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O ano do coronavírus e seu legado

Posted by Cottidianos on 23:39

Terça-feira, 05 de janeiro

Praia de Copacabana, manhã de quarta-feira, 1 de janeiro de 2020


Escandalosas!

Não tem outra palavra para classificar a aglomeração que se formou nas praias brasileiras neste fim de ano. Parecia que vivíamos ainda em um tempo em que não havia pandemia, em que o coronavirus não existia.

A maioria sem máscaras, zero de distanciamento social, estavam abertamente flertando com o perigo. Realmente, espantoso.

Claro, que tudo isso tem um preço e ele pode ser muito alto para os brasileiros, e a fatura poderá ser cobrada já a partir desse mês de janeiro.

Também o aprendiz de presidente foi à praia, e imagina o que ele fez? Provocou aglomeração, como sempre faz. Ele é um dos seres para os quais, o vírus não existe. Segundo ele, isso é invenção da mídia. Opiniões como essa também são de arrepiar. É inacreditável que alguém acredite numa insanidade dessas. E pior de tudo é que tem muita gente que acredita. É de se perguntar, e até mesmo de se fazer um estudo sobre onde foi parar a inteligência e o bom senso dessas pessoas. Fica a dica para os acadêmicos.

Já bem perto de o Brasil atingir a triste marca dos 200 mil mortos pela doença, o aprendiz de presidente ainda se dá ao luxo de fazer piada sobre um dos itens de proteção essencial indicado pelas autoridades da saúde: a máscara.

Quando questionado sobre o não uso da máscara durante sua estada na praia, Bolsonaro fez piada. “Sabia que o tio estava na praia nadando de máscara? Mergulhei de máscara também para não pegar Covid nos peixinhos”.

Nesta terça-feira pela manhã, Bolsonaro, respondendo a um apoiador, disse que o Brasil estava quebrado, e que ele não conseguia fazer nada. E, de quebra, atacou a imprensa, dizendo que o vírus foi potencializado pela mídia sem caráter que há no Brasil.

Uma boa resposta a mais essa asneira dita presidente foi dada por William Bonner, apresentador do Jornal Nacional, ao mostrar a notícia o apresentador comentou ao final: “Os números oficiais das secretarias estaduais de Saúde mostram que o vírus a que se refere o presidente Jair Bolsonaro está se espalhando a taxas maiores desde dezembro. Esse vírus contaminou quase 8 milhões de pessoas no país todo e levou luto às famílias e aos amigos de mais de 197 mil cidadãos brasileiros”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, criticou a declaração de presidente: “É grave e desalentador porque você olha para os próximos dois anos sem entender o projeto de país que ele [Bolsonaro] tem. Desde o fim de 2019 e durante a pandemia, a mensagem do presidente se pareceu mais com a do deputado que representa corporações do que com a do presidente que representa o estado”, disse ele ao blog da jornalista Natuza Nery. E acrescentou: “Primeiro, o Brasil não está quebrado. Segundo, um governo que não tem projeto de país não tem condição de apontar os caminhos para solucionar os nossos problemas”.

Economistas também criticaram a declaração do presidente.

O fato é que o ano da pandemia nos causou, e continua causando a todos nós, de todas as partes do mundo, inúmeros problemas. Porém alguma lição você deve ter tirado de tudo isso. Não é possível que alguém tenha passado incólume por este ano da peste, sem alguma reflexão, sem mudanças de hábitos e atitudes.

O coranavírus chegou em 2020 e deixou um legado trágico. E não falo do número de contagiados e mortos pela doença, nem do sobrecarrego que provocou no sistema de saúde. Isso é óbvio. Fala-se disso a todo instante na mídia.

Falo do triste legado econômico que a peste deixará nessa área. Um legado que pode jogar bilhões de pessoas na mais extrema pobreza. Obviamente, as nações mais ricas se recuperarão mais rápido desse golpe. Já as nações mais pobres e com menos recursos, sofrerão mais os efeitos de todo esse caos.

Para complementar esse texto, deixo, até como forma de reflexão, um excelente análise sobre o ano do coronavírus e o legado que ele deixa. O texto foi traduzido de um artigo da revista VOA (Voice of America), uma publicação destinada a estudantes da língua inglesa.

O texto, cujo título é O ano do coronavíruse seu legado,  foi escrito pelo jornalista Jamie Dettmer, e publicado no último dia do ano de 2020. 

Que o leitor viaje com ele nos questionamentos que faz no texto e tire suas próprias conclusões sobre o momento atual tão conturbado em que vivemos.

 

***



 O ano do coronavírus e seu legado

 

Jamie Dettmer

31 de dezembro, 2020

 

Retornaremos ao normal?

