hora de libertar o estado da
irresponsabilidade e da corrupção que marcaram as duas últimas décadas da
política estadual”.
“O resultado da última eleição simbolizou o grito de
milhares de homens e mulheres cansados da traição e dos atos de corrupção que
estão tirando de nós o sentimento de esperança por dias melhores para nós e
nossos filhos”.
Essas
foram palavras ditas por Witzel durante a solenidade de posse dele em 1º de
janeiro de 2019. A fala do governador durou cerca de 20 minutos, e ele a
conclui com uma citação de, Carlos Lacerda, que governou o estado da Guanabara,
atual Rio de Janeiro, entre 1960 e 1965. Diz Witzel, citando Lacerda:
“A impunidade gera audácia dos maus. O futuro não é
o que se teme, o futuro é o que se ousa. Eu ousei”.
Como
veem, caros leitores e leitoras, o típico exemplo de político sem compromisso,
sem honra, e sem palavra, que diz uma coisa e, ao ser eleito, faz outra
completamente diferente. Aliás, isso, ao que parece, tem se tornado regra geral
dos políticos de nossos dias.
E
um agravante na condição do governador afastado do Rio de Janeiro é que ele é
um ex-juiz, ainda mais conhecedor e sabedor do valor da justiça e da retidão,
deveria ter feito a balança pender para estes valores, e não para os valores
opostos.
Witzel
era um completo desconhecido na cena política brasileira. Quando entrou na
disputa para o governo do Rio de Janeiro em 2018 tinha apenas 1% das intenções
de voto. A campanha foi se
desenvolvendo, os dias foram passando, e Witzel colado na imagem do então
candidato à presidência, Jair Bolsonaro — de quem se tornou inimigo político —
terminou o primeiro turno com 41% dos votos, vencendo no segundo turno, Eduardo
Paes (DEM).
O
processo de impeachment de Witzel ainda não acabou, mas é bem pouco provável
que ele não sofra o impeachment. Enquanto ele está afastado que desempenha as
funções de governador do Rio de Janeiro, na condição de governador em exercício
é Claudio Castro (PSC-RJ). Cláudio também é citado na investigação sobre
corrupção em contratos na área social do governo e da prefeitura do Rio.
Não
dá pra deixar de falar de Wilson Witzel e de lembrar de suas promessas de
campanha, sem falar de Jair Bolsonaro. Assim como Witzel cometeu um estelionato
eleitoral no Rio de Janeiro, Bolsonaro cometeu um estelianato eleitoral para
com seus eleitores.
Afinal,
o combate à corrupção foi uma das suas principais plataformas de campanha. Mas
o que vimos depois disso foram coisas de estarrecer a quem acreditou em suas
promessas. Muitos de seus eleitores ainda permanecem na ignorância e acham que ele
é o homem mais honesto do Brasil. Fato que é perfeitamente compreensível ao
observar que, quando Lula se disse o homem maisn honesto do Brasil, alguns de
seus partidários também acreditaram nisso, e continuam acreditando até hoje. Ou
seja, os fatos estão aí para serem fartamente observados e analisados, o que
falta é discernimento para grande parcela da população que ainda vive no
obscurantismo e na ignorância. E isso, hoje em dia, independe de classe social.
Bolsonaro
já admitiu publicamente que acabou com a Lava Jato, isso é verdade. Se não
acabou de todo, pelo menos desmontou uma das maiores operações policiais que
jamais se viu em nosso país, e que levou para a cadeia muitos poderosos. Muitos
políticos já haviam tentado acabar com ela, dentre eles, Renam Calheiros,
Romero Jucá, e muitos dos políticos do centrão, dos quais Bolsonaro agora é
aliado.
Para
eles foi difícil, mas para o presidente até que foi bem fácil. Com certeza,
políticos sem moral e sem compromisso com o povo brasileiro agradecem a
colaboração, inclusive os do PT, tão atacados pelos bolsonaristas antes,
durante, e depois das eleições.
Não
esqueçamos também que Jair Bolsonaro jogou para fora de seu governo o homem que
deu grande contribuição à Lava Jato: Sérgio Moro.
Há
ainda o interesse por neutralizar as forças da Polícia Federal pois estão sendo
desenvolvidas investigações perigosas que envolvem o filho do presidente, o
senador Flávio Bolsonaro, e ex-assessor dele, Fabrício Queiroz, investigações
que se forem bem mais fundo, podem inclusive chegar no próprio presidente.
Já
foram inúmeras as manobras e tentativas da defesa de Flávio Bolsonaro, de
protelar, adiar, e até mesmo de acabar com as investigações.
Na
última delas, mostrada pelos veículos de imprensa, especialmente pela revista
Época, que foi quem revelou mais este escandalo, nos dão conta de que até mesmo
a própria estrutura do governo foi usada para tentar anular as investigações. A
defesa do senador acionou a estrutura do Gabinete de Segurança Institucional e
da Abin para obter provas para derreter as investigações.
Segundo
reportagem da revista Época, assinada pelo jornalista Guilherme Amado,
Bolsonaro esteve presente, pessoalmente, na reunião ocorrida no seu gabinete,
no Palácio do Planalto, da qual participaram as duas advogadas de defesa de
Flávio Bolsonaro no caso Queiroz, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach; o
general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e
Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O
presidente e as advogadas estavam exultantes, pois as duas afirmavam ter
encontrado a solução para anular as investigações do caso Queiroz.
Ainda
segundo a Época, as advogadas afirmavam ter documentos que mostrariam que,
dentro da Receita Federal, haveria uma organização criminosa, que era
responsável por levantar dados sigilosos que abasteceriam as informações do Conselho
de Controle de Atividades Econômicas (Coaf), segundo as advogadas, o relatório
do Coaf que trouxe à tona as atividades ilícitas de Flávio Bolsonaro, ajudado
por Fabrício Queiroz, na Assembleia Legislativa do Rio, continha informações
das quais o órgão não disporia em seu banco de dados.
