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Deus e o diabo na terra do consumo

Posted by Cottidianos on 00:31
Segunda-feira, 06 de agosto


E Deus?
Deus e o Diabo na Terra
Sem guarda-chuva, sem bandeira, bem ou mal
Ninguém destrói essa guerra
Plantando brisa e colhendo vendaval
Não sou nenhum São Tomé no que eu não vejo
Eu ainda levo fé
Eu quero a felicidade
Mas a tristeza anda pegando no meu pé

(Santa Fé – Moraes Moreira)


Nas sociedades antigas, ao se falar de religiosidades e das forças que regem o universo, não havia grandes problemas para decidir por onde caminhar. Havia duas opções bem claras: deuses e diabos, bem e mal.
Na ficção, épicas batalhas foram travadas entre essas duas forças. No plano do real, essas batalhas foram e estão sendo travadas, mas elas nos escapam à compreensão pelo fato de que desconsideramos que existe um universo paralelo que independe de acreditarmos nele ou não. E essa ignorância por parte dos seres humanos é que nos faz ignorar que muitas das batalhas que perdemos ou ganhamos no plano terrestre foram travadas primeiro pelas forças do plano espiritual.
Na sociedade atual, os deuses e diabos evoluíram, sofisticaram-se. Ela incorporou um elemento que, na verdade, já estava presente entre as sociedades desde tempos imemoriais: o consumo. Afinal, os povos de todas as sociedades precisaram consumir algum produto, e para adquiri-lo, precisaram comprar ou trocar, se não os possuía, sem, contudo, se tornarem escravos dessas transações.
Porém, os avanços de produção do sistema capitalista, intensificados ao longo do século XX, trouxeram junto consigo a chamada sociedade de consumo. Na verdade todo esse sistema é um moinho que gira em torno do aumento do consumo e das margens de lucro, sendo estes fatores determinantes do desenvolvimento econômico e social das sociedades modernas. Olhando um pouco mais para trás, pode-se afirmar que, na verdade, a chave mágica que abriu as portas do consumismo foi a Revolução Industrial, que transformou os processos de produção e de produtividade, tornando possível a que classes da base da pirâmide pudessem adquirir produtos que antes eram restritos apenas as classes mais abastadas.
A partir daí o consumismo, como enxurrada que desce com força do alto das cachoeiras, veio rolando morro dos tempos abaixo para as sociedades posteriores, chegando a já citada sociedade do consumo. Junto com esses conceitos surgiu também o mercado. Essa entidade que dita as regras do mundo econômico.
Nos céus do consumo, o consumismo é ao mesmo um tempo um deus e um diabo. Já não nos é tão fácil, como nos tempos antigos, fazer a escolha. Como escolher entre duas opções quando lidamos com um ser mutante.
Ainda olhando para o passado, conta uma anedota que o sábio filósofo, Sócrates, ao passar pelo mercado público notou a correria e a angústia das pessoas por comprar coisas. Então o sábio filósofo parou, e olhando toda aquela cena, disse aos seus discípulos: quanta coisa de que não preciso.
Todos nós giramos junto com as pás desse moinho. Não há como dizer: não sou consumista. Em maior ou menor grau todos consumimos algum produto. Então somos consumistas, não há como negar. A diferença é que uns são escravos dele e outros não.
O consumismo se torna um deus quando o usamos de forma consciente, escolhendo, por exemplo, os produtos que nos proporcionam uma boa dieta, uma alimentação saudável, e até mesmo ao escolher da parafernália eletrônica que nos facilita executar com mais facilidade nossas tarefas diárias.
Ao contrário, ele se torna um diabo, quando nos torna escravos de padrões, como, por exemplo, os ditados pelo mundo da moda e da beleza. Esse universo vende a idéia de que para ser belo, ou bela é preciso seguir os padrões estabelecidos. No caso das mulheres, é vendida a idéia de que é preciso ter os cabelos dessa ou daquela maneira, os seios e o bumbum desta ou daquela forma.
