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Selva de pedra, capitão do mato, e polícia matadora

Posted by Cottidianos on 00:23
Sexta-feira, 27 de maio

Dizem que ela existe
Prá ajudar!
Dizem que ela existe
Prá proteger!
Eu sei que ela pode
Te parar!
Eu sei que ela pode
Te prender!...
(Policia – Titãs)


No Brasil, a escravidão acabou há 128 anos, mas uma herança maldita parece perseguir o povo negro até hoje. Na época da escravidão, quando um negro fugia para os quilombos, os senhores de engenho logo colocavam o capitão do mato para persegui-los, com a ordem de trazer o fugitivo de volta, vivo ou morto. De chicote e armas de fogo em punho, esses terríveis e cruéis capitães do mato perseguiam os negros pelas matas e caatingas como se perseguissem animais selvagens.

Certas coisas parecem não ter mudado muito ao longo dos tempos. Certos atores permanecem os mesmo, mudaram apenas de nome. Por exemplo, antigamente, o que eram os quilombos? Em breves palavras, as comunidades quilombolas eram reduto de oprimidos. O que são as favelas hoje? São redutos de oprimidos. Quem são os capitães do mato hoje? Policiais de mente doentia e despreparados, que em comparação aos feitores, apenas abandonaram o chicote, mas as armas de fogo continuam em punho e eles continuam a perseguir os negros, pelas selvas de pedra.

Quando ouvimos todas essas coisas sobre violência policial e racismo, e temos notícias da brutalidade com que essas ações são feitas, vemos que, na esmagadora maioria das vezes, os fatos se desenrolam em comunidades onde a predominância dos negros é maior. Eu, pelo menos, nunca vi nenhuma reportagem falando de que os policiais entraram nos redutos dos brancos e ricos e tenham feito vítimas inocentes tombarem por terra. Você, caro leitor, por acaso, já ouviu falar de polícia sendo violenta com os brancos ricos, ou até mesmo de classe média?

Às vezes, quando acontecem casos de racismo e violência policial nos Estados Unidos, a imprensa brasileira dá grande destaques em seus noticiários, mas quase que diariamente, acontecem casos de preconceito e violência contra o povo negro, e esses casos passam despercebidos. Esse comportamento da imprensa é compreensível, não aceitável, mas compreensível. Afinal, é melhor falar do que está errado em casa alheia. Discutir os problemas que acontecem na casa dos outros, é fácil. Dessa forma, não temos que olhar, debater e discutir nossas próprias mazelas, botar o dedo nas nossas próprias feridas.

No dia 22 de maio, o jornal El Pais Brasil, publicou duas reportagens abordando tema. Na reportagem intitulada, “Por que o senhor atirou em mim?”: a voz dos jovens inocentes mortos pela PM, o jornalista Gil Alesi, começa o texto com a seguinte descrição: “Quero a minha mãe”, disse Herinaldo Vinicius de Santana, de 11 anos. Provavelmente não foi a primeira vez que o jovem falou essas palavras. Mas foi a última. Em 23 de setembro de 2015 ele foi baleado e morto por policiais militares na comunidade Parque Alegria, no complexo do Cajú, no Rio de Janeiro. Testemunhas disseram que um grupo de PMs patrulhava o local, que conta com uma Unidade Policial Pacificadora, e se assustou quando a criança desceu correndo uma escadaria do bairro. Em seu bolso, 80 centavos para comprar uma bolinha de pingue-pongue. Após receber os disparos, Santana caiu e, segundo testemunhas disse suas últimas palavras: “Quero minha mãe”. Não deu tempo. Quando ela chegou, ele já estava morto”.

Acho que chegou a hora das autoridades olharem com mais cuidado para a questão do extermínio de jovens negros e pobres dos guetos do Brasil. Afinal, eles são tão humanos e cheios de sonhos e planos e futuro quanto os jovens brancos e ricos dos feudos dos ricos. É preciso também ter em mente que, para habitarmos um mundo melhor, não basta apenas nos desenvolvermos em termos de ciência e tecnologia, mas é preciso desenvolver nossas mente, pois somente assim, resolveremos e lidaremos melhor com questões cruciais que vem complicando o relacionamento entre os homens de todas as raças desde séculos.

Na postagem de hoje, compartilho com vocês uma das matérias publicadas pelo El Pais Brasil. A matéria, cujo título é “Nova sessão de tortura da polícia da Bahia acaba na morte de jovem de 16 anos” foi publicada pelo jornal El Pais Brasil, no dia 22 de maio, e foi escrita por María Martin.

***


Nova sessão de tortura da polícia da Bahia acaba na morte de jovem de 16 anos

Corregedoria investiga ação policial contra adolescente que morreu dias depois com lesão na traqueia

MARÍA MARTÍN

No último 27 de abril, Inácio de Jesus, um adolescente baiano de 16 anos ainda com rosto de menino, voltava do almoço em direção ao lava jato do tio, onde trabalhava por 100 reais por semana. No caminho, na garupa da moto de um amigo, foi parado por uma viatura com três policiais militares, mas não foi conduzido à delegacia. Os agentes levaram os garotos para um matagal, no entorno do presídio Lauro de Freitas, no bairro de Itinga, a 40 minutos de carro da turística Salvador. Foi ali, no meio do nada, onde o GPS da viatura parou de funcionar e onde, segundo a denúncia que está sendo investigada, Inácio foi torturado durante horas.

