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Reflexões em meio às exuberantes montanhas do Colorado

Posted by Cottidianos on 01:31
Sexta-feira, 10 de abril

Minha imaginação, hoje, resolveu me levar para as montanhas rochosas do Colorado, nos Estados Unidos, e de lá refletir sobre a dimensão corpórea do ser humano. Tive que ir junto com ela. Espero que o texto tenha ficado bom. Mas isso quem sabe são vocês.

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Reflexões em meio às belas montanhas do Colorado

Em uma agradável manhã do mês de abril, Caio seguia pela I-70 – a maior rodovia interestadual dos Estados Unidos. Passava agora pelo subúrbio de Golden, no Colorado. A cidade de Golden ficava para trás e, à frente e ao longe, as montanhas rochosas pareciam modestas e tímidas, transmitindo ao viajante, a falsa sensação de que eram mesmo assim. Mas quem as conhecia, sabia que eram muito mais. Caio baixou um pouco o vidro do carro. Queria sentir o ar matinal em toda a sua plenitude. O ar fresco que vinha das montanhas invadiu o interior do veículo como se fosse criança travessa, correndo para aqui e para acolá, derrubando uns papeis que estavam no banco traseiro, mas trazendo junto com toda a peraltice, muita alegria e felicidade.

Caio chegara do Brasil há apenas dois dias. Estava hospedado em casa de um amigo em Denver. O amigo americano havia lhe emprestado um dos carros que possuía, e ele agora seguia em direção à cidade de West Valley City, no estado de Utah. As montanhas tornavam-se cada vez mais próximas, até que, finalmente, o carro mergulhou no meio delas. Agora sim! A partir dali a estrada se tornaria cada vez mais bela e, as montanhas que, ao longe se disfarçavam em singela simplicidade, mostraram cada vez mais sua exuberante beleza.

Uma grande sensação de liberdade invadia o brasileiro, em férias nas terras do Tio Sam. A boa qualidade do asfalto da rodovia fazia parecer como se o carro deslizasse, suavemente. Caio sentiu-se bicho solto no pasto. Ave que voa livre no céu azul. Tamanha era a sensação de liberdade que o invadia. A estrada se desenhava a sua frente, às vezes reta, muitas vezes curva. Afinal de contas, assim não é a vida? Uma estrada cheia de retas e curvas a qual atravessamos. Apenas cabe aqui ressaltar uma diferença. Caio sabia onde estava indo e tinha objetivos claros no destino final: rever os amigos. Mas, a estrada da vida, quem sabe onde ela nos levará? Quem sabe qual será o destino final? Talvez a vida seja tão gostosa de ser vivida, justamente, pela sua imprevisibilidade.

Na I-70, também como na estrada da vida, há sempre carros que vem e que vão, em grande velocidade. Na vida também é assim, passamos velozes. O caminho está traçado, resta-nos apenas percorrê-lo.

Como prêmio pela subida das ladeiras na estrada entrecortada por montanhas, o viajante recebe uma das vista mais deslumbrante que se tem da rodovia interestadual. A vida também é um caminho de subida. Para onde se erguem nossos olhos em momentos de angústia, desespero, ou nos momentos de felicidade? Para o céu, porque convencionamos que lá é a morada do Deus altíssimo. Para onde esperamos ir quando terminar a jornada terrena? Para algum lugar além do arco-íris. Será que lá a recompensa será uma paisagem tão bela quanto a que ele experimentava agora?

Enquanto estes pensamentos lhe passavam pela cabeça, Caio lembrou-se de um texto do mestre do humor, Chico Anysio. Dera muitas risadas com os programas de humor feitos por ele, e com os personagens inesquecíveis criados por ele, como Pantaleão, Professor Raimundo, o baiano Painho, dentre tantos outros. Enfim, a jornada do mestre do humor, terminou no dia 23 de março de 2012, no Rio de Janeiro, aos 80 anos, sendo a causa da morte, falência múltipla de órgãos. Agora ele deve estar na cidade celeste animando a todos com sua alegria e bom humor. Na década de 80, ouvira o comediante, recitar um texto da própria autoria, no Fantástico. Achara tão lindo o texto que acabara por decorá-lo. As palavras do mestre do humor lhe vieram à mente, enquanto olhava as imponentes montanhas do Colorado:

O meu sonho na vida era ter o poder de ser um vídeo cassete de mim mesmo; ter o controle remoto que me permitisse renascer experiências vividas. Eu poderia voltar o tempo, acelerar pular cenas dos próximos capítulos, parar imagens no momento que me tivesse sido glorioso, vivê-lo outra vez, talvez eternizar o orgasmo. Eu poderia correr a fita de modo a entrar na percepção do futuro ou recuar para consertar, corrigir para confirmar. Ah, com esse aparelhinho eu poderia criar o ideal. O ideal seria que o homem nascesse aos oitenta anos, fosse ficando mais novo, mais novo... até morrer de infância. Nascendo com oitenta anos ele casaria com uma mulher de cinquenta e sete, mas com uma vantagem: a cada dia ela ia ficando mais nova, até se transformar numa gata de vinte. Eles ficariam noivos, namorados, da bicicleta ao velocípede, desaprenderiam a andar, esqueceriam como engatinhar, o babador, o cercadinho, do cercadinho ao berço, às fraldas molhadas, o peito da mãe, até um dia ele parar de chorar.  Seria o tempo correndo para trás, até aparecer o último homem, Adão, o último primeiro, a quem Deus colocaria sobre a mão, e ao invés de soprar sobre ele, Deus inspiraria o homem outra vez para dentro de si mesmo...”
(Chico Anysio)
Os tempos correram. A tecnologia deu um salto merecedor de medalha olímpica. Hoje, videocassete é peça de museu. Porém, a essência do texto de Chico Anysio continua mais forte e viva que nunca.

Ah, se pudéssemos voltar atrás as cenas de nossa vida e, como todo esse aparato tecnológico, cortar aquelas que não ficaram boas. Corrigir aquelas das quais não gostamos... Fazer, refazer, desfazer... Tudo seria tão perfeito em nossa jornada... Mas, na estrada da vida, não há como voltar atrás. Por isso temos que ser tão cuidadosos com cada um de nossos atos. Cuidadosos e atentos a cada palavra proferida. Por exemplo, quando magoamos e ofendemos alguém, não temos como voltar atrás e desdizer o que já está dito. Já abrimos uma ferida no coração do outro. Podemos, se formos humildes, reconhecer nosso erro e pedir perdão. Resolve um pouco, mas você jamais vai recolher as penas que espalhou ao vento.

O trafego na I-70 era intenso. Um carro passou carregando uma bicicleta acoplada a um suporte que ficava na parte de trás do veículo. Devia ter umas boas trilhas para se andar de bicicleta para se andar por ali. Se tivesse mais tempo ele mesmo iria passear de bike por entre aquelas magníficas montanhas. De lá então, a paisagem devia ser ainda muito mais bela. Olhou mais uma vez para o alto das montanhas. Andar por ali, no inverno, devia ser algo magnífico. Já pensou aquela cadeia de montanhas coberta de neve?

Seus pensamentos voltaram ao texto de Chico Anísio. No texto, ele fala do aspecto corpóreo do homem, ou seja, do “homo somaticus”. Hoje em dia, essa expressão quase não é usada. Mas o era na época em que viveram o apostolo Paulo e o filosofo, Filão de Alexandria.

Caio entendia-se a si mesmo como ser humano, como sendo uma moeda de dois gumes. Numa moeda temos duas faces: cara e coroa. No ser humano temos duas faces: o corpo e o espírito. O desenvolvimento do ser humano depende da harmonia dessas faces da moeda ser humano. Sendo a dimensão corpórea, a primeira a se entrar para que se possa conhecer esse labirinto chamado, homem.  Sim, porque mesmo para que um espírito se manifeste em alguém, é preciso que esse alguém tenha uma dimensão corpórea.

