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Sua Excelência, o povo brasileiro

Posted by Cottidianos on 00:57
Segunda-feira, 19 de setembro

Ministra Carmen Lúcia

Exatamente há uma semana, vivemos dois momentos importantes e que revelam novas mudanças de rumo na sociedade brasileira, e uma, ainda que tímida manifestação de respeito por Vossa Excelência, o povo: a posse da ministra Carmem Lúcia, e a cassação do deputado Eduardo Cunha.  

O termo “tímida manifestação” usado no parágrafo anterior, se refere muito mais a Câmara dos Deputados quando cassou o mandato de Eduardo Cunha, após tanta protelação. Se o povo não tivesse se manifestado contra a permanência de tal político do qual se dizia “todo-poderoso”, os deputados o teriam absolvido, referendando assim a prática da corrupção como norma geral.

 A posse da ministra Carmen Lúcia, ao contrário, não teve nada de timidez, e acabou se tornando um importante ato contra a corrupção. E, ressalte-se, na cerimônia estavam muitos políticos que estão sendo investigados na operação Lava Jato. Dentre os convidados, estavam Temer, Renan e Lula, e eles tiveram que ouvir calados cada palavra que era dita. Não se sabe até que ponto as consciências de políticos envolvidos investigados na Lava Jato pesaram. Se, realmente, tiverem pesado, é um bom sinal, pelo menos, devemos deduzir que, lá no fundo do túnel, ainda há uma luz salvadora. Se não, se suas consciências não pesaram, é sinal de que eles já internalizaram a regra do não governar sem sistemas corruptos, que por sua vez geram governanças corruptas, lideradas por políticos corruptos.

Nessa emblemática e importante cerimônia, falaram contra a corrupção, o ministro Celso de Melo, e o procurador geral da Repúbica, Rodrigo Janot. Entretanto o gesto mais significativo veio da dona da festa: a ministra Carmem Lúcia. Ela, quebrando o protocolo em meio a tanto político renomado e com cargos importantes na política brasileira, deixou Vossas Excelências de lado, e dirigiu-se a Vossa Excelência, o povo. Disse ela, encerrando a sessão solene na qual tomou posse como ministra do STF:

Faço agora, algumas observações, deixando as minhas palavras no final desta sessão solene de posse, e eu peço licença pra iniciar quebrando um pouco o protocolo, ou pelo menos, interpretando a norma protocolar de maneira diferente como vendo sendo interpretada e aplicada. Determina-se na norma protocolar, os registros e os cumprimentos os registros e os cumprimentos se iniciem pela mais elevada autoridade presente, e é justo que seja assim. Principio, pois meus cumprimentos dirigindo-me ao cidadão brasileiro, princípio e fim do Estado, senhor do poder da sociedade democrática, autoridade suprema sobre todos nós, servidores públicos, em função do qual se há de labutar cada um dos ocupantes dos cargos estatais. Começo por cumprimentar o cidadão, muito insatisfeito hoje, como estou convencida, todos nós aqui estamos, por não termos o Brasil que queremos, o mundo que achamos que merecemos, mas que é nossa responsabilidade direta, colaborar em nossos desempenhos para construir. Cumprimento, portanto, inicialmente, Sua Excelência, o povo, querendo que cada cidadão brasileiro se sinta, individualmente, saudado por mim, e por este Supremo Tribunal Federal, em função do qual, nos existimos e desempenhamos nossas funções...”
É significativo, que, perante o presidente da nação, Michel Temer, e do Senado, Renan Calheiros, e outras autoridades presentes, Carmem Lúcia tenha saudado, primeiramente, o povo brasileiro. As autoridades políticas do Brasil deveriam tomar a fala da ministra como um recado, um alerta: o de que toda a nação brasileira, desde o judiciário até o cidadão comum, está indignada com tanta corrupção, farto de tanta impunidade e irresponsabilidade.

Se o povo brasileiro, realmente, se conscientizasse do poder que tem, e tivesse o conhecimento pleno de que é ele a razão de ser do judiciário de todas as instituições políticas e jurídicas democráticas, certamente, o tipo de político desprezível que habita nossas casas legislativas, deixaria de existir, perderia sua razão de ser.

Abaixo, compartilho texto escrito por Juan Arias, colunista do El País Brasil.

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Para onde corre o Brasil?

A grande protagonista da mudança em andamento no país é ‘Sua Excelência, a sociedade’

JUAN ARIAS


Tudo que está em questão no Brasil, sem entrar no mérito de para onde o país caminha, é obra do despertar de uma sociedade mais crítica, convencida de seus direitos de uma forma como nunca havia estado no passado.

É uma sociedade consciente de que está sendo observada e levada em conta pelo poder. E até de que é temida por ele. Em seu discurso de posse, Cármen Lúcia, a nova presidente do Supremo Tribunal Federal, apresentou a sociedade como a primeira autoridade do Estado. Chamou-a de “Sua Excelência, o povo do Brasil”.

A maior parte da inquietação que vive o país se deve à nova tomada de consciência de uma sociedade que recuperou sua voz e não está disposta a se calar. As instituições do Estado sabem disso, tanto que hoje os três poderes se movem, em grande parte, ao ritmo dos humores e das reivindicações dessa sociedade. Todos os políticos estão atentos ao que pensa a opinião pública antes de tomarem uma decisão, com medo de perder seu apoio.

Um exemplo vivo foi a votação em massa dos deputados contra Eduardo Cunha, o envolvido em corrupção que havia sido o todo-poderoso presidente da Câmara, aquele a quem se temia ou se reverenciava. Até seus amigos do coração votaram contra ele para cassar seu mandato, temendo uma represália de suas bases eleitorais. Tudo para não se indispor com uma sociedade que está hoje em carne viva e vê negativamente os políticos.

Para saber se essa nova força de uma sociedade que parecia adormecida e hoje está consciente de seu poder de influência caminha para uma maior democracia ou, ao contrário, em direção a uma involução autoritária, é necessário observar o que ela está exigindo do poder.

A julgar pela atitude da grande maioria da sociedade, pode-se dizer que essa nova opinião pública brasileira exige valores mais democráticos, formas alternativas à velha política, assim como uma maior intransigência contra a corrupção.

Gregos e troianos, que chegam a entrar em confronto por causa de alguns temas político-partidários, acabam concordando quando se trata de exigir maior limpeza moral de seus governantes, maior justiça social, uma luta mais dura contra todas as discriminações e maior liberdade de expressão.

A própria polêmica em torno do impeachment de Dilma Rousseff, que dividiu o país, foi alimentada, pelos dois lados, por razões de defesa dos direitos democráticos. Ninguém saiu às ruas para pedir a volta da ditadura militar ou para restringir liberdades, e tem sido significativo o apoio em massa ao trabalho dos juízes que, embora criticados em seus possíveis excessos, estão levando ao banco dos réus e à prisão políticos e empresários milionários, e não só, como ocorria até pouco tempo atrás, negros e pobres.

Apesar das polêmicas que às vezes envolvem velhos amigos em uma discussão nas redes sociais, no fim das contas a grande maioria dos brasileiros reivindica maior compreensão quanto às diferenças de gênero ou de cor da pele, e uma vida política realizada à luz do sol e não nos esgotos sombrios de manobras inconfessáveis.

É uma sociedade que vai descobrindo a cada dia que sem sua pressão não haverá uma reforma política séria nem mudanças profundas nas velhas estruturas do poder.

Se tudo isso é verdade, é preciso concluir que aquilo que “Sua Excelência, a sociedade brasileira”, ainda dividida pela crise econômica e política, exige hoje é um Brasil no mínimo mais decente e mais de todos.


As forças reacionárias ou os nostálgicos do autoritarismo, se existem, foram ofuscados por uma opinião pública amplamente a favor das liberdades, da defesa das conquistas democráticas e contra os privilégios de alguns poucos, que ofendem as classes trabalhadoras que lutam para sobreviver à crise. O que não é pouco, embora ainda haja um longo caminho a percorrer.

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