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Arraia miúda

Posted by Cottidianos on 23:56

 Domingo, 21 de fevereiro


Deputado Federal Daniel Oliveira

Em briga de peixe grande, arraia miúda cai fora”.

Quem fala demais, dá bom dia a cavalo”.

Início a postagem de hoje com esses dois ditos populares para falar do caso do deputado Daniel Silveira, cuja prisão em flagrante, noite de terça-feira, 16, tem tido repercussão na imprensa e provocado muitos debates. A ordem de prisão foi dada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moares. A reação do ministro veio depois de assistir a um vídeo publicado nas redes sociais pelo deputado e que continha fortes acusações e até mesmo ameaças contra os ministros do STF.

O vídeo publicado por Daniel Silveira excede todos os limites da liberdade de expressão, e passa para o nível da ofensa pessoal. Com palavras de baixo calão e em tom de ameaça, o deputado ofende a honra dos ministros, além de atacar também os pilares da democracia. No vídeo, ele defende a cassação dos magistrados e a volta do AI-5, um dos atos mais violentos e repressivos do regime militar.

As palavras de Silveira contra os ministros do Supremo são tão odiosas que ele diz até mesmo que imaginou Fachin e todos os ministros levando uma surra: “Eu quero saber o que você vai fazer com os generais… os homenzinhos de botão dourado, você lembra? Eu sei que você lembra, ato institucional nº 5, de um total de 17 atos institucionais, você lembra, você era militante do PT, Partido Comunista, da Aliança Comunista do Brasil… O que acontece, Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de PALAVRÃO que tu tem, essa cara de vagabundo... várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte… quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra… Que que você vai falar? que eu tô fomentando a violência? Não… eu só imaginei… ainda que eu premeditasse, não seria crime, você sabe que não seria crime… você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível…. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime”, diz o deputado em um trecho do vídeo.

O vídeo tem a duração de dezenove minutos e todo ele tem o mesmo teor do trecho destacado acima. Posteriormente, a rede social retirou do ar o vídeo.

O ordem de prisão foi dada monocraticamente por Alexandre de Moraes, mas no dia seguinte a decisão foi submetida em plenário para apreciação dos demais ministros do STF sobre se manteriam ou não a prisão de Daniel Silveira. O resultado foi que os onze ministros votaram por unanimidade para a manutenção da prisão do deputado. A decisão final, porém, seria da Câmara dos Deputados. Era o plenário da Câmara que decidiria se o deputado continuaria preso ou não.

A batata quente foi então para a mão dos deputados. E a Câmara decidiu por 364 votos a favor pela manutenção da prisão dele, 130 contra, e 3 abstenções. Por lá ninguém quis derrubar uma decisão unânime do STF, nem criar ainda mais conflito numa relação que já vem desgastada desde que os grupos bolsonaristas se voltaram contra o STF e contra as instituições democráticas. Desde então tem sido constantes os ataques verbais ao STF e seus ministros.

O ódio nunca é remédio para mal nenhum. Ao contrário, ele aprofunda as diferenças e bloqueia o diálogo. Além de ter ameaçar os regimes democráticos os discursos de ódio ainda podem desaguar na violência física. Foi o que vimos recentemente ao olharmos para os Estados Unidos quando o ex-presidente, Donald Trump incitou seus seguidores a acreditar, sem provas, que as eleições realizadas em clima de absoluta lisura tivessem sido fraudadas, e depois os inflamou a marcharem para o Capitólio, onde fomos testemunhas daquelas cenas horríveis e vergonhosas que se seguiram. É preciso, portanto, cortar pela raiz esse mal.

O deputado Daniel Silveira, em vários momentos de sua defesa, invocou a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar. Ora, liberdade de expressão está mais relacionada à discussão e o debate das ideias, do que com a ameaças e impropérios. Isso não é liberdade de expressão, é crime. De outro lado, a imunidade parlamentar não pode dar ao deputado o direito de lutar contra o ideal democrático sob o qual ele se elegeu e ao qual jurou defender. Seria um contrassenso se fizesse o contrário, e muito mais que contrassenso, um crime.

E que motivos foram esses que levaram Daniel Silveira a achar que era o rei do radicalismo de extrema direita e a fazer um discurso tão exaltado contra os ministros do Supremo?

O fato que gerou discurso tão odioso tem sua origem ainda em abril de 2018. Naquela ocasião, o STF julgava um habeas corpus do presidente Lula. O ministro Luiz Edson Fachin era o relator do caso. Em 03 de abril daquele ano, o general Villas Boas publicava no Twiter, um post em que dizia que o exército compartilhava o “repúdio à impunidade.  Dizia a postagem:

Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?

General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) April 3, 2018.

A sessão de julgamento foi longa. Durou quase onze horas. Porém, ao final, por 6 votos a 5, os ministros do STF rejeitaram o pedido da defesa de Lula de que ele não fosse preso antes que recursos em outras instâncias da justiça fossem analisados. Lula foi preso, pois já havia sido condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro. Esse é um resumo do fato.

No dia 11 de fevereiro deste mês, o Estadão trouxe uma reportagem em que mostrava que no livro, General Villas Bôas: Conversa Com O Comandante, de Celso de Castro, o general Villas Boas revelou que aquela postagem no Twiter, feita em 2018, havia sido planejada com o alto comando das Forças Armadas.

Apesar da postagem trazer em si um significado de pressão sobre os ministros do STF, pelo que se tem notícia, nenhum deles se posicionou publicamente em relação a ela naquele momento. Houve um certo silêncio em relação a isso, como se o STF não pretendesse esticar a discussão.

Entretanto ao ficar sabendo das revelações de Villas Boas no livro, no dia 15 de fevereiro, Fachin se pronunciou publicamente sobre o assunto. Disse que era ‘intolerável’ e ‘inaceitável’ qualquer tipo de pressão contra o Judiciário, e disse ainda que “A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima, e atenta contra a ordem institucional. E ao Supremo Tribunal Federal, cabe a guarda da Constituição”.

 No mesmo dia, Daniel Silveira vai ao Twiter, e escreve:

Não Fachin! Intolerável e inaceitável não são as pressões sobre o judiciário. Intolerável e inaceitável é que marginais da lei componham a suprema corte. Intolerável e inaceitável é que você esteja nesta corte.

Isso sim é intolerável, isso sim é inaceitável. — Daniel Silveira (@danielPMERJ) February 15, 2021

Comprando assim, uma briga que não era dele.

No dia seguinte, 16 de fevereiro, Villas Boas também vai ao Twiter e ironiza a reação de Fachin: “Três anos depois”, escreve ele. Gilmar Mendes também entra na briga, e escreve na rede social: “A harmonia institucional e o respeito à separação dos Poderes são valores fundamentais da nossa República. Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!

No mesmo dia 16, não tendo o Brasil assuntos gravíssimos como a questão do descontrole da pandemia do coroanavírus, surgimento de novas variantes, a questão do auxílio emergencial, a questão da vacina, ou seja, não tendo mais o que preocupar o deputado Daniel Silveira, eis que ele vai novamente às redes socais e grava o vídeo em que ofende os ministros do STF, ameaça à democracia, envergonha a Câmara dos Deputados, e a maioria do povo brasileiro que não aderiu ao discurso de ódio da extrema direita.

Como vimos o vídeo provocou a prisão do deputado e pode também lhe custar o mandato, uma vez que foi aberto contra ele um processo no Conselho e Ética da Câmara. O problema é que os processos naquele órgão do parlamento andam iguais tartarugas na areia da praia: bem devagarzinho, mas tão devagar que a gente nem percebe que eles elas estão andando. Talvez o processo de Daniel Silveira ande mais rápido pois é preciso dar uma resposta ao STF, mas vamos ver o andar da carruagem.

É possível também que o deputado seja expulso do PSL, partido ao qual pertence.

Ou seja, se meteu em briga de peixe grande, e deu bom dia a cavalo.

Se tivesse ficado quieto, as ironias entre STF e militares não teriam passado disso. Apenas uma poeira que levantou e baixou e nada mais. Bem feito para o deputado que provocou todo esse imbróglio entre Legislativo e Judiciário. Bom mesmo que perca o mandato, assim talvez aprenda a lição.

Ainda sobre o deputado, vale dizer que ele é de uma arrogância extrema. Ele é um ferrenho defensor do não uso da máscara de proteção contra o coronavírus. O deputado chama o instrumento de “focinheira ideológica”.