E, se assim não for, a mulher está à margem de uma vida plena e feliz. O diabo do consumo está a todo o tempo dizendo para as mulheres: ignore os efeitos do tempo sobre o corpo. Você pode manter seu corpo eternamente belo. Veja as ninfas que habitam as capas das revistas, os anúncios publicitários, você pode ser como elas — escondendo delas que, na maioria das vezes, o segredo daquelas beldades é os truques gráficos de edição de imagem que fazem surgir aquelas miragens.
E lá vão as mulheres como loucas a procurar as tais soluções mirabolantes prometidas pelo diabo sedutor do consumo. Cegas, e em busca do cabelo perfeito, do seio perfeito, do bumbum perfeito, enfim, do corpo ideal, elas, muitas vezes, flertam com a morte, ao se entregarem nas mãos de profissionais não especializados, e em locais não apropriados para realizarem tais procedimentos estéticos que se prometem milagrosos.
Lilian Calixto
Em meados do mês passado, o Brasil acompanhou o caso da gerente de banco, Lilian Calixto. Ela foi uma dessas mulheres que correu em busca da promessa do corpo perfeito e encontrou a morte.
Profissional bem sucedida, jovem e bonita, Lilian morava em Cuiabá. Através das redes sociais, sempre cheia de atrativos, promessas, e também perigos, conheceu Denis César de Barros Furtado, que se apresentava como “Dr. Bumbum”. Com mais de 600 mil seguidores no Instagram, ele relatava casos de intervenções cirúrgicas de sucesso. Fazia cerca de seis meses que ela acompanhava Denis pelo Instagram, até que conseguiu reunir o dinheiro necessário para fazer o implante nos glúteos que tanto desejava, e também implantar um chip que funcionaria como implante hormonal, em razão da menopausa. A bancária fez tudo isso sem que a família tivesse conhecimento das tratativas dela com o Dr. Bumbum.
Acertou tudo com Denis pelo WhatsApp e, na manhã de sábado, 18 de julho, viajou ao Rio de Janeiro, dizendo a família que faria apenas a implantação do chip para controle hormonal, um procedimento cirúrgico sem complicações, e que retornaria no mesmo dia para Cuiabá, escondendo que faria também um implante nos glúteos.
Antes de tais procedimentos, o médico a havia dito que as intervenções seriam feitas em Brasília, onde possuía uma clínica, mas poucos dias antes dos procedimentos, ele a comunicou a mudança de planos e que tudo seria feito na capital carioca.
Em vez de uma clínica, a paciente foi atendida no apartamento do médico, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio — prática condenada pelo Cremerj (Conselho Regional de Medicina do estado). Após a intervenção, a paciente passou mal, e foi levada pelo próprio Denis a um hospital em estado extremamente grave, vindo a falecer na madrugada de domingo, 15.
Denis Furtado, a namorada dele, Renata Fernandes, e a mãe de Denis, Maria de Fátima Furtado, que estavam no apartamento e participavam ativamente dos processos cirúrgicos estão presos.
Após, a revelação do caso da bancaria Lilian Calixto, surgiram outros casos semelhantes de procedimentos cirúrgicos estéticos praticados também por profissionais desqualificados e em lugares idem. O que chama a atenção é o deboche como estes profissionais — se é que podem ser chamados assim — tratam suas pacientes, mesmo quando elas relatam não estarem se sentindo bem após os procedimentos.
Acho que, a partir do caso da bancária Lilian Calixto, fica a lição de que é preciso ter o discernimento para reconhecer quando o consumismo se apresentar para nós disfarçado de deus com promessas de beleza eterna. Às vezes, a sedução é tanta que não se atenta nem mesmo para o lugar onde será realizada a ação. Um procedimento cirúrgico num apartamento? É preciso pensar. Procedimentos cirúrgicos são feitos em hospitais com recursos suficientes, para, no caso de alguma coisa sair fora de controle, ter um equipe preparada e disponível para sanar o problema.
E o discernimento é necessário não apenas em procedimentos estéticos, mas na vida diária. Quando o diabo sedutor do consumo bater à sua porta com suas promessas mirabolantes e oferecendo produtos mágicos, é preciso pensar: preciso realmente disso, nesse momento de minha vida? Se já possuir o que é oferecido é preciso pensar: Não posso continuar usando as coisas que já tenho? Por que preciso de um produto novo se o antigo funciona e bem?

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