1

Vidas negras importam

Posted by Cottidianos on 01:43
Quarta-feira, 03 de junho

Salve, meus irmãos africanos e lusitanos, 
do outro lado do oceano
O Atlântico é pequeno pra nos separar
Porque o sangue é mais forte que a água do mar
Racismo, preconceito e discriminação em geral
É uma burrice coletiva sem explicação

(Racismo é burrice - Gabriel, O pensador)

Charge/cartoom Junião


Penso que o mundo deve estar girando mais devagar de tão tenso que está o clima em todo o planeta. É coronavírus. É hipocrisia. É medo. É preconceito. Coitado do mundo! Se pudesse se sacudir como um cão raivoso e expulsar de seus pelos todas as pulgas, acho que ele faria isso, sim.
Ao dizer isso, me lembro de um verso de Raul Seixas e Paulo Coelho, na canção, As Aventuras De Raul Seixas Na Cidade De Thor,
Buliram muito com o "praneta",
“O "praneta" como um cachorro eu vejo,
Se ele já não "guenta" mais as pulgas, se livra delas
no "saculejo"!”
Outro verso dessa mesma canção também serve para introduzir os assuntos que seguem:
Tá "rebocado" meu "cumpadi"?
Como os donos do mundo piraram?
Eles já são carrascos e vítimas do próprio mecanismo
que criaram!


É impossível não voltar os olhos para os Estados Unidos da América no presente momento. E não um olhar qualquer, mas um olhar com o coração apertado, e até com lágrimas nos olhos. Não são apenas gritos contra um homem negro morto por um policial branco. É mais que isso. É aquela dor que vem se estendendo por décadas sob camadas de humilhação e preconceito. Daquelas dores que ficam no coração como cinzas de um vulcão que parece extinto e, de repente... Bum... Explode... E libera as larvas da magoa de se ver diminuído por séculos.
E então esse problema já não é mais um problema de negros, mas de brancos, e de toda uma sociedade. É preciso curar essas feridas. É preciso evoluir. Onde está o progresso material se não há um progresso moral? Como avançar e ser o melhor do mundo, se ainda não se resolveu as questões mais básicas do ser humano como, por exemplo, o respeito e a igualdade?
Essa questão do racismo contra o povo negro não é apenas uma questão enraizada na sociedade americana. Questão enraizada. Raiz. Raiz deve ser aquela que dá vida. Que mantém a planta viva. Mas não é esse o caso das duas raízes em questão: racismo e preconceito. Ao contrário das raízes que trazem vigor à planta, à base da sociedade, essas raízes matam. Assassinam sonhos, esperanças, desejos, realizações.
O pior é que essas raízes do mal estão espalhadas por todo o mundo. É comum ver em estádios de futebol de países ditos de primeiro mundo, os atletas sofrerem racismo enquanto exercem a arte do lúdico, que traz alegria aos corações. Mas os gritos de discriminação que se fazem ouvir por parte de alguns torcedores doem bem lá no fundo da alma.