No dia 26 de janeiro, ele estava no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos.  Embarcaria em um voo da companhia aérea Gol. Como se recusava a usar máscara de proteção, item obrigatório a todo passageiro, a companhia aérea o impediu de pegar o voo.

Agora, por ocasião de sua prisão, o deputado protagonizou mais um desses ridículos episódios. Aconteceu quando ele foi levado ao IML para fazer os exames de corpo de delito.

O deputado chegou ao local sem máscara. Mas um funcionário lhe entrega uma, e ele respondeu que tinha “dispensa” de usar o equipamento. Uma funcionária do IML então exige que ele use a máscara.

Segue trecho desse dialogo extraído do site Globo.com:

“Não existe dispensa”, diz ela.

“Não existe? Não? Eu faço o quê? Rasgo?”, rebate o parlamentar. “A senhora não manda em mim não”.

Silveira caminha pelo local e volta a se dirigir a ela.

“Meu irmão, a pior coisa é militante petista. Militante petista é um c*****. Reconhece e fala, “Pô, agora eu vou fazer meu espetáculo’. Não está falando com vagabundo não”.

A mulher volta a dizer que, dentro das dependências da Polícia Civil, ele precisa usar máscara.

“E se eu não quiser botar?”, ele responde. “Se a senhora falar mais uma vez, eu não boto”, diz o deputado, que é acalmado pelo homem de distintivo. “Se a senhora falar mais uma vez eu tiro essa p***. Respeita que não está falando com vagabundo, não. Não fala mais não que eu não vou usar. A senhora é policial eu também sou polícia e aí. Eu sou deputado federal e aí?”, diz Silveira.

Novamente, o homem de distintivo tenta acalmá-lo: “Deputado, deputado”.

“A senhora acha que eu não conheço a p*** da lei não? Folgada para c****”.

Após a discussão, o deputado federal é encaminhado para uma sala, para aonde vai usando a máscara, mas ao chegar ao local, as imagens mostram ele com o nariz descoberto.

Na sala, quem filma conversa com Daniel e pergunta antes de parar de gravar: “Encerrar aqui?”.

O deputado responde: “Encerra aí”.

Chamou a atenção nesse episódio todo envolvendo o deputado bolsonarista, Daniel Silveira, o silêncio do Palácio do Planalto, e do presidente, Jair Bolsonaro, em relação a um assunto tão importante como a prisão de um aliado.

Porém, Daniel foi esquecido pelo presidente, em primeiríssimo lugar porque não é parte do clã Bolsonaro. Se a reação do ministro Alexandre de Moraes tivesse sido dirigida, em vez de Daniel, a algum de seus filhos, o presidente teria virado a República do avesso, e teria se envolvido de corpo e alma no caso.

O segundo motivo vem na esteira do primeiro: Daniel Silveira é apenas um aliado, e aliados, para o presidente, são tão descartáveis quanto um destes copos plásticos que usamos para beber água: nos servem naquele momento, depois tem destino certo: o lixo. Que o digam o falecido Gustavo Bebiano, Regina Duarte, e Sérgio Moro.

Em terceiro lugar, talvez mais importante nesse caso, o presidente estava aproveitando a ocasião para “passar a boiada”, dessa vez interferindo na Petrobras.


O presidente passou dias criticando a política de preços da estatal. Na verdade, estava igual cobra venenosa: preparando o bote. Na noite de sexta-feira, o presidente anunciou a troca no comando da Petrobras: sai Roberto Castello Branco, e entra o general da reserva Joaquim da Silva e Luna. Ex-ministro da Defesa e atual diretor-geral da hidrelétrica Itaipu Binacional. A indicação do presidente ainda precisa ser chancelada pelo conselho de administração da estatal.

O mercado financeiro ficou de cabelos em pé e com a pulga atrás da orelha com a indicação de um general para presidir a empresa. O temor deles é que o presidente venha a interferir na estatal com a finalidade de segurar a alta dos preços do diesel para acalmar a categoria dos caminhoneiros que, dias atrás, já ameaçaram e iniciaram uma greve que não teve sucesso.