É a pergunta que está feita em todo o mundo enquanto o triste ano de 2020 se transforma em 2021.

E há várias perguntas adicionais.

As vacinas contra o coronavírus são eficazes? Quanto tempo durará a imunidade? Um número suficiente será vacinado para permitir a eliminação do vírus? O vírus sofrerá mutação mudando sua forma genética, forçando os cientistas a lutar para recuperar o atraso?

E mesmo que o vírus seja eliminado, as repercussões políticas, sociais, e econômicas de longo prazo da pandemia significam que a vida nunca voltará ao normal? Por outro lado, deveríamos apenas querer uma retomada do status quo?

O mundo estava fora de si mesmo antes do coronavírus virar tudo de cabeça para baixo.

Com a crise financeira de 2008/2009, as ordens políticas estabelecidas já estavam já estavam sendo perturbadas pelo aumento do populismo.

Escrevendo em seu livro pré-coronavírus, Age or Anger: A history of the Present (Tempo de Raiva Uma história do presente), o ensaísta indiano, Pankaj Mishra, argumentou que muitas pessoas se sentiam impotentes perdendo a fé nas autoridades políticas tradicionais para protegê-las ou em sua capacidade de restaurar a previsibilidade tranquilizadora.

O ressentimento crescia com as distribuições cada vez mais desiguais de riqueza e poder. Os “esquecidos” queriam um novo acordo. E a ascensão de novos poderes também estava começando a abalar o status quo, reacendendo velhos ressentimentos e desencadeando novos conflitos.

Tudo isso veio antes do mortal vírus para testar os governos, adicionando ainda mais imprevisibilidade e suspeita. E agora, a crise de saúde pública transformou-se em uma hidra multifacetada de perturbações interligadas.

Dezenas de milhões de pessoas perderam seus empregos. E quando o completo tsunami de repercussões econômicas chegar, dizem os economistas, as fileiras dos desempregados vai aumentar. “Embora a vacinação em massa indique o fim da pandemia de Covid-19 no próximo ano, ela não fornece imunidade contra danos econômicos de longo prazo”, diz Stephen Roach, um membro sênior da universidade de Yale e ex-economista chefe do Morgan Stanley, banco de investimento com sede em Nova Iorque. Covid 19 é a doença causada pelo coronavírus.

“Pesquisas recentes sobre o impacto das 19 grandes pandemias que datam do século 14 — cada uma delas com contagem de mortos superiores a 100.000 — destaca a longa sombra da carnificina econômica”, acrescenta ele.

Os governos estão fazendo empréstimos enormes ou escavando as reservas para tentar resistir à pandemia, na esperança de que o crescimento econômico pós pandemia vai se acelerar rapidamente e restaurar o equilíbrio.

No livro clássico do autor italiano Giovanni Boccaccio, O Decamerão, concluído logo após a peste negra do século 14, sete jovens mulheres e três jovens homens, escapam da peste bubônica e se retiram para uma vila fora de Florença. Lá eles narram 100 contos para se ocuparem. O livro termina com o grupo voltando para Florença a fim de retomar a vida que levavam antes da peste.

Mas pandemias e doenças deixam suas marcas, e a história das pandemias sugere que muitos não conseguirão retomar suas vidas pré-contagiosas. Pragas e pestes já reformularam países antes. Elas também podem condenar impérios. De acordo com o historiador americano Timothy Winegard, autor de The Mosquito: A Human History of Our Deadliest Predator (O mosquito: Uma História Humana de Nosso Predador Mais Mortal), publicado no ano passado, uma nova cepa virulenta de malária pode ter contribuído para o declínio da Roma antiga.

Na Inglaterra, os efeitos de longo prazo da Peste Negra medieval foram de longo alcance, de acordo com o historiador Tom James, com “agricultura, religião, economia, e até mesmo classes sociais afetadas. A Grã-Bretanha medieval foi irreversivelmente mudada”, escreveu ele um documentário para a BBC. O mesmo aconteceu com o norte da Itália de Boccaccio.

Analistas e historiadores alertam que a pandemia lançará uma longa sombra econômica. “Mudanças duradouras na maneira como fazemos compras e nos socializamos provavelmente afetarão de modo significativo certos setores”, diz Stephen Machin, diretor do Centro de Desempenho Econômico da London School of Economics. “A incerteza sobre o curso da pandemia significa que a recuperação pode até ser mais lenta. Consequentemente, as cicatrizes econômicas tem um potencial considerável de corte ainda mais profundo”, acrescenta.

A produção econômica mundial será cerca de 7% menor do que seria devido a pandemia, de acordo com as projeções.