A tragédia que tem incendiado os Estados Unidos e inspirado protestos semelhantes pelo mundo todo aconteceu em Minneapolis.
Um homem negro, George Floyd, 46 anos, morreu na segunda-feira, 25 de maio. Estava detido e algemado por um policial branco. O policial pressiona o joelho contra o pescoço de Floyd. “Não consigo respirar”.
Faço uma pausa nessa narrativa para perguntar ao leitor, leitora, qual a coisa mais importante na vida para uma pessoa? Dinheiro? Amor? Posição social? Viagens? Sonhos? Bens materiais? Força de vontade? Saúde? Vamos, podem elencar mais alguns, se assim o desejarem.
Escolheu sua resposta. Sinto dizer que a coisa mais importante na vida de uma pessoa não é nenhuma das listadas acima. Pode-se viver sem qualquer delas tranquilamente. Na vida tudo se arranja. Para tudo se dar um jeito de tocar o barco.
A coisa mais importante da vida de uma pessoa é o ar que respiramos. É ele que nos traz a vida ao nascermos, e, com essa primeira respiração, quando o ar entra nos pulmões, vem o choro. Ao final da vida, é quando uma pessoa cessa de respirar que se diz que ela morreu. Tente ficar sem ar apenas por alguns segundos. Consegue? Logo bate o desespero, e tudo a que os pulmões almejam, suplicam, imploram, é por um pouco de ar.
Então, dizendo dessa forma, o policial privou Floyd daquilo que ele mais precisava naquele momento: o ar.  Coisa, que de tão preciosa, não se paga por ela em lugar algum do mundo. Tem ar aos montes para todo mundo. Cruel. Crudelíssima a atitude do policial.
O nome dele? Desse assassino cruel disfarçado de policial? Derek Chauvin.  
O fato aconteceu na segunda, 25 de maio, e na sexta-feira, 29, o chefe do Desparamento de Segurança Pública de Minessota, Johns Harrington, anunciou que Derek havia sido preso. Acusado de assassinato em 3o grau, tipificado como homicídio culposo. Diz-se do homicídio culposo que é aquele quando não há intenção de matar.
Foi uma acusação injusta contra Derek. Creio que o leitor irá concordar com essa afirmação. Se uma pessoa passa vários minutos sufocando outra, há nisso uma intenção ou não de matar? É obvio que quando se sabe que, sem o ar, uma pessoa não sobrevive por muito tempo, como então não haverá intenção de matar por parte de quem comete tal ato?
Então, Derek não deveria ter sido acusado de homicídio culposo, mas sim por homicídio doloso, quando há intenção de matar. Espera-se que a justiça americana corriga essa falha com o decorrer do processo.
Desde então os Estados Unidos, de costa a costa, foram tomados por intensas manifestações que nunca mais tinha se visto desde os tempos do grande Martin Luther King. King mudou a sociedade americana com a sua visão de mundo. Espera-se que parte da sociedade americana, especificamente aquela que acredita que uma raça é superior a outra, abra os olhos e entenda que essa atitude não é cristã, nem muito menos humana.
O país avançou muito nessa questão da década de 60 para cá, mas é preciso ainda muito mais mudanças na mentalidade da supremacia branca. É tanto que vez ou outra, acontece com outros negros o mesmo que acontece com Floyd e a pena, quando ela existe para os policias brancos, é muito branda.
Além disso, o preconceito vai muito mais além do que a cor da pele simplesmente. O racismo também está expresso na falta de oportunidades, nos lugares destinados aos negros para habitarem, geralmente, em periferias, onde a estrutura é bem inferior aos bairros brancos.
Minneapolis, em Minessota, por exemplo, é a quarta pior área dos Estados Unidos para negros morarem, e com maiores disparidades entre negros e brancos em vários indicadores sociais.
E estão assim as coisas por lá. Desde o dia 25, os Estados Unidos foram tomados por protestos e manifestações gigantescas. Em meio a tudo isso, um presidente que não está sabendo lidar com a situação. Quem diria que Donald Trump, na sua corrida pela reconquista da cadeira presidencial, iria se deparar com uma questão bem mais delicada e mais enraizada que o coronavírus?
E, ao que parece, os ânimos dos norte-americanos não vão arrefecer assim tão fácil, mesmo sendo estabelecidos toques de recolher, desobedecidos pelos manifestantes, e com o presidente ameaçando colocar o Exército nas ruas para conter os protestos.
Como foi dito acima, a questão racial não é problema apenas dos Estados Unidos, mas de todo o planeta onde tenha povo negro.
Aqui no Brasil não é diferente. Vez ou outra e quase sempre, as manchetes de jornais estampa notícias de policiais que mataram negros de forma covarde. Tipo aquela coisa de atirar primeiro e perguntar depois.
Vidas negras no Brasil também não importam para a polícia.

