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Macabros carnavais

Posted by Cottidianos on 00:52

Quarta-feira, 17 de fevereiro

 

É aquela que fere

Que virá mais tranquila

Com a fome do povo

Com pedaços da vida

Como a dura semente

Que se prende no fogo

De toda multidão

(A Terceira Lâmina – Zé Ramalho)



Boate lotada em Vidigal, RJ

 

Imagine que você está andando pelas ruas da cidade e, de repente, em uma esquina qualquer, surge um assaltante, aponta uma arma para sua cabeça e lhe diz em tom furioso:

— Passe tudo o que você tem.

Claro, você, contrariado, e amedrontado, entrega tudo o que tem para evitar o mal maior, afinal, mais importante que todos os pertences que esteja carregando naquele momento, a coisa mais importante que você possui é seu bem maior: a vida. O resto? Bem, do resto, do que foi levado, se cuida depois, até se pode adquirir outros pertences mais e melhores.

Pois bem, saíamos do nível individual e vamos para o coletivo.

A humanidade andava bem tranquila pelas esquinas do mundo, e de repente foi surpreendida por ameaçadora voz:

— Passe tudo o que você tem.

E lá se fomos nós a entregar nossa liberdade de ir vir, nosso desejo de estar com as pessoas que amamos e que nos amam também. Ficamos sem poder abraçar, beijar, dar carinho. Trancamo-nos dentro de casa. A casa passou a ser quartel general.

De repente, só nos restou os olhos para que pudéssemos ler a alma das pessoas, uma vez que o sorriso esteve escondido pelas máscaras de proteção.

O coronavírus também roubou empregos e vidas.

Também este vírus terrível roubou-nos a explosão de alegria que é a festa carnavalesca. A cartase que se via todo ano pelas ruas do Brasil, silenciou. Não houve a apoteose das escolas de samba da Marques de Sapucaí, com todo o seu luxo e beleza. Os blocos de rua que empolgavam e arrastavam foliões pelas ruas do Brasil afora ficaram mudos, parados extáticos.

O eletrizante carnaval de Salvador com seus frenéticos trios elétricos estava triste, chorando em algum lugar da praça Castro Alves. Muito menos desfilaram os bonecos gigantes pelas ruas tomadas de frevos e do fervor dos foliões, em Recife, capital do frevo.

Este ano foi tudo diferente. Não teve carnaval. Os dias que teriam sido de muita folia se os tempos fossem os de outrora foram dias normais como quaisquer outros com as pessoas indo e vindo de seus trabalhos.

É compreensível o poder público ter suprimido o feriado de carnaval e proibido as festas públicas cheias de aglomeração. Afinal, como todos estão cansadíssimos de saber, estamos em meio a uma pandemia que já deixou por toda a parte danos físicos e materiais.

É compreensível que muita gente tenha preferido festejar entre os familiares dentro de casa, com as pessoas que habitam naquela residência. Também é compreensível que os artistas tenham, feitos suas lives transmitidas através das ondas da Internet. A rainha da música baiana, a brasileiríssima, Ivete Sangalo, contava ontem, 16,  pela manhã, a Ana Maria Braga, no programa Mais Você, que para ela esses foram dias bem tristes. Certamente não apenas para Ivete estes dias foram sentidos dessa forma, mas, para toda a classe artística, acostumada com a bajulação dos fãs e com a grande energia que envolve os bailes carnavalescos sejam eles em clubes, ruas, ou avenidas.

Porém, as coisas funcionaram desse jeito para as pessoas com senso de coletividade e de amor à própria vida. Gente que tem a capacidade de ver uma realidade que se descortina em seu horizonte e que seja por princípios morais e éticos, ou até mesmo por necessidade, resolve agir em conformidade com ela

Entretanto, para os filhos e adeptos da deusa grega Hedonê, não existe essa coisa de se preocupar com o bem comum, nem o cuidado com o outros, nem a percepção de que somos todos elos de uma mesma corrente, e que se um elo estiver doente, ou frágil, ou com defeito, ele será capaz de fazer desabar uma estrutura inteira. Aos filhos dessa deusa uma coisa apenas interessa: o prazer.

Filha de Eros e Psique, para Hedonê o ideal era levar uma vida prazerosa. Todo ser aspira a uma vida de prazeres e recompensas. Todo nós estamos constantemente lidando e experimentando essa questão. É inerente ao ser humano.

O dilema surge quando a questão do prazer é tratada sob a perspectiva do hedonismo. Nessa doutrina ou filosofia de vida, o prazer é encarado como finalidade única da vida humana.

Para os filhos de Hedonê não é o senso de pertencimento a coletividade, a busca do bem estar de si e dos outros que move a busca da felicidade. Para eles, o motor, a mola propulsora dessa busca é o prazer pelo prazer.

E os hedonistas, mesmo sem saber de sua filiação materna, proporcionaram cenas de arrepiar os cabelos neste carnaval, assim como já haviam protagonizado essas cenas semelhantes por ocasião das festividades de Natal e Ano Novo, quando multidões, desrespeitando o apelo das autoridades para que permanecessem em suas casas, evitando, dessa forma, aglomerações, a fim de frear a transmissão do vírus, novamente, invadiram as praias, e se fartaram, e se banquetearam em escandalosas festas clandestinas, sem a menor preocupação com regras sanitárias, nem muito menos com uma ameaça perigosa chamada: coronavírus.

Do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, apesar da proibição por parte de poder público de festas e aglomeração, o que se viu foi, justamente, muita gente reunida em praias e nas tais festas clandestinas.