Os detalhes das agressões vieram do próprio adolescente que descreveu a sessão de tortura ao chegar em casa. Ele, segundo esse relato, hoje contado entre lágrimas pela mãe, sofreu várias tentativas de asfixia com uma sacola plástica, recebeu golpes no corpo todo sem deixar marcas externas e foi desafiado a escolher entre um pau fino e outro mais grosso para ser abusado pelos policiais.

Após o violento interrogatório, Inácio e seu amigo tampouco foram levados à delegacia. Mais uma viatura somou-se à ação policial e acompanhou os jovens até suas casas. Procuravam, sem mandado judicial, armas e drogas que, segundo seus familiares, não tinham. Os agentes, porém, disseram ter achado uma pistola e com ela pegaram Inácio para levá-lo, quatro horas depois da abordagem, até a delegacia. Algemado a uma barra de ferro e obrigado a ficar de pé, Inácio, menor de idade, passou a noite preso.

Liberado no dia seguinte, o adolescente, que estudava no turno da noite, relatou à mãe, uma desempregada de 35 anos, sua primeira passagem policial. O relato foi complementado pelo amigo que sobreviveu às agressões. “O menino andava torto, tinha as pernas inchadas de ter passado a noite inteira de pé, e dois dias depois começou a passar mal, estava com falta de ar. Levei-o ao médico”, lembra a mãe. No primeiro atendimento em um posto de saúde, Inácio recebeu remédio e foi dispensado, mas nos dias seguintes não conseguia respirar. Em 2 de maio ele foi internado em um hospital e morreu quatro dias depois.

O médico, segundo a família, explicou que o menino tinha uma lesão na traqueia, que tinha afetado o esôfago e comprometido os pulmões, lesões supostamente associadas as tentativas de asfixia que Inácio sofreu. No primeiro informe, ao qual o EL PAÍS teve acesso, o doutor constatou que o garoto havia sido vítima de agressões e apresentava um “enfisema subcutâneo na região cervical”, normalmente associado a uma lesão pulmonar que permite que o ar escape dos pulmões para se infiltrar embaixo da pele. O laudo que explicará as causas da morte de um menino, até então sem problemas de saúde, ainda não está pronto.

“Meu filho não era errado, mas mesmo que fosse eles não teriam esse direito de fazer o que fizeram com ele”, reclama a mãe, que resolveu denunciar o caso, ainda com o garoto no hospital, à Corregedoria da Polícia, órgão fiscalizador da corporação. “Eles nos advertiram que sabiam onde a gente morava, mas eu denunciei. Antes dele morrer. Só não deu tempo de salvar a vida dele”, afirma. Os seis policiais envolvidos continuam trabalhando normalmente.

O abuso como rotina

O caso de Inácio não é novo na comunidade pobre onde ele morava, bairro onde os vizinhos relatam abusos e ameaças policiais rotineiras, como a invasão de domicílios, a qualquer hora e sem mandado judicial, ou a prática de fotografar menores após as abordagens, mesmo não tendo sido encontrado nada de ilícito com eles. Em fevereiro, um serralheiro de 18 anos denunciou que foi levado no porta-malas de um carro por dois policiais à paisana. Ele foi torturado também em um matagal, jogaram álcool na sua cabeça, o ameaçaram de morte e o espancaram durante horas, segundo sua denúncia. A dupla de agentes continua trabalhando na mesma função, no Serviço de Inteligência da PM.

Também em Salvador, quatro policiais militares foram presos em agosto do ano passado por torturar um senhor de 62 anos. Os agentes, supostamente na missão de capturar um traficante, chegaram na casa da vítima e o levaram até um lixão, onde introduziram um cabo de vassoura no ânus do idoso, como demonstraram os laudos médicos do caso. Eles o extorquiram e roubaram o pouco dinheiro que ele tinha, 200 reais em cédulas e outros 200 em moedas. O juiz militar do caso foi contundente e decretou a prisão preventiva e imediata dos envolvidos “por comprometer seriamente a ordem pública” e os quatro militares aguardam presos seu julgamento.

Outro caso escancarou os brutais métodos de alguns membros da polícia militar baiana. Às vésperas do Carnaval de 2015, nove policiais mataram 12 jovens negros em Cabula, bairro da periferia de Salvador. A PM falou em confronto, mas a Promotoria viu indícios de execução sumária. Uma sentença relâmpago, incomum na Justiça brasileira, absolveu os agentes envolvidos.

De acordo com último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 3.009 pessoas foram mortas pela polícia brasileira em 2014. O Estado de Bahia ostenta o terceiro lugar nesse ranking, após São Paulo e Rio de Janeiro. Questionadas, tanto a Corregedoria como a Secretaria de Segurança Pública de Bahia não se pronunciaram sobre o caso de Inácio. 

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