0

O garimpo da fome

Posted by Cottidianos on 13:50

Domingo, 03 de outubro

Era quarta-feira, 29 de setembro, e o jornal Extra, do Rio de Janeiro, trazia a seguinte manchete:

Garimpo contra a fome: sem comida, moradores do Rio recorrem a restos de ossos e carne rejeitados por supermercados

Em seguida, os repórteres Rafael Nascimento de Souza e Gabriel Sabóia, começam o primeiro parágrafo descrevendo cenas degradantes vividas por muitos moradores da capital carioca:

Pouco após as 10h, o caminhão estaciona na Glória, Zona Sul do Rio. Minutos depois, a fila se forma. É que já havia gente esperando o veículo, que recolhe ossos e pelancas de supermercados da cidade. Sensibilizados, motorista e ajudante da empresa doam ali toda terça e quinta parte do que foi recolhido. Diante do desemprego — que ficou em 14,1% no segundo trimestre de 2021, atingindo 14,4 milhões de brasileiros — e da inflação galopante — que com a prévia deste mês chegou a 10,05% no acumulado em 12 meses, ultrapassando os dois dígitos pela primeira vez desde fevereiro de 2016 —, é a esperança daquelas pessoas de encontrarem um pedaço de carne para matar a fome”.

O texto segue com o depoimento de pessoas que vão ao local onde o caminhão estaciona para o “garimpo” de ossos e restos de carne rejeitada pelos supermercados. É o caso da desempregada, Vanessa Avelino de Souza, de 48 anos, que mora nas ruas do Rio. É um trabalho de paciência e muita resignação. Primeiro Vanessa separa osso por osso, pelanca por pelanca para colocar na sacola o melhor que pode. Depois separa osso e carne. Nada é desperdiçado. Os ossos são usados para colocar no arroz e no feijão. A carne é frita, e depois a gordura é separada para servir como óleo de cozinha, que, diga-se de passagem, também está muito caro.

Empurradas para a pobreza extrema, que a pandemia da Covid-19 tornou ainda mais evidente, outros homens e mulheres cumprem o mesmo ritual cumprido por Vanessa. Os restos de carne e ossos são tão importantes para saciar um pouco da fome que essas pessoas passam que, Denise da Silva, de 51 anos, chega a fazer um percurso de 33 quilômetros de trem. Ela mora em São João do Meriti e se desloca de lá até o bairro da Glória para pegar os restos de comida. Ao descer na estação da Central, ainda tem que andar mais 3 km a pé até o bairro da Glória, pois não tem dinheiro para pagar outra passagem. Pega as sobras e, depois, caminha mais 3 km até a Central para pegar outro trem para voltar para casa.

Não vejo um pedaço de carne há muito tempo, desde que a pandemia começou. Esse osso é a nossa mistura. Levamos para casa e fazemos para os meninos comerem. Sou muito grata por ter isso aqui”, diz Denise ao jornal Extra.

José Divino dos Santos é o motorista do caminhão. Ele tem 63 anos, e nasceu em Além do Paraíba, no interior de Minas Gerais. Ele conta que, de uns meses para cá, notou um aumento no número de pessoas que procuram por restos de ossos. Diz que tem dias que quando chega com o caminhão ao local de distribuição sente vontade chorar. E que um país tão rico como o nosso não deveria estar nessa situação. Ele conta que antes as pessoas pegavam essas sobras para dar para os cachorros e, atualmente, elas levam para consumo próprio e para o consumo de seus familiares. José Divino conta que, às vezes, os restos de alimentos estão um pouco estragados, eles falam isso para as pessoas, mas elas querem levar assim mesmo. A reportagem conta que o motorista não consegue conter as lágrimas ao fazer este relato.

Após a divulgação pelo jornal Extra, o assunto ganhou destaque em vários veículos da imprensa nacional, e provocou debates no meio político. Ainda na quarta-feira, durante a sessão da CPI, o senador Humberto Costa, do PT, de Pernambuco, falou sobre o assunto. Naquele dia, estava sendo ouvido pela CPI o empresário bolsonarista, Luciano Hang. “Não sei se o senhor viu, na foto de um jornal, um bocado de carcaça de osso e umas pessoas querendo levar aquilo ali, que antigamente compravam pra dar para os cachorros, e hoje as pessoas compram para fazer sopa e comer o resto da carne. É isto que este governo e esse projeto causaram ao nosso país: uma tragédia sanitária, econômica, social e política”. Disse o senador ao empresário.

Fazendo eco as palavras do motorista do caminhão que distribui as sobras, José Divino, que disse que disse “Um país tão rico não pode estar assim”, o ex-presidente, Luís Inácio Lula da Silva, na quinta-feira, 30, publicou um vídeo em suas redes sociais, em que destaca o fato de que o país tem cerca de 30 milhões de gado no Mato Grosso do Sul, e ainda assim, há pessoas com fome, pedindo ossos para comer.