As Nações Unidas alertaram que mais de 207 milhões de pessoas podem ser empurradas para a extrema pobreza até 2030, devido ao severo impacto de longo prazo da pandemia, elevando o número para mais de um bilhão.

Outros economistas preveem uma aceleração da tendência pré-coronavírus em direção a uma desglobalização, que por sua vez corre o risco de retardar o crescimento econômico, reduzindo a renda per capita. Mohamed El-Erian, o principal consultor econômico da Allianz, empresa multinacional europeia de serviços financeiros, previu “um impulso geral para  a desglobalização”.

Alguns indivíduos serão mais afetados que outros”, diz Brian Bell, economista do King’s College London. “Os que tem maior probabilidade de ficar desempregados são o jovens, os que tem menos qualificações, os trabalhadores negros e os de baixa remuneração. Semelhantes às recessões anteriores, a crise do Covid-19 tem potencial para marcar um grande número de pessoas, a maioria delas já em situação precária”, acrescenta.

Da mesma forma, são as economias mais vulneráveis e mais pobres que sofrerão mais. Oxford Economics, uma consultoria, diz: “As cicatrizes econômicas gerais de longo prazo serão ligeiramente maiores nos mercados emergentes do que nas economias avançadas”, em parte devido à rigidez do mercado de trabalho, desequilíbrios financeiros e aos limites rígidos que os governos podem oferecer em termos de apoio fiscal aos seus cidadãos e às empresas em dificuldades. Em seus cartões de pontuação, Filipinas, Peru, Colômbia, Malásia, Índia e Argentina estão entre os países que provavelmente sofrerão o pior impacto econômico.

A pandemia levará a alguma melhora?

Otimistas dizem que algo de bom pode resultar do ano da peste, assim como algo de bom também emergiu das pandemias anteriores. Os historiadores dizem que a Peste Negra acelerou o fim do feudalismo, devido ao empobrecimento de muitos aristocratas e proprietários de terras.

Enquanto alguns temes uma polarização política ainda mais profunda, os otimistas observam que a pandemia do coronavírus também viu sinais de maior solidariedade social. Nos Estados Unidos, tem havido uma proliferação de redes de ajuda mútua com pedidos de ajuda e ofertas de assistência através do Facebook e em outros sites de mídia social. Vizinhos e membros das redes de ajuda mútua ajudaram a alimentar famintos, a quem não usa máscaras, e a fazerem compras para idosos e enfermos. Isso pode deixar para trás um apetite mais agudo por ativismo social de base, unindo mais os bairros, dizem os ativistas.

Da mesma forma, os italianos demonstraram um forte senso de solidariedade cívica durante grande parte de 2020. De vilarejos italianos no topo das colinas a cidades grandes, muitos italianos tem se esforçado para ajudar as autoridades municipais a garantir que os idosos e vulneráveis recebam alimentos e atenção. Foram os italianos que lideraram o caminho, enquanto o mundo fechava nos primeiros dias da pandemia, para mostrar seu apoio aos profissionais de saúde, de linha de frente cantando em suas varandas. A performance noturna espontânea e coral inspirou outros europeus a fazer o mesmo.

Legados restantes?

Para muitos funcionários de colarinho branco, a pandemia provocou uma mudança do trabalho de escritório para o trabalho em casa, especialmente em economias avançadas e bem estruturadas. Alguns observadores preveem que a mudança pode ser duradoura e ter benefícios. Os trabalhadores domiciliares tem mais controle sobre seu tempo, permitindo-lhes maior liberdade de decidir quando fazer as tarefas, dando-lhes mais opções de como conciliar trabalho, vida familiar e lazer.

Eles não perdem tempo se deslocando e alguns estudos sugerem que há ganho de produtividade também; embora outros se preocupem com a perda de interação social e digam que os funcionários que trabalham em casa correm o risco de ficarem isolados

A redução do tráfego de passageiros também traz benefícios ambientais e climáticos, reduzindo a pressão sobre a infraestrutura de transporte e os custos, e diminuindo as emissões de gases de efeito estufa, de acordo com a Capital GES, uma consultoria de empregos com sede na Suíça que trabalha em 25 países. Alguns estudos alertaram que os benefícios climáticos podem ser atenuados, no entanto, pelo aumento do aquecimento e  resfriamento das casas.

Os ativistas da ação climática esperam que a pandemia atue como um grande incentivo para repensar a relação entre os humanos e a natureza, dizendo que o coronavírus é um lembrete dramático de que o mundo natural não deve ser dado como certo. Alguns governos afirmam que os planos de recuperação econômica são uma oportunidade única em cada geração de iniciar uma recuperação verde.

Se 2020 nos ensinou alguma coisa, é que não podemos ter pessoas saudáveis sem um planeta saudável”, disse Inger Andersen, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.


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