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Viajando no mundo das palavras com Sarah Passarella (II Parte)

Posted by Cottidianos on 20:08
Sexta-feira, 27 de dezembro
Que minha oração se espalhe pelo Universo
Como um alento aos abandonados,
Água para os que têm sede.
Que minha oração voe pelo Infinito
                   Espalhando pelos campos a boa semente
E trazendo conforto para os esquecidos,
Sorrisos para inocentes crianças.
Que minha oração seja como hosanas,
Com os acordes das liras dos Querubins e
As flautas dos Serafins.
Que arranque dos ímpios um canto,
E que os brutos cheguem até o pranto.
Que minha oração quebre o silêncio da catedral
Como se todo dia fosse Natal...”.

(trecho do poema Minha Oração, do livro Poemas de Cantar Natal

Autora – Sarah de Oliveira Passarella – Editora/Hortográfica)






José Flávio – Por falar nisso, como surgiu o livro, Poemas de cantar Natal, lançado dia 14 deste mês?

Sarah Passarela – Eu queria um título que fosse diferente de tudo o que já vi por aí. Eu entrei na Internet e não vi nenhum título parecido, nada. Então, eu falei, “Vamos colocar “Poemas de cantar natal”. Então alguém falou “Mas não é poemas de cantar o natal”? Eu falei, é “Poemas de cantar natal”, porque é um conceito de natal meu, da vida inteira. Se eu colocasse “Poemas de cantar O natal”, seria esse natal. É um poema de cantar natal a vida inteira. É um livro de poemas, embora tenha algumas crônicas. Porque mesmo quando você lê uma crônica, de repente ela tem alguma coisa... Que seja assim... Poético. Você quer vê, vou ler um trecho da crônica, Dia de Natal: “Como aquarela esbatida em cores suaves, aquela casa pintada de rosa-claro parecia dormir com os seus habitantes. Em volta, o cheiro do dia novo, tão leve que parecia uma oferta de Deus”. Isso é poesia, não é?

José Flávio – Como surgiu o projeto do livro?

Sarah Passarela – Os poemas, eles são antigos. Tem aquela poesia... Oração do menino ribeirinho. Essa poesia tem mais de vinte anos. Quando eu comecei a reuni-los, era um olhada na neta e escolhe um poema. Daí, eu fui reunindo tudo. Tem outra poesia que fala de Maria, ela estava num rascunho, num papel de pão que achei entre as minhas coisas. Queria reunir tudo o que eu tinha de natal num livro.  Então o livro nasceu dessa idéia de reunir tudo o que eu tinha de natal em um livro só. Algumas coisas são pessoais, como a história da guirlanda. Guirlanda eu só descobri que se colocava em túmulos, nos Estados Unidos. No Brasil a gente não costuma ver isso, aqui guirlanda é muito usada como enfeite natalino.

Sarah, narra esse interessante caso da guirlanda, na parte do livro que fala das tradições natalinas. Conta ela, no livro: “Na década de 70, num mês de dezembro, duas semanas antes do Natal, viajei para os Estados Unidos e como sempre faço em viagens, fui atrás de conhecimentos, curiosidades e tradições. Lá chegando, dispersei-me do grupo de companheiros de viagem e fui até Washington – Capital do país. Uma vez lá chegando, fui até o cemitério onde está sepultado o ex-presidente Kennedy – “John Fitzgerald Kennedy”. Emocionei-me diante do mausoléu e encantei-me com a beleza e o cuidado que todo o Campo Santo recebia. As cercas vivas eram de azevinhos muito verdes e repletos de frutinhos vermelhos. Só tinha visto esta beleza em cartões de natal. Mas o que mais me impressionou foram as guirlandas de natal que enfeitavam os túmulos. Perguntando para um funcionário do cemitério, fui informada de que era uma tradição do Hemisfério Norte. Acredita-se que os ramos verdes do azevinho trazem sorte e o formato circular simbolizam o ciclo da vida, do nascimento à morte. Então, enfeitam os túmulos de seus entes queridos, acreditando que eles vivam, embora em outra dimensão...”

José Flávio – Quantos livros você já escreveu?

Sarah Passarela – Esse é o sétimo.

José Flávio – Tem algum que você considera especial? Ou todos são especiais?

Sarah Passarela – Olha, é redundante dizer isso. Eu gosto de todos, mas o meu livro preferido é Fragmentos da Memória. Fragmentos da Memória, porque nele eu conto a minha história. Não que a minha história tenha algo de diferente, mas agradou muito porque eu citei muitas pessoas. Eu falo de minha infância, falo do Colégio Dom Bosco, que meu pai... Nós morávamos ali perto... Meu pai não era católico e nós meninas éramos barradas no colégio. Conto as travessuras, porque eu fui uma menina travessa, igual a todo mundo. Fui travessa, fui namoradeira, como todas as outras moças. Por isso que acho que Fragmentos da Memória foi o meu melhor livro que eu escrevi.




