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As manobras sutis de Renan Calheiros

Posted by Cottidianos on 00:59
Quinta-feira, 14 de julho


No momento em que termino de escrever este texto, também fico sabendo quem é o novo presidente da Câmara dos Deputados. Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi o eleito, que ficará no cargo até 31 de janeiro de 2017, quando será convocada uma eleição que escolherá o presidente definitivo daquela casa. Falando em política nacional, é uma vergonha o que se tornou o nosso Congresso. De uma casa de se fazer leis justas, passou a ser uma casa na qual o ilícito é permitido e legislar em favor do povo passou a ser atividade secundária. Em posterior postagem, abordarei esse tema, uma vez que é grande a responsabilidade do novo presidente.

Hoje, fico no âmbito do Senado, onde Renan Calheiros estava numa pressa e numa ansiedade medonhas para colocar em votação no plenário do Senado, um projeto sobre abuso de autoridade. Renan queria, a todo custo, que a matéria fosse votada ainda nessa semana.

Romero Jucá, integrante da Comissão de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição, também era da mesma opinião que o presidente do Senado. Tanto Renan, quanto Jucá, queriam que a matéria fosse votada ainda na terça-feira (12), a fim de que os senadores tivessem tempo de analisar o caso e decidir a respeito dele.

A maioria dos Senadores foi contra essa pressa em votar o projeto, e Jucá, vencido, anunciou que a próxima votação para deliberar sobre a matéria seria votada apenas em 16 de agosto. Esse adiamento também significou uma derrota de Renan Calheiros.

Vejo com muita desconfiança essa pressa de Renan em desengavetar um projeto de lei que estava parado no Congresso, e que pune o abuso de autoridade. Acho que todo abuso de autoridade deve ser punido, mas no quadro atual é possível ver as coisas tão claras como a água cristalina. Na verdade, quando o nosso presidente do Senado — tantas vezes investigado e citado em escândalos de corrupção — quer punir o abuso de autoridade no projeto em questão, na verdade, ele quer proteger os políticos que pouco se importam com as atividades lícitas e transparentes, sendo mais claro, ele quer evitar que os corruptos sejam importunados, ou alguém acha que, apenas pensando no cidadão comum, haveria tanta pressa em votar um projeto de lei desta natureza?

O texto, que causou polêmica entre os próprios Senadores, divide a opinião pública,  e enfurece o Ministério Público, é de um projeto de lei de 2009, de autoria de Raul Jugman, que na época era deputado, e hoje é ministro da Defesa. Claro, Jugman não elaborou esse projeto sozinho, junto com ele estavam o então desembargador, Rui Stocco, e hoje ministro do Supremo, Teori Zavaski. Também estavam no grupo o ex-secretário da Receita, Everardo Maciel, e Luciano Fuck, assessor do ministro Gilmar Mendes.

O artigo 2o desse projeto define como sujeitos do crime de abuso de autoridade,

I – Agentes da Administração Pública, servidores ou a eles equiparados;
II – membros do Poder Legislativo;
III – membros do Poder Judiciário;
IV – membros do Ministério Público.
Apesar de, no parágrafo III, estarem citados o membros do legislativo, não acredito que isso valha, de fato, para eles. Ora, se por ocasião da busca e apreensão feita no apartamento funcional da senadora Gleise Hoffman, por ocasião da investigação contra o marido dela, Paulo Bernardo, Renan saiu em defesa da senadora, dizendo que o apartamento funcional era uma extensão do Senado, lá não poderia ter sido feita busca e apreensão sem autorização do Senado. Duvido muito que esse parágrafo III, do artigo 2o valha para eles, uma vez que são eles quem mais desrespeitam as leis. Parece contraditório, mas é a mais pura verdade.

Renan deve se sentir incomodado com as prisões dos seus pares. Também deve ficar solidário com eles quando os vê fazendo delações premiadas e depois essas delações serem divulgadas nas redes de TV. O artigo 12 do projeto de lei que tanto ele quer ver aprovado deve ter sido bastante motivador de sua pressa em vê-lo aprovado. Diz o artigo:

Ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de pessoa indiciada em inquérito policial, atuada em flagrante delito, presa provisória ou preventivamente, seja ela acusada, vítima ou testemunha de infração penal, constrangendo-a a participar de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social ou serem fotografadas ou filmadas com essa finalidade.
Pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
Bem como deve ser vexatório para Renan o artigo 15, talvez porque ele se veja em algum momento passando pela situação a qual descreve o artigo:

Submeter o preso ao uso de algemas, ou de qualquer outro objeto que lhe tolha a locomoção, quando ele não oferecer resistência à prisão, nem existir receio objetivamente fundado de fuga ou perigo à integridade física dele próprio ou de terceiro:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.

Lembremos de que esses senhores que praticam o crime de colarinho branco são mais ferinos e maléficos em suas ações do que um bandido com arma na mão. Uma bandido com arma na mão, senhores e senhoras, pode causar prejuízos, ou amedrontar a uma pessoa, talvez a duas ou três, e caneta impiedosa desses senhores que assinam contratos ilícitos, e as bocas deles que tramam planos sórdidos e criminosos desviando milhões que deveriam ir para saúde, educação e segurança, conseguem matar milhões de vidas. É algo tão grave assim, colocar-lhes algemas no momento da prisão. Nas atuais circunstâncias, vejo a tentativa do Renan, como uma forma de transformar mocinho em bandido e bandido em mocinho.

Eu penso assim, mas nem todo mundo pensa assim. Isso é bom, afinal vivemos numa democracia e cada um pode ter suas opiniões e expressá-las livremente. Por exemplo, li um artigo no blog do Reinaldo Azevedo, da Veja, no qual ele defende a transformação do projeto em lei. Irrita-se com os jornalistas que veem no ato, uma tentativa de obstruir o trabalho do Ministério Público, e a Lava Jato. Enfim, na opinião de Azevedo, os jornalista que pensam assim, agem mais como militantes políticos do que como jornalista.

Ainda segundo o jornalista, o combate ao abuso da autoridade, tem o objetivo de preservar os direitos do cidadão. Pergunta ele em relação a essa questão: “Eu estou enganado, ou combater o abuso de autoridade, preservando os direitos fundamentais contra o assoberbamento do agente estatal, é coisa das democracias avançadas?”.

Ao refletir sobre essa colocação de Reinaldo Azevedo, fico pensando: todos os dias tantos jovens negros não tem os direitos básicos respeitados pelos agentes estatais que os abordam, que primeiro prendem, depois pergunta se o negro é culpado ou não, ou quando não atiram primeiro para depois averiguar. Esses casos de abuso de autoridade acontecem diariamente pelos guetos do Brasil afora. E qual deputado ou senador, alguma vez, se preocupou com essa situação? Qual deles foi a plenário defender tal abuso de autoridade pela polícia?

Então, permita-me, Ronaldo Azevedo, discordar da sua opinião, mas vejo nessa pressa do senado em desengavetar um projeto que há tanto tempo estava parado, não como uma tentativa, não de proteger os direitos do cidadão, mas sim, proteger os poderosos, dificultando-lhes a prisão e delações premiadas. A defesa dos direitos do cidadão é apenas uma desculpa bonita e ideológica.

Se o momento político do Brasil fosse outro, com mais moralidade, decência e ética, talvez eu expressasse um pensamento, mas essa não é essa nossa realidade.

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