Após as intenções do presidente de interferir na estatal, a empresa perdeu R$ 28 bilhões em valor de mercado. E, dizem os especialistas, o país pode pagar um preço muito alto a longo prazo.  Aguardemos para ver como vai reagir o mercado com a abertura dos negócios nesta segunda.

A Petrobras entra em uma posição complicada. Não vale a pena investir em ações da empresa até ter uma clareza maior em relação a como seria uma gestão do general Silva Luna e até que ponto o Governo seguirá intervindo”, disse Thiago de Aragão, da consultoria de risco político da Arko Advice.

E assim, uma a uma, as máscaras do presidente vão caindo. Ele prometeu acabar com a corrupção, mas ao contrário, acabou foi com a força tarefa da Lava-Jato, operação marco no combate à corrupção, prometeu também uma agenda liberal, mas vai cada mais se distanciando dela.

O temor dos agentes financeiros se justifica pois, recentemente, no governo de Dilma Rousseff, também se praticou uma política de preços na Petrobras, que não andava de acordo com a flutuação dos preços de mercado internacional, e deu no que deu. Segundo reportagem publicada no site da revista Exame neste dia 21 de fevereiro, quando a presidente Dilma Rousseff enveredou por esse caminho pelo o presidente Bolsonaro também está querendo ir, a contenção de preços levou a uma “perda de R$ 100 bilhões. O cálculo inclui o que a companhia deixou de ganhar e o que gastou a mais em despesa financeira, fruto da ausência de paridade do combustível com os preços internacionais. A petroleira, na ocasião, mantinha o preço da gasolina quase congelado como forma de segurar a inflação, enquanto seu endividamento pesava cada dia mais, uma vez que era, em sua maior parte, em moeda estrangeira”.

Outra medida que não foi vista com bons olhos pelos investidores foi a decisão do presidente, anunciada na quinta-feira, 18, durante uma live, foi a isenção de qualquer imposto federal sobre o diesel. A medida começará a valer a partir de 1o de março. PIS, Cofins, e Cide, são os impostos federais que incidem sobre o diesel.

Nesse caso, a preocupação dos investidores é o impacto bilionário que essa isenção de impostos sobre o diesel causa nas contas do governo, contas essas que já estão cambaleantes. Jair Bolsonaro, não entrou em detalhes de qual o impacto dessas medidas nas contas públicas nem como esse prejuízo será compensado.

O presidente, nos arroubos de querer agradar uma categoria, corre o risco de jogar o país inteiro num abismo de incertezas. E, nesse caso, como diz o ditado popular: a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, que nesse caso, são os governados.

O engraçado nisso tudo, ou trágico, não sei, é que o ministro Paulo Guedes que entrou para o governo como a promessa de que seria o homem que cumpriria essa agenda liberal, de não intervenção do governo nas estatais, e que, em diversas ocasiões, foi apontado pelo presidente Jair Bolsonaro como o posto Ipiranga na área econômica, ou seja, aquele que tem todas as soluções para todos os problemas, hoje permanece apenas como figura decorativa no governo.  A própria demissão de Castello Branco da presidência da Petrobras é motivo de constrangimento para Paulo Guedes: Castello é homem de confiança e muito próximo de Guedes.

Em várias ocasiões, e sempre que pode, o presidente repete seu mantra: “Quem manda sou eu”. Então, seguindo essa linha de raciocínio, podemos até dizer que não existe equipe de governo: existe apenas o Bolsonaro, e como ele parece não se importar muito com os rumos do país, mas apenas com sua família e com seu mesquinho projeto de poder, então só nos resta pedir que tenha Deus tenha piedade de nós.

E olhem que, emoldurando todo esse quadro, todas essas mesquinharias e discursos de ódio, ainda temos entre nós, e pairando sobre nós, uma pandemia que já vitimou mais de 45.000 pessoas, novas variantes do coronavírus mais transmissíveis, um ministro da Saúde incompetente, e uma campanha de vacinação que carece de planejamento e que anda mais devagar que tartaruga.

É muita arraia miúda nesse mar. Quem tem o coração cheio de ódio, arrogância, e mesquinharias, pode até ocupar posto de peixe grande, viver como peixe grande, agir como peixe grande, mas no fundo no fundo, será sempre uma arraia miúda. Isso serve, não apenas para o deputado Daniel Silveira, mas para muita gente Brasil afora.


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