Ainda
segundo a reportagem as advogadas teriam apresentado documentos que comprovavam
que funcionários da receita estavam abastecendo os órgãos de controle,
inclusive o Coaf, com dados sigilosos de funcionários públicos, empresários,
políticos, entre outras pessoas.
Relata
o jornalista Guilherme Amado na reportagem: “Quando Pires e Bierrenbach concluíram o raciocínio, Bolsonaro estava
estupefato. O presidente dirigiu-se a Ramagem e perguntou: “Você sabia disso?”.
Um constrangido chefe da Abin deu uma
resposta evasiva. Não sabia”.
Diante
da pergunta do presidente se descobre rapidamente o porquê da presença de dois
integrantes de órgãos do governo na reunião. Eles, em nome da segurança da
família presidencial, teriam de verificar se a versão contada pelas advogas tinha
procedência, e muito mais, tinham que procurar documentos que, realmente,
comprovassem a versão contada por elas.
O
GSI não conseguiu encontrar nenhuma prova. Ao que parece a Abin também não.
Então a defesa mudou de estratégia.
As
duas advogadas, juntamente com o próprio senador, reuniram-se com José Barroso
Torres Neto, secretário da Receita, e entregaram a ele um documento onde
falavam das suspeitas acima relatadas.
Pediram
também ao secretário da Receita que fosse pesquisado o histórico de acesso de
dados de Flávio. Segundo defesa e acusado, as informações teriam sido colhidas
pelos funcionários da Receita através de uma senha secreta, que possibilitava as
consultas sem deixar rastros. Qualquer semelhança com filmes de ficção e
teorias da conspiração é mera coincidência.
Mais
uma vez “deram com os burros n’água” como diz o ditado. José Barroso Torres
Neto, não entregou nenhum relatório pois não encontrou nenhuma evidência do que
fora afirmado por Flávio e sua defesa. Bolsonaro até chegou a chamar o
secretário da Receita para uma conversa, mas este reafirmou que não havia
encontrado nada.
Ainda
restava mais uma tentativa. Senador e
advogadas de defesa procuraram Gileno Gurjão Barreto, diretor-presidente do
Serviço Federal de Processamento de Dados do governo. Pediram então ao
diretor-presidente que a empresa federal comandada por ele fizesse os
levantamentos de dados pedidos anteriormente à Receita. Voltaram à estaca zero.
Gileno afirmou que mantinha contrato de confidencialidade com a Receita Federal
e que não era possível passar qualquer informação.
O
fato é que mais uma vez se torna notório que Jair Bolsonaro tenta de todas as
maneiras usar a estrutura do governo para proteger o filho da rede de corrupção
na qual ele está enredado, juntamente, com o ex-assessor Fabrício Queiroz, que,
como todos sabem era muito próximo da família do presidente.
Pelo
relato de Época, o senador Flávio Bolsonaro deve estar desesperado e tenta de
todas as maneiras descaracterizar a denúncia feita contra ele, e, por consequência,
contra Fabrício Queiroz. Com certeza, Queiroz iria ficar bem aliviado com a
notícia, bem como o presidente e seu filho. O ex-assessor está cumprindo prisão
domiciliar há dois meses.
O
líder da oposição no senado, Randolf Rodrigues, (Rede-AP) junto com o deputado
federal Alessandro Molon, (PSB-RJ), já iniciaram uma coleta de assinaturas para
que seja instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Se ficarem
comprovados os fatos, pode ter ocorrido crime de responsabilidade do
presidente. Que poderia até resultar no impeachment dele.
“Esse é o mais grave caso na república do uso
de instituições do Executivo para fins particulares e para acobertar um
gravíssimo caso de corrupção”, disse o senador Randolf Rodrigues, que é
líder da oposição no Senado.
Randolf
sabe que as chances de uma CPI como essa dar certo é pequena. Então o partido
ao qual ele pertence entrou com um pedido no STF para que Augusto Heleno, e Alexandre
Ramagem sejam afastados das suas funções por terem usado o GSI, a Abin, a
Receita Federal e o Serpro, enfim, de usar a estrutura do governo para
beneficiar o filho do presidente em uma investigação na qual ele é acusado de
desviar parte do salários dos assessores que trabalhavam em seu gabinete, com a
ajuda de seu fiel assessor, Fabrício Queiroz, no período em que Flávio era
deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
Mais
uma vez o Palácio, símbolo de poder, sendo usado para fins nenhum pouco nobres.
O Palácio do Planalto já foi usado, e quem sabe ainda não o é, como central de
fabricação e distribuição de fake News, agora também testemunha uma reunião na
qual o presidente trama alguma maneira de livrar o filho das garras da justiça.
Flávio
Bolsonaro e Fabrício Queiroz sempre afirmaram que eram inocentes das acusações
que lhe são imputadas. Entretanto para quem
acompanha os fatos a impressão que dá é que ele está desesperado e fazendo de
tudo para que essa investigação seja anulada, pois já são inúmeros os
estratagemas e artimanhas usadas por ele e sua defesa para que esse objetivo
seja alcançado.
A
impressão que se tem é a de que se o filho do presidente fosse realmente
inocente como diz, estaria tranquilo, deixaria o processo correr
tranquilamente, e assistiria de camarote uma decisão favorável a seu favor,
vinda de modo natural pelas mãos da justiça. Mas, ao contrário, tenta fazer de
tudo para que seja jogado no lixo o que as provas e os fatos mostram fartamente.
Ah, Palácio do Planalto, do que mais serás testemunha até que se finde esse governo?
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