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Campinas entra na luta contra um passado de discriminação que estende seus tentáculos ao tempo presente

Posted by Cottidianos on 00:19
Terça-feira, 29 de setembro


Que saibamos guardar estes símbolos
De um passado de heroico labor
Todos numa só voz / Bradam nossos avós
Viver é lutar com destemor
Para frente marchemos impávidos
Que a vitória nos há de sorrir
Cidadãs, cidadãos / Somos todos irmãos
Conquistando o melhor por vir
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez

(Hino à Negritude – Professor Eduardo de Oliveira)


Dr. Daniel Blikstein, ao microfone

No dia 03 de novembro de 2014, em sessão realizada no Conselho Federal da OAB, em Brasília, foi aprovada a criação da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil. A comissão foi criada com o objetivo de fazer um resgate histórico dos fatos acontecidos nesse nebuloso período da historia brasileira. Estendendo seus objetivos, a comissão busca aferir responsabilidades, e demonstrar a importância de ações afirmativas como meio de reparação à população negra.

Buscando desenvolver um trabalho que faça o mapeamento de todas as mazelas advindas da escravidão, e da indesejável herança de preconceito e discriminação gerada por essa prática vergonhosa à população negra, no dia 06 de fevereiro do corrente ano, em concorrida cerimônia, aconteceu em Brasília, a solenidade de posse da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, em nível nacional. “A Comissão da Escravidão Negra no Brasil é mais um dos tantos passos que devemos dar para superar a discriminação racial, rumo à sociedade sonhada por Martin Luther King, na qual as pessoas não sejam julgadas pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”, dizia Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da OAB nacional, naquela ocasião. A Comissão da Verdade nacional está sob a presidência do Dr. Humberto Adami.

No dia 18 de agosto tivemos a solenidade de posse dos membros da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, do Estado de São Paulo. A solenidade, que contou a presença de diversas autoridades e integrantes de movimentos ligados à causa negra, aconteceu nas dependências do prédio da OAB/SP, na agitada capital paulistana. No Estado de São Paulo, a comissão é presidida pelo Dr. Sinvaldo José Firmo.



Semana passada, dia 24 de setembro, às sete e meia da noite, foi a vez de Campinas instituir a Comissão da Verdade, em nível municipal. Em cerimônia ocorrida no auditório do Tribunal de Ética e Disciplina Décima Sétima Turma Disciplinar, estiveram reunidas autoridades do poder público municipal e pessoas ligadas a instituições que defendem à causa negra.

O Dr. Daniel Blikstein, presidente da OAB-Campinas, fez a abertura da solenidade dizendo que a criação da comissão significava um marco representativo para a subseção, por representar a possibilidade de “discutir o que efetivamente aconteceu nesse período triste da história brasileira, onde pessoas eram tratadas como mercadorias, ou até pior que mercadorias, e que, por diferença da cor da pele tinha condições de vida e trabalho desnudas”.

Dr. Daniel destacou ainda o fato de ele próprio fazer parte de uma minoria religiosa — ele é judeu — e, por isso mesmo, sentir na pele o que é a discriminação religiosa, esse fato o faz compreender as pessoas que sofrem discriminação de qualquer outra natureza. “É inadmissível em um país como o Brasil, formado por várias raças e etnias, tolerar e aceitar esse tipo de coisa”, acrescentou ele. Compondo a mesa, estiveram além do Dr. Ademir José da Silva e Dra. Adriana de Moraes, respectivamente, presidente e vice-presidente da comissão em Campinas, Dr. Sinvaldo José Firmo, presidente da Comissão da Verdade no Estado de São Paulo, Dra. Eunice Prudente, membro da comissão nacional e relatora da comissão estadual, o vereador Carlão, do PT, e o Vereador Marciano Fernandes, do PT, de Carapicuíba.

Os trabalhos de cerimonialista ficaram a cargo do advogado Antonio Carlos Chiminazzo, presidente do Conselho Regional de Prerrogativas.

Em seguida às formalidades, a Dra. Eunice Prudente, proferiu palestra intitulada, Educação em Direitos: Contribuições para a Igualdade Étnica.


Dr. Ademir Silva e Dra Eunice Prudente

Dra. Eunice começou sua palestra afirmando que “o Brasil é a própria diversidade”, e que conseguimos construir uma sociedade pluriétnica. Segundo a palestrante, todos saíram perdendo nesse sistema injusto, tanto quem foi escravizado, como quem escravizou. A questão da desigualdade econômica também foi abordada na palestra. “Felizmente, a nossa República é rica. Não é aquele Brasil, país do futuro, que a gente nunca vai alcançar, ela é rica mesmo. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o IPEA (Instituto de Planejamento e Economia Aplicada), instituições cientificas muito sérias, nos trazem números mostrando que temos riquezas, e que nosso drama está na concentração de renda, na distribuição dos bens. É uma questão de gestão, é uma questão de governo”, disse Eunice.

A palestrante seguiu falando da questão da discriminação racial entre os brasileiros, de diferenças e aceitações delas. Para Eunice, não existem superioridade entre uma raça e outra, e elas devem ser compreendidas e respeitadas. Em contrapartida, segundo ela, a desigualdade é proposital, é racional, e deve ser combatida.

A palestrante fez ainda um passeio histórico abordando a experiência histórica do racismo institucionalizado na monarquia e na república. Os decretos de Getúlio Vargas tinham um cunho abertamente racista, como por exemplo, o Decreto Lei no 406 de 1938.  O artigo 2o desse Decreto, dizia: “O Governo Federal reserva-se o direito de limitar ou suspender, por motivos econômicos ou sociais, a entrada de indivíduos de determinadas raças ou origens, ouvindo o Conselho de Imigração Colonização”.

E esses grupos proibidos de ingressar no país, eram, preferivelmente, negros, como o governo deixa bem claro em outros decretos.

Dra. Eunice Prudente chamou a atenção ainda para a importância dos movimentos sociais ligados à causa negra. “Devemos a cidadania aos movimentos sociais. Não foram os moços do Largo São Francisco, abolicionistas, não foram os pensadores, os filósofos, foram, na verdade, as nossas lideranças dos movimentos sociais, temos, às vezes, não brancos, muitos não brancos, os aliados, mas que estão aí nesse movimento negro”, disse ela.

Certamente, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, em seus níveis nacional, estadual e municipal, terá uma grande e árdua tarefa pela frente. Afinal, estará se debruçando sobre mais de 300 anos de capítulos bem tristes da história do Brasil, cujas reminiscências irradiam aos dias atuais. Agora, como diz o ditado é hora de “arregaçar as mangas” e trabalhar para que seja reparado o mal que os séculos de escravidão fizeram à sociedade brasileira, em especial, aos negros.

Toda a sociedade brasileira fica na expectativa de que os trabalhos dessa comissão de tão grande importância, criada pela Ordem dos Advogados do Brasil, venha ser como árvore frutífera, a oferecer os doces frutos da igualdade e da liberdade, a quem, por tanto tempo, provou dos frutos amargos do preconceito e da discriminação.


1 Comments


Excelente reflexão sobre a importante contribuição do negro na formação do povo e das riquezas do Brasil e do mundo, que o Conselho Federal da OAB, na vanguarda da busca da verdade, propõe oferecer outra visão desta contribuição, bem como propor reparações.

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