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Ser mãe é ser na medida certa

Posted by Cottidianos on 16:12
Domingo, 14 de maio



Hoje é Dia das Mães, e é mais que justo que este blog preste uma homenagem àquelas que nos carregaram em seus ventres por longos nove meses, e que depois sofreram as duras dores do parto, e que, ao nos ver pela primeira vez, olharam para nós com olhos tão cheios de ternura que parecia que estávamos navegando em um mar de amor. E estávamos mesmo, pois amor de mãe é tão grande e profundo quanto o mar, tão vasto e imenso quanto o misterioso infinito.

Quando as mães olham para seus filhos é como se duas estrelas brilhassem sobre eles, estrelas, que, aliás, os seguirão, iluminando e protegendo por todo o sempre. Se mesmo após exalarem o último suspiro, e serem abraçadas pela eternidade, elas deixam de olhar para seus rebentos, imaginem quando estão suspirando, avidamente, por vida.

Criar filhos é como segurar pássaros, tem que ter um jeito certo. Não se pode aperta-los demais para não sufocá-los, também não se pode soltá-los demais, pois pode ser que ainda não estejam prontos para os voos nos céus da vida, onde podem encontrar aves de rapina que judiarão deles. Tudo tem um tempo certo, um jeito certo. Mas mãe é mãe, em qualquer lugar e a qualquer tempo, elas sempre encontrarão um jeito, uma desculpa para estarem junto dos filhos.

Na tentativa de proteger os filhos, elas acabam muitas vezes, superprotegendo-os, e ás vezes, e quando isso acontece, acabam levando, bem baixinho da boca dos filhos, o nome de “chata”. Os filhos dizem baixinho, mas se dissessem isso alto, pensam que elas ligariam... Que nada!

Em homenagem ao dia das mães, dedico a todas elas, um texto de Rubem Braga: um grande cronista brasileiro. A crônica, intitulada, Mãe, tem um final inusitado, mas qual mãe, e qual filho já não passaram por situação semelhante?

A todas as mães: FELIZ DIA DAS MÃES! Que o divino criador, as abençoe e ilumine para que tenham sempre sabedoria para educar seus filhos na paz e no amor.


***

Mãe


 (Crônica dedicada ao Dia das Mães, embora com o final inadequado, ainda que autêntico.)

Rubem Braga

O menino e seu amiguinho brincavam nas primeiras espumas; o pai fumava um cigarro na praia, batendo papo com um amigo. E o mundo era inocente, na manhã de sol.

Foi então que chegou a Mãe (esta crônica  é modesta contribuição ao Dia das Mães), muito elegante em seu short, e mais ainda em seu mai? Trouxe óculos escuros, uma esteirinha para se esticar, óleo para a pele, revista para ler, pente para se pentear — e trouxe seu coração de Mãe que imediatamente se pôs aflito achando que o menino estava muito longe e o mar estava muito forte.

Depois de fingir três vezes não ouvir seu nome gritado pelo pai, o garoto saiu do mar resmungando, mas logo voltou a se interessar pela alegria da vida, batendo bola com o amigo. Então a Mãe começou a folhear a revista mundana — "que vestido horroroso o da Marieta neste coquetel" — "que presente de casamento vamos dar ?Lúcia? tem de ser uma coisa boa" — e outros pequenos assuntos sociais foram aflorados numa conversa preguiçosa. Mas de repente:

— Cadê Joãozinho?

O outro menino, interpelado, informou que Joãozinho tinha ido em casa apanhar uma bola maior.

— Meu Deus, esse menino atravessando a rua sozinho! Vai lá João, para atravessar com ele, pelo menos na volta!

O pai (fica em minúscula; o Dia é da Mãe) achou que não era preciso:

— O menino tem OITO anos, Maria!

— OITO anos, não, oito anos, uma criança. Se todo dia morre gente grande atropelada, que dir?um menino distraído como esse!

E erguendo-se olhava os carros que passavam, todos guiados por assassinos (em potencial) de seu filhinho.

— Bem, eu vou lá só para você não ficar assustada.

Talvez a sombra do medo tivesse ganho também o coração do pai; mas quando ele se levantou e calçou a alpercata para atravessar os vinte metros de areia fofa e escaldante que o separavam da calçada, o garoto apareceu correndo alegremente com uma bola vermelha na mão, e a paz voltou a reinar sobre a face da praia.

Agora o amigo do casal estava contando pequenos escândalos de uma festa a que fora na véspera, e o casal ouvia, muito interessado — "mas a Niquinha com o coronel? não 
é possível!" — quando a Mãe se ergueu de repente:

— E o Joãozinho?

Os três olharam em todas as direções, sem resultado. O marido, muito calmo — "deve estar por aí”, a Mãe gradativamente nervosa — "mas por aí onde?" — o amigo otimista, mas levemente apreensivo. Havia cinco ou seis meninos dentro da água, nenhum era o Joãozinho. Na areia havia outros. Um deles, de costas, cavava um buraco com as mãos, longe.

— Joãozinho!

O pai levantou-se, foi lá não era. Mas conseguiu encontrar o amigo do filho e perguntou por ele.

— Não sei, eu estava catando conchas, ele estava catando comigo, depois ele sumiu.

A Mãe, que viera correndo, interpelou novamente o amigo do filho. "Mas sumiu como? Para onde? Entrou na água? Não sabe? Mas que menino pateta!" O garoto, com cara de bobo, e assustado com o interrogatório, se afastava, mas a Mãe foi segurá-lo pelo braço: "Mas diga, menino, ele entrou no mar? Como é que você não viu, você não estava com ele? Hein? Ele entrou no mar?".

— Acho que entrou... Ou então foi-se embora.

 De pé, lábios trêmulos, a Mãe olhava para um lado e outro, apertando bem os olhos míopes para examinar todas as crianças em volta. Todos os meninos de oito anos se parecem na praia, com seus corpinhos queimados e suas cabecinhas castanhas. E como ela queria que cada um fosse seu filho, durante um segundo cada um daqueles meninos era o seu filho, exatamente ele, enfim — mas um gesto, um pequeno movimento de cabeça, e deixava de ser. Correu para um lado e outro. De súbito ficou parada olhando o mar, olhando com tanto ódio e medo (lembrava-se muito bem da história acontecida dois a três anos antes, um menino estava na praia com os pais, eles se distraíram um instante, o menino estava brincando no rasinho, o mar o levou, o corpinho só apareceu cinco dias depois, aqui nesta pr aia mesmo!) — deu um grito para as ondas e espumas — "Joãozinho!".

Banhistas distraídos foram interrogados — se viram algum menino entrando no mar — o pai e o amigo partiram para um lado e outro da praia, a Mãe ficou ali, trêmula, nada mais existia para ela, sua casa e família, o marido, os bailes, os Nunes, tudo era ridículo e odioso, toda essa gente estúpida na praia que não sabia de seu filho, todos eram culpados — "Joãozinho !" — ela mesma não tinha mais nome nem era mulher, era um bicho ferido, trêmulo, mas terrível, traído no mais essencial de seu ser, cheia de pânico e de ódio, capaz de tudo — "Joãozinho !" — ele apareceu bem perto, trazendo na mão um sorvete que fora comprar. Quase jogou longe o sorvete do menino com um tapa, mandou que ele ficasse sentado ali, se saísse um passo iria ver, ia apanhar muito, menino desgraçado!

O pai e o amigo voltaram a sentar, o menino riscava a areia com o dedo grande do pé e quando sentiu que a tempestade estava passando fez o comentário em voz baixa, a cabeça curva, mas os olhos erguidos na direção dos pais:

— Mãe é chaaata...


Maio, 1953

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