Mas era no “homus somaticus” que Caio pensava enquanto guiava o carro, com tranquilidade e habilidade, pelas estradas do Colorado. Que grande mistério somos nós, raça humana! Como tudo é perfeito nessa máquina chamada corpo! Enquanto suas mãos seguravam o volante, sentia o sangue pulsar em suas veias... Seus ouvidos captavam com perfeição, o vento que soprava, suavemente, em seus ouvidos, como a lhe sussurrar segredos. Seu aparelho auditivo também captava a melodiosa voz de John Denver, interpretando a bela canção, Rocky Mountain High. Seus sentidos auditivos captavam a harmonia da música, a afinação da voz, dos instrumentos... Sua visão se deitava sobre aquelas maravilhosas paisagens, sob o céu azul acima dele... Sua pele sentia o calor do sol que iluminava aquelas montanhas, como que a abençoá-las.

Dentro de sua cabeça, havia uma máquina superpotente, que há séculos desafia os estudiosos, chamada cérebro. Naquele momento em que seguia sereno, em direção a Utah, sabia que milhões de neurônios faziam toda uma série de misteriosas conexões.
No final das contas, o cérebro veio suprir uma deficiência dos homens, me relação aos homens? Por quê?

Os animais já nascem com um corpo perfeito. Alguns, apenas alguns dias após o nascimento, já conseguem se equilibrar em seu próprio corpo. Dizendo numa linguagem mais popular, mal acabam de nascer e já são donos de sua própria vida, já conseguem se virar sozinhos.

O ser humano, ao contrário, nasce pequeno e é um frágil ser a necessitar de cuidados. Abandonemos um recém-nascido e o estaremos condenado à morte. Só muito tempo após o nascimento, o ser humano se torna senhor de si mesmo. É bem verdade que alguns nunca conseguem isso.

Caio interrompeu os pensamentos por um instante, pois, naquele momento, se aproximava do túnel, Einsenhower Memorial Tunnel, construído na década de 70. Um dos maiores túnel de veículos do mundo, o maior da montanha, e o ponto mais alto da Interstate Highway. Realmente, uma maravilha da arquitetura!

É o cérebro que possibilitar ao homem tais engenharias. O homem não nasce tão perfeito quanto os animais, porém, essa desvantagem, acaba, no final das contas, tornando-se vantagem. Dentre os animais, alguns são dotados de uma boa visão, outros de uma boa audição, outros têm no tato seu ponto forte, e assim por diante. O homem é uma somatória disso tudo, e não desenvolve, cem por cento, nenhum desses instintos. Como ele não nasce pronto como os outros animais, o homem tem que aprender uma porção de coisas, como por exemplo, fabricar sua própria roupa, cozinhar o seu próprio alimento, construir habitações, pontes e túneis que venham a satisfazer alguma necessidade. Com isso, o homem vai mudando o mundo, transformando-o.

Foi à mão do homem que abriu aquela estrada em meio às montanhas, que abriu aquele maravilhoso túnel em meio à rocha. E todos esses movimentos só nos são possíveis por que há um corpo que os possibilita isso. O homem aprendeu a usar o cérebro para construir coisas, realizar experimentos, avançar na tecnologia e na ciência. Só não aprendeu ainda a dominar a própria mente e usá-la para sanar os males do mundo, e os que habitam o seu próprio interior. No dia em que aprender a fazer isso, o mundo se tornara mais agradável de viver.

Nesse momento, o aparelho de som do carro, começou a tocar outra música interpretada por John Denver, chamada, Sunshine On My Shoulders, e Caio passou a cantarolar a letra da canção:

Sunshine, on my shoulders - makes me happy
Sunshine, in my eyes - can make me cry
Sunshine, on the water - looks so lovely
Sunshine, almost always - makes me high
If I had a day that i could give you
I’d give to you a day just like today
if I had a song that i could sing for you…” 

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