João Pedro

Recentemente, a polícia atirou em um jovem negro em uma comunidade carioca. Foi no dia 18 de maio, no complexo do Salgueiro. Naquele dia, os policiais foram até o local em busca de criminosos. Cercaram a área pelo solo, e também pelo ar.
Quando começou aquela confusão, João Pedro, um jovem negro, de 14 anos, cheio de sonhos e uma vida inteira pela frente, estava em companhia de outros seis amigos, em casa de um tio dele. Era também um dia segunda-feira, como aconteceu com George Floyd.
De repente, começou o tiroteio. Barulho de helicóptero, policiais na rua, e aquela confusão toda. Obviamente, os jovens, receosos, buscaram fugir do local, em busca de abrigo e proteção. Aliás, como é costumeiro aos moradores dos morros cariocas quando se deparam com essas situações nada agradáveis.
Foi então que o pior aconteceu. Os policiais entraram na casa do tio de João Pedro. Já chegaram atirando. Mais de 70 disparos. Um tiro pelas costas, a parte posterior das costas, na altura das costelas, do lado direito, tirou a vida do jovem João Pedro.
A polícia chegou lá de uma maneira cruel, atirando, jogando granada, sem perguntar quem era. Se eles conhecessem a índole do meu filho, quem era meu filho, não faziam isso. Meu filho é um estudante, um servo de Deus. A vida dele era casa, igreja, escola e jogo no celular”, disse o pai do jovem adolescente em entrevista à imprensa.
Esse foi apenas um dos muitos casos de covardia e operações policiais desastrosas que a imprensa noticia. E os que ficam embaixo do pano? Aqueles que não são noticiados pela imprensa? E que são muitos. Muitas as histórias de preconceito e discriminação que acontecem com os negros, não apenas nos morros cariocas, mas em todo o Brasil.
O problema por aqui é que o racismo é mais cruel, por ser mais brando. As pessoas dizem: Ah, mas eu não sou racista. Não é racista dizendo de boca, mas as atitudes mostram exatamente o contrário. Por aqui o preconceito também se expressa, não apenas pela cor da pele, mas também pela falta de oportunidades, pelo modo de agir das forças policiais, que é diferente dependo do lugar em que estão. Se é em bairro de ricos e brancos o tratamento é um. Se é um bairro de negros e pobres o tratamento é completamente diferente.
Falando desse assunto, não tem como deixar de citar o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo. A Fundação Palmares foi criada para lutar pelos direitos e autoafirmação do povo negro, mas, atualmente tem se desvirtuado muito desse objetivo, melhor dizendo, o tem renegado.
Sérgio de Camargo, que é negro, tem tomados muitas decisões, expressado muitas opiniões que descaracterizam o escopo inicial da Fundação Palmares.
No dia 30 de abril, ele teve uma reunião com assessores. A reunião ocorreu para tratar do desaparecimento do celular corporativo de Camargo. Ao ser cobrado pelo ressarcimento do aparelho, ele muito irritado, disse que o celular tinha desaparecido no período em que ele esteve afastado do cargo por causa de uma decisão judicial.
Ele diz aos assessores que havia deixado e celular numa gaveta, e que alguém havia sumido com aparelho com o intuito de prejudica-lo. Nesse momento ele, mais uma vez ofende o movimento negro e desqualifica o patrono do movimento, Zumbi dos Palmares.
As frases horripilantes citadas abaixo foram ditas por Sérgio Camargo durante a reunião:
Eu exonerei três diretores nossos (...). Qualquer um deles pode ter feito isso. Quem poderia? Alguém que quer me prejudicar, invadir esse prédio para me espancar, invadir com a ajuda de gente daqui... O movimento negro, os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita”.
Esses filhos da puta da esquerda não admitem negros de direita. Vou colocar meta aqui para todos os diretores, cada um entregar um esquerdista. Quem não entregar esquerdista vai sair. É o mínimo que vocês têm que fazer”.
Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que, para mim, era um filho da puta que escravizava pretos. Não tenho que apoiar agenda consciência negra. Aqui não vai ter, vai ter zero da consciência negra. Quando cheguei aqui, tinham eventos até no Amapá, tinha show de pagode no dia da consciência negra”.
É hora mesmo de destruir os muros da intolerância e do preconceito. É hora de dizer não ao racismo brando que impera na sociedade brasileira. É hora de dizer não aos posicionamentos do Sr. Sérgio Camargo. É hora de gritar aos quatro cantos do mundo que sim, VIDAS NEGRAS IMPORTAM.
Chamei o poeta, místico, e louco, Raul Seixas para iniciar esse texto e o chamo novamente para finalizá-lo com mais um verso da canção, As Aventuras De Raul Seixas Na Cidade De Thor:
Tem gente que passa a vida inteira,
Travando a inútil luta com os "galhos",
Sem saber que é lá no tronco que tá o coringa do
Baralho!



1 Comments


Lógico que todas as vidas importam, mas enquanto não aprenderem a respeitar as vidas negras, continuaremos nosso cântico a fim de prestarem atenção sobre o quão mais difícil está sendo para nossa raça!

Postar um comentário

Copyright © 2009 Cottidianos All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates