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Juntando os cacos: Uma reflexão

Posted by Cottidianos on 01:41
Segunda-feira, 03 de agosto


Em postagem anterior, relatei aos leitores e leitoras, que, ao fazer um passeio de bicicleta, à noite, passando por uma via pouco iluminada, tive um dos pneus da bicicleta furados, para prejuízo do passeio e do meu precioso tempo.
Desde aquele dia, fiquei refletindo sobre o assunto. Sobre como um comportamento egoísta pode prejudicar, e muito, a vida de uma pessoa, ou de muitas pessoas. Sim, porque aquela garrafa quebrada não foi parar ali sozinha, ou por um ato de mágica. O ato requereu a ação humana de jogar o objeto naquele lugar.
Dia de ontem, bela manhã de domingo, estava eu novamente a pedalar, dessa vez em uma movimentada rodovia, pelo menos o era ainda mais antes da pandemia. Já passava do meio dia e eu estava de volta para casa. Eis que, novamente, apareceu uma garrafa de cerveja vazia e quebrada em meu caminho. Dessa vez foi possível desviar. Então, resolvi encostar a bicicleta e apanhar os cacos de vidro jogados, e os depositei ao pé de uma jovem palmeira à beira da rodovia.
Ao olhar para os cacos de vidro na rodovia pensei em outros ciclistas que poderiam passar pelo local e ter os pneus furados, ou mesmo uma moto, ou mesmo algum passante que tivesse os pés feridos pelos cacos.
Façamos desse pequeno acontecimento uma leitura do egoísmo humano. Às vezes a pessoa que lança uma garrafa de cerveja, ou de qualquer outro líquido pelo vidro do automóvel nem se dá conta que esteja prejudicando a vida de alguém. Ela só quer, naquele momento, satisfazer sua necessidade pessoal fazendo da via pública um cesto de lixo. Um porco costume, diga-se de passagem.
Ora, isso não é atitude de uma pessoa civilizada, em uma sociedade civilizada, e sim de um bárbaro.
Por coincidência ouvia naquele momento, através de meu equipamento de MP3, uma entrevista com o professor Carlos Melo, que é chamado ao programa Revista CBN para falar sobre os fatos políticos mais marcantes da semana. O programa é apresentado pela jornalista, Pétrea Chaves, e vai ao ar aos sábados e domingos na rádio CBN.
Tinha baixado um podcast e ouvia um programa exibido no dia 25 de julho no qual ele falava, justamente, dessa questão do comportamento em sociedade.
Ele havia falado de diversos assuntos e, para finalizar, falou da questão do desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ofendeu um agente da Guarda Municipal.
No dia 18 de julho, o desembargado andava pela praia de Santos, litoral paulista, quando foi abordado pelo guarda por estar sem máscara. Em Santos como em diversas outras cidades brasileiras, é obrigatório o uso de máscaras para prevenção ao coronavírus, estando sujeito a multas quem estiver sem ela.
Ao ser abordados pelos agentes da Guarda Civil Metropolitana, além de usar o famoso e indesejado recurso “Você sabe com quem está falando?” o desembargador ainda ofendeu o guarda chamando-o de analfabeto, usou de influência pessoal ao ligar para o Secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel na tentativa de constranger ainda mais o servidor, e, além disso, ainda rasgou a multa que havia recebido e a jogou no chão.
Carlos Melo dizia então que se fosse apenas o desembargador era fácil de resolver. O problema, segundo ele, é se fosse apenas desembargador que protagonizou a lamentável cena, era fácil de resolver. A questão é que não é só o caso dele. “É o caso de grupos sociais que se consideram acima da lei, que se consideram privilegiados”, diz o professor.
O desembargador deveria ter se lembrado que na rua ele é um cidadão como outro qualquer. Naquele momento, a autoridade era o guarda civil. Se estivesse no ambiente do Fórum, aí, sim, ele seria a autoridade.
O problema é que algumas pessoas, alguns grupos ainda acham que estão nos tempos do Brasil colônia quando os senhores de engenho eram quem mandavam e desmandavam, com os métodos nada ortodoxos que usavam.
Continuava o professor Carlos Melo em suas considerações: “O baronato, o senhor do engenho, que não saí da nossa cultura, que diz para as autoridades, que diz para os humildes, que repete aquela frase tão terrível, mas tão comum que é aquele “Você sabe com quem você está falando?”, aquela carteirada. Veja, numa sociedade pouco civilizada, numa sociedade pouco democrática, usa essa expressão: “Você sabe com quem você está falando?
E qual seria a resposta para essa pergunta numa sociedade democrática, numa sociedade moderna? Segundo Carlos Melo a resposta seria devolver a pergunta com outra pergunta: “Quem você pensa que você é?
De modo geral, os prepotentes acham que estão acima do bem e do mal. Pensam que ainda estão nos seus engenhos dando ordens aos seus escravos. E esse comportamento é reproduzido também quando, por exemplo, uma pessoa sem deficiência alguma estaciona o carro na vaga de um deficiente, ou quando fura uma fila.
De acordo com Carlos Melo isso se chama personalismo, e o personalismo diz ele: “É avesso a formação de instituições democráticas. Instituições são acordos, instituições são pactos de iguais. Quando alguém se sente superior, acima dos outros, ele acaba com esse pacto institucional, portanto, ele acaba com a nossa possibilidade de democracia”.
Quem dera que o caso do desembargador fosse um caso isolado, mas, infelizmente, esses casos são recorrentes em nossa sociedade. É preciso que haja punição para esse desembargador, que já possui uma ficha bem suja por ter praticado ações semelhantes ao longo da carreira.
É preciso haver punição para que os indivíduos ou grupos de indivíduos sintam que não podem andar pela sociedade moderna de chicote em punho como se ainda estivessem andando pelos seus engenhos de cana de açúcar de outros tempos. É preciso entender que ninguém está acima da lei.
Se quisermos nos tornar uma sociedade civilizada é preciso juntar esses cacos e nos refazer enquanto sociedade. Isso se quisermos levar o nome de sociedade moderna. É preciso ficar vigilante aos próprios atos para que possamos agir como homens e mulheres civilizados, e não como bárbaros.
Para finalizar cito as preocupações dos alunos do professor Carlos Melo, que também são as indagações de todos nós. Diz ele: “Eu discuto isso muito com meus alunos, e os alunos sempre me perguntam: ‘Mas professor como que a gente faz? Como que a gente resolve isso?’ Invariavelmente tem um papel no chão, tem um copinho de plástico jogado, e eu repito sempre a mesma coisa: “Bom eu não sei, vou começar jogando esse papel no lixo. Eu vou começar jogando esse copinho de plástico no lixo. Eu vou começar fazendo a minha parte. Eu vou começar não reproduzindo esse tipo de comportamento. E aí nós temos que perceber que uma ação coletiva é resultado de alinhamentos individuais, de posturas individuais”.
Resumindo: Pequenos gestos fazem toda a diferença na construção de um mundo melhor.

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