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A realidade paralela de Jair Bolsonaro

Posted by Cottidianos on 01:47

 Quinta-feira, 24 de setembro




Mais uma vez os poderosos do mundo estiveram reunidos na 75ª Assembleia  Geral da Organização das Nações Unidas, sob o lema: O futuro que queremos. O evento foi online devido à pandemia, e foi realizado na terça-feira, 22.

Mais uma vez, como já é tradição, o Brasil foi o primeiro país a discursar. O que poderia ter sido diferente foi o discurso do presidente, Jair Bolsonaro, que, mais uma vez, inventou uma realidade paralela para explicar os incêndios que devoram as florestas brasileiras e a pandemia, provocada pelo poderoso vírus, batizado pelos cientistas de Covid-19.

Em resumo, Bolsonaro parecia mais estar falando para seu público eleitor que para líderes mundiais de diversos países. Os eleitores do presidente, sim, gostam da realidade parelela que o presidente narra. Líderes mundiais, nem tanto.

Segundo dados divulgados pelo consórcio de imprensa, o Brasil, na data de hoje, 139.065 mortes por coronavírus. Porém, no discurso o presidente quase não menciona essa quantidade absurda de mortos pela pandemia.

A COVID-19 ganhou o centro de todas as atenções ao longo deste ano e, em primeiro lugar, quero lamentar cada morte ocorrida”, diz ele, sem mencionar o número de mortos. Na verdade, ele faz pouco caso dessas vidas perdidas desde o início da pandemia. Lembram do “E daí?”. Ou então do “Eu não sou coveiro”.

Segue o discurso: “Desde o princípio, alertei, em meu País, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente e com a mesma responsabilidade”.

Conversa para boi dormir. Será que alguém acredita nisso, além dele mesmo, e de seus cegos eleitores?

Quem ouviu o presidente, desde o início da pandemia, dizer que o vírus representava uma ameaça e que ele estava preocupado com isso? A contrário, ele sempre minimizou a pandemia, fez pouco caso do coronavírus. “É só uma gripezinha”, dizia ele.

Com a economia, sim, a preocupação era total, sem considerar que as mãos que movem a economia e que fazem ela acontecer são as mãos de trabalhadores, e trabalhadores são humanos, sujeitos a pegar doenças desconhecidas para as quais ainda não remédio e morrer desse mal. Esses trabalhadores, com certeza também não dispõem do aparato médico e de saúde de que o presidente dispõe no caso de contrair a doença, como de fato contraiu.

Além disso, o presidente ainda ironizou as medidas sanitárias tomadas pelas autoridades para conter o avanço da doença. A pandemia estava a todo vapor no país, o número de mortos estava na casa dos mil por dia, e o presidente lá, passeando sem máscara, provocando aglomerações, e participando de atos antidemocráticos.

Quão mais fácil teria sido, quantas mortes teriam sido evitadas, e quanto a economia teria sido menos atingida se ele tivesse dado apoio aos seus ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e depois Nelson Teich? E também se tivesse tido a humildade de ouvir o que a OMS tinha, e tem a dizer?

Nosso governo, de forma arrojada, implementou várias medidas econômicas que evitaram o mal maior:

- Concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1000 dólares para 65 milhões de pessoas, o maior programa de assistência aos mais pobres no Brasil e talvez um dos maiores do mundo;

- Destinou mais de 100 bilhões de dólares para ações de saúde, socorro a pequenas e microempresas, assim como compensou a perda de arrecadação dos estados e municípios.

É verdade que o governo distribuiu auxilio emergencial aos trabalhadores que ficaram sem renda, ato que até ajudou, e muito a alavancar a popularidade do presidente. Mas o presidente talvez tenha exagerado um pouco quando fala de valores gastos em tal iniciativa.

O programa de apoio à micro e pequenas empresas também existe, mas nos Estados Unidos, por exemplo, foi sete vezes maior que aqui o incentivo dado pelo governo às empresas. É verdade também que um número grupo de microempresários ainda permanece sem receber qualquer ajuda do governo.

Quanto a saúde também não é que tenha havido tanto empenho em empregar recursos públicos para deter o vírus. Por exemplo, em julho, o Ministério da Saúde dispunha de uma quantia de R$ 38,9 bilhões, mas apenas haviam saído dos cofres públicos 11, 4 bilhões. Naquele mês o país já contabilizava 55 mil mortos, e 1,2 milhões de casos notificados, mas o ministério havia gastado apenas 29% por cento da verba emergencial. O que aconteceu ali? Falta de gestão?

Ainda em relação a esse assunto, com relação aos indígenas o governo diz que: “Assistiu a mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à COVID

Na verdade, o presidente é um pouco cruel para com o povo indígena. Em julho, por exemplo, ele sancionou com vetos uma lei que previa medidas de proteção ao povo indígena durante a pandemia de coronavírus. Foram barrados pelo Executivo artigos importantes para proteger qualquer pessoa durante uma pandemia, por exemplo, o acesso do povo das aldeias à agua potável, a leitos hospitalares, matériais de higiene, e respiradores. Em agosto, o Congresso derrubou os vetos do presidente.

Também em agosto, uma equipe do Médicos Sem Fronteiras queria ir fazer um trabalho em sete comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul. O governo não autorizou a entrada dos médicos na comunidade. O objetivo dos profissionais de saúde era impedir o avanço do coronavírus entre os povos indígenas.

A Hidroxicloroquina. Essa não podia faltar nesse discurso. Um remédio, segundo a comunidade científica mundial, sem eficácia comprovada nenhuma no combate ao coronavírus. O presidente sempre atuou como garoto propaganda do medicamento. Por que tanto empenho na defesa e na propaganda do remédio? Algum objetivo há nisso tudo. O medicamento foi produzido em grandes quantidades. Alguém lucrou com isso. Não há dúvida.

Meio Ambiente. Uma pedra no sapato do governo. Todos ficaram na expectativa sobre o que diria o presidente nesse tema. E ele falou.

Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.

A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil”.

A Amazônia arde em chamas. O Pantanal também. As altas temperaturas tem contribuído para isso. Porém, grande parte dos focos de incêndio dessas duas joias brasileiras são criminosos. O evento dos incêndios aqui no Brasil dependem mais da mão humana do que da ação da natureza para que ocorram.

Os dois principais órgãos do Meio Ambiente, o Ibama e o ICMBio sofrem nesse governo uma espécie de desmonte. A política governamental não é de combate aos incêndios criminosos e a quem os provoca, mas, sim àqueles que ajudam a combate-los. Essa política às avessas parece perseguir aos profissionais que estão tentando salvar a floresta. Ao invés de o governo reforçar as normas de proteção ambiental, ele as combate.

Isso parece ter ficado bem claro quando, na reunião ministerial de 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu aproveitar o momento em que todos estavam preocupados com o coronavírus para passar a boiada e mudar as regras. “Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”, disse ele.

Depois disso tudo dito, soa irônica a frase do presidente no discurso da ONU quando ele diz: “Somos líderes em conservação de florestas tropicais. Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo”. Na frase, o presidente apenas errou o verbo. Em vez de dizer “somos” ele deveria ter dito “fomos”.

Mas o discurso do presidente ainda pode se tornar mais chocante. Vejam só esse trecho:

Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”.

Ora, todos sabem que os grandes criminosos, aqueles que não querem ver sobrar pedra sobre pedra na floresta, ou melhor, árvore sobre árvore, são os fazendeiros que querem queimar a floresta para fazer dela pasto para seus rebanhos. Notem que o presidente, em nenhum trecho do discurso do discurso se refere a essa gente. A culpa então cai no colo de quem? Do índio e do caboclo.

Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação. Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental”.

Por parte dos ambientalistas não há essa impressão que os incêndios sejam combatidos com o devido rigor e determinação. A política de tolerância zero com o crime ambiental também parece uma falácia.

Em agosto, por exemplo, o Ibama havia preparado uma operação contra o garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Munduruku, na região de Jacareacanga, no Pará. Três helicópteros do órgão ambiental já estavam preparados para decolar da Base da Força Aérea Brasileira, na Serra do Cachimbo, quando foram impedidos. Às vésperas da operação, a coordenação de fiscalização do Ibama recebeu um ofício do Ministério da Defesa cancelando todas as operações na região.

Não poderia faltar ainda no discurso de Bolsonaro, uma reverência, no popular, uma puxada de saco, para aquele a quem Bolsonaro bate continência: o presidente Trump. “O Brasil saúda também o Plano de Paz e Prosperidade lançado pelo Presidente Donald Trump, com uma visão promissora para, após mais de sete décadas de esforços, retomar o caminho da tão desejada solução do conflito israelense-palestino”.

E assim, de incoerência em incoerência nos discursos presidenciais brasileiros à comunidade internacional, a gente vai pagando mico após mico. Os seguidores de Bolsonaro podem engolir tudo o que o presidente Jair Bolsonaro fala. A comunidade internacional, não. E é aí que mora o perigo.


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