No dia 05 deste mês, a região da praia de Capão da Canoa, litoral norte do RS, foi colocada na fase de bandeira vermelha. Apesar disso, o que se viu em Capão da Canoa, neste carnaval foram dezenas de pessoas aglomeradas, sem a menor preocupação com o uso de máscaras, imagina então álcool gel. Com os bares fechados, cada qual levava sua própria bebida. Os jovens bebiam e dançavam na beira do mar totalmente alheios ao fato de a cidade apresentar 4 mil casos de Covid-19, 77 mortes, e de os leitos de UTI estarem, na sexta-feira, 12, com uma lotação de 81,8%.  

Saindo do Rio Grande do Sul para o Rio Grande do Norte, também lá teve aglomeração. Na famosa praia de Pipa, cidade onde inexistem leitos de UTIs, uma multidão desfilava pelas ruas estreitas, sem mascaras de proteção.

As pessoas, principalmente em Pipa, não querem usar a máscara. Pipa nos causa estranheza pela falta de empatia e civilidade das pessoas. Há falta de educação mesmo. Uma aglomeração muito grande e uma falta de respeito, empatia e preocupação com o próximo”, disse o porta-voz da PM, tenente-coronel Eduardo Franco.

O trabalho da PM em meio a toda essa falta de empatia, é como “enxugar gelo”, expressão usada pelos agentes da PM de Pipa. “Elas colocam na nossa frente e quando dão as costas retiram”, disse um deles em relação ao pedido para que as pessoas usem máscaras.

No Sudeste, o Rio de Janeiro também foi palco de aglomerações e festas clandestinas. Também lá era como se a pandemia não existisse. As festas atravessavam a madrugada e só terminavam com dia claro. Todas elas regadas a muita bebida e nenhuma preocupação com medidas sanitárias.

Chamou, particularmente, a atenção uma festa no Vidigal. Imagens feitas pelo Globocop, helicóptero usado pela Globo para sobrevoar a cidade em suas reportagens, mostrou uma boate com três andares, superlotados. Do alto, a impressão que dava eram de que as pessoas estavam espremidas umas contra as outras tamanha era a quantidade de gente que estava na boate.

Autoridades cariocas disseram que não podiam entrar no Vidigal e acabar com a festa porque é uma área dominada pelo tráfico, e era impossível fazer uma intervenção lá sem que houvesse confronto entre traficantes e policiais, o que poderia agravar ainda mais a situação.

Também nas praias cariocas se viu aglomeração e muito desrespeito.

Este blog citou apenas estes poucos casos, mas eles ilustram bem o que aconteceu em todo o país. Digamos que são apenas uma amostra do desrespeito que, mais uma vez, reinou em solo nacional.

É por tudo isso e muito mais que em um relatório produzido pelo Lowy Institute, um centro de estudos baseado em Sidney, Austrália, o Brasil ficou em último lugar no combate a pandemia. A pesquisa avaliou governos de 98 países. No topo da lista, figurando como bons exemplos nessa luta estão Nova Zelândia, Vietnam, Tailândia, e Tawian.

Esses irresponsáveis que ignoram as medidas sanitárias não se dão conta que o país já chegou a marca de 240 mil mortes por coronavírus, e de que estamos próximos de completar um mês sob uma taxa de mortes em 24 horas acima de 1.000. 

Talvez não se deem conta de que a variante P1, surgida no Amazonas, mais perigosa e mais transmissível, já começa a circular, ainda de maneira discreta, por todo o território nacional.

É por essas e outras também que especialistas dizem que o Brasil pode ter uma terceira onda da doença ainda pior do que a primeira e a segunda. Ou seja, o que está ruim, pode ainda ficar pior.

Se o nosso processo de vacinação estivesse andando rápido ainda poderíamos respirar um pouco mais tranquilos, mas a vacinação por aqui, apesar de estar acontecendo, está andando a passos de tartaruga. Tudo isso, em grande parte, devido um ministro da Saúde sem a menor competência para o cargo, e um presidente negacionista que quer empurrar garganta abaixo dos brasileiros, remédios sem nenhuma eficácia comprovada contra o coronavírus.

Por falar nele, esse filho ilustre de Hedonê, esteve, neste carnaval, novamente, provocando aglomerações. Está em São Francisco do Sul com a família aproveitando para descansar um pouco. Ele não está preocupado com essa coisa toda de pandemia, nem muito menos com transmissão de vírus.

Foi lá que ele voltou a atacar a imprensa e disse que “O certo é tirar de circulação, não vou fazer isso porque eu sou um democrata, Globo, Folha de S.Paulo, Estadão, Antagonista… que são fábricas de fake news”.

Os veículos de imprensa, principalmente, os citados pelo presidente são muito perigosos. Os jornalistas que trabalham nas mídias que criticam o governo são subversivos, pois eles fazem um sério trabalho sério de investigação, e mostram a verdade podre que se esconde nos corredores de Brasilía.  

O presidente acabou com a Lava Jato. Agora os esquemas de corrupção nas estatais podem continuar agindo com tranquilidade. Resta acabar com essa imprensa incomoda, que denúncia.

É mais um filho de Hedonê, e como tal busca o prazer como finalidade única da vida. Aonde ele está nos momentos mais críticos da pandemia? Andando de moto, de barco, pescando, ou em alguma atividade lúdica.

Alguma preocupação com o combate à pandemia? Pra que, não é? Afinal, todos vão morrer um dia. Por isso, para ele, a palavra de ordem é sabotar: Sabotar o combate à pandemia, sabotar o trabalho dos governadores, sabotar a vacina, sabotar o meio ambiente, a cultura, a educação, e o que mais encontrar pela frente.  

 


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