A situação no Brasil já não vinha muito boa antes da pandemia, e o evento Covid-19 só fez piorar aquilo que já estava ruim. Além das mortes, essa tragédia provocada pelo coronavírus ainda trouxe ao país mais desemprego e, de quebra, uma inflação alta. A situação de pessoas pegando restos de carnes e ossos não é exclusiva do Rio de Janeiro. Ela também tem se repetido em outras partes do país.

Outro fato a ser destacado é que, com o aumento nos preços das carnes de boi, de frango, e de porco, tem aumentado nos açougues a venda de pés, pescoço, e carcaça de frango.

Tudo isso vem confirmar o que diz o Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil, um estudo conduzido pela Rede Penssam (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional divulgado em abril. Dados do estudo apontam que 19 milhões de brasileiros foram atingidos pela fome em 2020.

Com isso, milhões de brasileiros são atingidos pela insegurança alimentar. “A insegurança alimentar parte do princípio de que você não tem certeza de que vai conseguir se alimentar amanhã. A pessoa tem de escolher entre um e outro alimento, opta por um mais barato”, diz a nutricionista Beatriz Blackman, da Rede de Mulheres Negras para a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, na reportagem da Folha, Caminhão de ossos' no Rio é disputado por população com fome, publicada em 29 de setembro.

Esse é o Brasil bem diferente do que vive o presidente Jair Bolsonaro, e os empresários Luciano Hang, e Otávio Fakhouri. Hang e Fakhouri, semana passada, foram ouvidos pela CPI. Lá apenas reafirmaram seu negacionismo e o papel de propagadores de fake news. Otávio Fakhouri usa a frase “Deus, Pátria, Família” para se definir. Eu fico aqui pensando em como uma pessoa que tem Deus na frase que o define e vive espalhando ódio e intolerância nas redes sociais. Deus é sinônimo de amor, e não de ódio.

Os três, presidente e empresários, juntamente, com uma legião de fanáticos que não enxergam um palmo à frente do nariz, inundaram o país de fake news durante a pandemia de Covid-19, nas quais divulgavam tratamentos ineficazes contra a Covid-19, colocavam em dúvida a eficácia das vacinas, condenavam o uso de máscaras, e, contra todas as evidências da ciência, ignoravam o isolamento social e empurravam as pessoas para uma suicida imunidade de rebanho.

Entre a vida da população brasileira e a economia, decidiram que a economia deveria ser prioridade, e o resultado dessa equação foi trágico: até agora 597,749 brasileiros e brasileiras mortos pela Covid-19, e uma economia em frangalhos. Se esse grupo de loucos criminosos tivesse priorizado a vida, milhares de brasileiros não teriam sido vítimas da Covid-19 e ainda estariam gozando a vida junto a seus amigos e familiares, e a economia estaria em melhor situação, uma vez que teríamos demorado menos tempo dentro da fase mais difícil da pandemia.

Não há como não jogar essas dificuldades e essa tragédia na conta do presidente Jair Bolsonaro. Ele agora diz que a culpa dessa carestia é dos governadores que são resistentes a mudanças no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e que adotaram medidas de distanciamento social para deter o vírus.

Mas isso é conversa de quem quer tirar das próprias costas uma responsabilidade que lhe é devida. Essa carestia que vive o Brasil tem a ver, e muito, com as instabilidades políticas criadas pelo próprio presidente.

Isso faz com que o investidor olhe para o Brasil com desconfiança. Além disso, esses operadores observam a política fiscal equivocada do governo, sempre querendo elevar o teto de gastos, a qualquer custo, inclusive a custo de pedalada em relação aos precatórios, que nada mais é que um calote nos precatórios.

Em consequência disto temos alta do dólar, que tem subido de maneira absurda. Temos então que os preços dos insumos e produtos que o Brasil importa sofrem uma forte alta, encarecendo o preço dos produtos.

Temos também uma crise hídrica gravíssima que tem elevado o preço das tarifas de energia elétrica. Esse é outra crise que não está sendo gerida de forma adequada pelo governo. Além de tudo isso, ainda tivemos as ondas de frio que atingiram Sul e Sudeste do país que prejudicaram a produção no campo, trazendo como consequência um aumento no preço dos alimentos. Coloque-se ainda neste grosso e denso caldo o aumento no preço dos combustíveis.

Em meio a tudo isso, novas manifestações foram realizadas contra o presidente Jair Bolsonaro, neste sábado, 02, em diversas cidades brasileiras. Houve protestos em todas as 26 capitais e no Distrito Federal. Entre as bandeiras levantadas e discursos feitos durante os protestos estavam o impeachment do presidente, as medidas de combate a pandemia. A inflação alta, o preço dos combustíveis, e a fome também entraram na lista de protestos deste sábado. 


0 Comments

Postar um comentário

Copyright © 2009 Cottidianos All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates