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Poço das vaidades

Posted by Cottidianos on 00:47
Sábado, 25 de abril


Ah, as panelas! Tão úteis na cozinha para o preparo daquelas gostosuras que o leitor, ou a leitora adora. Mas, de uns anos para cá elas tem servido para anunciar que a comida está queimando ou que algo na cozinha está tremendamente errado. É bom ficar atento aos sinais que elas emitem. Foi assim com a ex-presidente Dilma Rousseff. Dilma não deu ouvidos aos barulhos das panelas que vinha das sacadas dos apartamentos país afora... e caiu.
Está sendo assim com o atual presidente, Jair Bolsonaro. As panelas nas sacadas dos apartamentos país afora estão fazendo tanto barulho... E Bolsonaro parece não estar entendendo o recado. Devia olhar para trás, pois a história ensina muita coisa.
   Ah, ensinar! Ensinar também envolve o aprender... e compreender. Mas nas escola da vida, nem todos tem a velocidade de aprendizado igual. Uns tem agilidade para compreender as coisas. A mente dessas pessoas parece um radar. Estão sempre ligadas. Outras, não. Essas passam a vida a olhar para o próprio umbigo. E dizem: Ah, como meu umbigo é bonito, o mais bonito de todos.
Pessoas assim estão tão ocupadas a olhar para o lindo umbiguinho delas que podem vir pandemias, tempestades, furacões, tornados, tufões, maremotos, terremotos, tsunamis, que elas não estão nem aí. E pensam: isso logo passa. O tornado levando casas pelos ares, e elas dão uma olhada de relance, voltam a olhar para o umbigo, e dizem consigo mesmas: “Oh, é apenas um furacãozinho. Logo passa”.
Para essas pessoas a vida cobrará um preço bem caro. O preço de não terem aprendido nada e passarem pela vida feito ignorantes. Ainda que adquiram dinheiro, fama, e poder não chegam a ser grandes homens. E não chegam a sê-lo primeiro porque sua ignorância cresce sempre mais que eles, os sufoca, e segundo porque, continuando a olhar para o próprio umbigo, olham sempre para baixo. Pobres homens! Mesmo que morem em palácios luxuosos, haverá sempre muita pobreza em suas cidadelas interiores.
Ontem (24) teve discurso do ex-juiz, e ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro. O ex-juiz saiu do governo, mas jogou m... no ventilador, como diz o ditado. E ela está cheirando mal até agora.
Ele afirmou em seu pronunciamento que foram várias as investidas e pressões do presidente sobre ele e sobre Maurício Valeixo para que interferissem em investigações que envolviam seus parentes e familiares. Bolsonaro queria uma Polícia Federal que pudesse chamar de sua. Que pudesse abafar as podres corrupções dos seus queridos filhos e aliados.
Luta contra a corrução? Ora, dane-se o discurso contra a corrupção e mais ainda a luta para combater essa praga que assola o país. Bom mesmo é jogar tudo para debaixo do tapete, sacudir das mãos a poeira, e pronto. Está tudo bem.
Esse Maurício Valeixo foi um forte. Imaginem o que deve ser trabalhar sobre pressão durante meses a fio. Com um chefe buzinando na orelha: “Vou te demitir”. E o cara ali, fazendo o trabalho como tem que ser feito, de forma séria e correta. E o chefe sempre ali, buzinando na orelha: “Abafe essa e aquela informação, pare essa ou aquela investigação”. Claro, chega uma hora que o ser cansa. E Valeixo cansou. Como cansaram Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde e seus principais auxiliares.
Mas, mesmo de saco cheio, Valeixo, não fez a vontade do chefe. Não pediu para sair. Resultado: foi demitido. O chefe imediato dele, Sergio Moro, não aguentou a demissão de seu homem de confiança. Pediu para sair.
Ainda na tarde de ontem foi a vez de Bolsonaro fazer seu discursinho, grande em extensão, mas bem pobrezinho em conteúdo e argumentos.
E logo no início do discurso ele já se coloca como o profeta. Não no sentido daquele que luta contra as injustiças sociais. Sim porque, profeta para ser profeta de verdade, tem que denunciar as mazelas sociais, a injustiça, e a opressão. Se não tiver essa coragem será apenas um charlatão.
Digamos que Bolsonaro tenha se colocado no lugar daqueles videntes, daqueles que distribuem santinhos nas ruas para atrair clientes. Disse ele que estava tomando café da manhã com parlamentares, e disse a eles, com tom sério e grave: “Hoje vocês conhecerão aquela pessoa que tem um compromisso consigo próprio, com seu ego, e não com o Brasil. O que eu tenho ao meu lado, e sempre tive, foi o povo brasileiro. Hoje, essa pessoa vai buscar uma maneira de botar uma cunha entre eu e o povo brasileiro”.
Falava ele do ainda ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. De repente, por não querer entrar nos mesquinhos esquemas corruptos, Moro se tornou em um inimigo. Também, pudera, Sérgio Moro foi um tanto quanto inocente quando acreditou na promessa de que seria um superministro, que desenvolveria um amplo programa de combate ao crime organizado e à corrupção, que teria liberdade total para trabalhar e que qualquer um poderia ser investigado. Tudo conversa fiada. Conversa para boi dormir.
Em seguida o presidente passa a apelar para o emocional, e conta a história do primeiro contato dele com o então juiz Sérgio Moro. Fala da facada que levou quando estava em campanha, da família, e para impressionar mais um pouco, no capítulo família, ele fala da filha de 9 anos. E por aí vai.
Em certo trecho do discurso, falando da luta contra a corrupção em seu governo e do porquê das operações da PF terem rareado, ele diz: “Nós botamos um fim nisso (na corrupção)”. Só os tolos acreditam que ela, a corrupção de fato cessou nas estatais, e de que os antigos e viciosos esquemas corruptos pararam de vez. E nesse trecho também encarna o presidente encarna o herói, o salvador da pátria: “Poderosos se levantaram contra mim, e é uma realidade. É uma verdade. Eu estou lutando contra um sistema, contra o establishment. Coisas que aconteciam no Brasil, praticamente não acontecem mais. E me desculpem a modéstia: em grande parte, pela minha coragem de indicar um time de ministros comprometido com o futuro do Brasil”.
Depois, mais um pouquinho de história para continuar sensibilizando, ele fala do início de sua vida no serviço militar e dos ideais que o regiam: “Não apenas fiz um juramento, quando sentei praça nos idos 1973, na Escola Preparatória de Cadetes, em Campinas, em dar à vida pela minha pátria se preciso fosse. Mais que a vida, para minha pátria, eu tenho dado. Eu tenho dado o desconforto da minha família. As acusações mais torpes possíveis. Não só contra minha família, bem como aqueles que estão ao meu lado”.
O presidente faz em seguida uns devaneios, umas viagens no tempo recente, e cita a facada que levou e que a PF não deu a devida atenção a essa investigação, tendo se empenhado mais em resolver o caso Mariele Franco. Sendo que o caso da facada já está devidamente investigado e encerrado. E da vereadora Mariele, os assassinos já estão presos, e para fechar com chave de ouro, falta só o nome do mandante do crime que ainda hoje está envolto em nevoas.
E o tempo passando e Bolsonaro viajando ao passado, sem chegar no presente e explicar porque insistiu tanto na demissão de um homem que não deu o menor motivo para ser demitido. Entrou a história do porteiro do condomínio onde ele mora, e bla, blá, blá.
Entra na história o cartão corporativo. Até a piscina do Palácio da Alvorada entrou na conversa. Disse o presidente que, para economizar energia, havia desligado “o aquecedor da piscina olímpica do Alvorada”. Não demorou muito para os detetives de plantão descobrirem que a tal piscina tem sistema de aquecedor solar desde 2002. Faz tempo que a energia que aquece a piscina vem do sol. Mais uma lorota. Até é utilizada a energia elétrica na piscina, mas muito pouco.
E as divagações continuam. E as resposta que o Brasil esperava pareciam não chegar nunca. Deus do céu! Que discurso sem objetividade.
Muito tempo depois de iniciado o discurso é que o presidente traz, de fato, o assunto Maurício Valeixo para o discurso. Diz que ele em uma reunião por videoconferência com os 27 superintendentes da PF disse que ia sair da Polícia Federal. Ora, Valeixo deve ter dito a eles a verdade: que estava cansado de tanta pressão. Mesmo que Valeixo tivesse dito que queria sair da PF, disse em uma reunião por videoconferência com seus subordinados, não conversou com o presidente pessoalmente sobre o assunto, nem lhe apresentou nenhuma carta de demissão, como então o presidente na madrugada do mesmo dia publica exoneração no Diário Oficial da União demitindo ele? Que pressa, não?
 E o discurso vai fluindo meio torto, mas vai, em certo momento, o presidente parece ainda não ter compreendido que a PF precisa ter autonomia para trabalhar, que ela não é uma polícia à serviço do presidente, mas do Estado Brasileiro. Ele diz, com suas próprias palavras que disse a Moro: “Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas 24 horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação”, reforçando, ele mesmo, a denúncia que Moro havia feito pela manhã.
Em certo trecho do discurso, Bolsonaro diz que Moro propôs aceitar a demissão do comandante da PF, em novembro, quando ele, Moro, fosse indicado ao Supremo. “Mais de uma vez, o senhor Sergio Moro disse para mim: 'Você pode trocar o Valeixo sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal”, disse o presidente.
A Rede Globo exigiu que Sérgio Moro apresentasse provas do que havia falado pela manhã, e Moro enviou uma conversa que teve por aplicativo de mensagem, no qual Bolsonaro lhe enviava uma reportagem do site o Antagonista cujo título era: “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”.  Em seguida o presidente escreveu: “Mais um motivo para a troca”, referindo-se a troca no comando da PF.
A reportagem do Antagonista referia-se a inquérito aberto para apurar as fake news a ameaças a integrantes do STF.
Quanto ao fato de ter usado a demissão de Valeixo como moeda de troca por uma vaga no Supremo o ex-ministro mostrou novas mensagens de aplicativo trocadas com a deputada federal, Carla Zambelli (PSL-SP) fiel aliada de Bolsonaro no Congresso.
A deputada diz a Moro: “...e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar, a fazer JB [Jair Bolsonaro] prometer”.
Ao que Moro responde: “Prezada, não estou à venda”.
E assim, com um discurso longo, sem objetividade, e com inverdades, Bolsonaro, tentou rebater as acusações feitas por Moro, na parte da manhã.
As coisas pegaram fogo em Brasília hoje, e vai continuar queimando por alguns dias. O governo, depois da crise causada pela demissão de Mandetta, causou outra crise ainda mais grave.
Enquanto Bolsonaro se mira no poço das vaidades, o aumento do número de casos de coronavírus e o número de mortes pela doença segue em linha ascendente, provocando o caos nos sistemas de saúde e funerários em algumas capitais do país. Mas para ele isso não faz a menor diferença: “Alguns vão morrer, lamento, essa é a vida”, disse ele em fins de março.
O poço das vaidades onde Bolsonaro se mira jorra a fria água da insensatez.


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