José Flávio – Já li Fragmentos de Memória e gostei bastante. A Sra. tem uma forma muito gostosa de escrever...

Sarah Passarela  - Que trecho recorda de Fragmentos da Memória?

José Flávio – Da árvore...

Resumindo o episódio da arvore, relatado por Sarah Passarela, no livro Fragmentos da Memória: Próximo a casa da escritora, havia uma grande árvore chamada Taiuveira, que produzia uns frutos pequenos como bagos de uva, porém com sabor bastante acido. As crianças aproveitavam a sombra da arvore e suas grossas raízes e divertiam-se bastante debaixo da frondosa árvore. Certo dia o pai de Sarah e outros agricultores notaram que um exército de formigas saúvas estava devorando os pomares e jardins. Após muita observação, descobriram que o quartel general das invasoras era debaixo das raízes da Taiuveira. Colocaram veneno ao pé da árvore. O veneno matou as formigas, porém, para tristeza da criançada, matou também a árvore. Tempos depois novos brotos surgiram e a árvore cresceu novamente.

Sarah Passarela – Que meu pai matou a árvore. Todo mundo gostou dessa história. (risos) Coitado de meu pai, ele não matou a arvore, ele matou as formigas... Ele precisava matar a formiga porque a formiga comia o roseiral dele, comia o cítrico dele.

José Flávio – Foi um mal necessário?

Sarah Passarela – Sim, foi um mal necessário. Mas as crianças não compreendiam aquilo.

José Flávio – A Sra. tem uma sensibilidade para as letras, de onde vem esse dom?

Sarah Passarela – Isso é uma coisa que me acompanha desde sempre. Eu sou de uma família que gosta de ler muito. Meu pai era evangélico, lia a Bíblia todos os dias, mas meu pai também lia Grande Hotel, que era uma revista de fotonovela que ele comprava para nós. Meu pai lia todos os clássicos da literatura. Ele não era um evangélico que era focado só naquilo. Ele gostava de literatura. Ele achava a Bíblia o livro mais importante, mas ele lia Camões, lia Eça de Queiroz, Machado de Assis. A minha mãe tinha paixão por romance. Ela costurava para algumas pessoas. Ela vendia ovos, vendia frangos para comprar livros. Então, nós acostumamos a ler. Era interessante porque se comprava um livro e tinha uma ordem para ler. Ela lia primeiro e depois nos líamos. Mas ninguém podia comentar nada do livro para que depois nós pudéssemos fazer uma mesa redonda e conversar sobre o livro. Saber o que foi assimilado, o que foi aprendido, o que foi engraçado. Isso era muito enriquecedor porque nos obrigava a ler o livro com muita atenção, pois não sabíamos o que iríamos conversar depois. Então eu venho de uma família muito literária. Depois casei, meu marido não abria uma revista, nunca leu. Ele estudou um pouco na Itália. Veio para o Brasil com nove anos. Estudou um pouco aqui, mas muito pouco...

José Flávio – Qual a profissão dele?

Sarah Passarela – Ele era mecânico de automóveis. Ele gostava muito de automóveis, mas eles também tinham uma metalúrgica, tem ainda, a Giovanni Passarela, em Hortolândia. Ele era um excelente mecânico de automóveis. Tanto é que ele tinha a empresa lá, mas consertava o carro dos amigos. Tinha gente que não comprava um carro sem o aval dele. Italiano gosta muito de carro, a empresa automobilística na Itália é muito antiga. Mas lê, ele não tinha esse hábito, não! Eu passei vinte anos sem escrever uma frase.

José Flávio – E porque não escrevia?

Sarah Passarela – Porque não tinha tempo. Meu marido tinha duas qualidades ótimas: era trabalhador e vivia para a família. Mas, em compensação, exigia muito também. Estávamos tomando o café da manhã e ele falava assim: “Você serve uma maionese na hora do almoço?” Então, ele estava chegando ao portão e eu ainda estava com a panela no fogo, porque uma maionese não se faz em cinco minutos. Ele era muito bom, mas muito exigente. Então, depois nasceu a filha... Aí depois ele morreu...

José Flávio – Em que ano ele morreu?

Sarah Passarela – Em 1990. No dia 16 de agosto de 1990. Ele morreu, quase que de repente. Passou mal. À noite ele já não estava bem. De manhã, ele falou: “Me leva para o hospital”. Chegamos ao hospital, o internaram. Isso foi numa terça-feira, na quinta, ele morreu. Infarto mesmo. Ele era obeso, fumante, tinha um histórico já. Só que a gente fica muito surpresa, apesar de eu saber que ele tinha esse histórico, mas ele tinha 45 anos e eu tinha 40 anos. A menina (Tessa), tinha 11 anos. A minha irmã gêmea Hagar, ficou aqui comigo por uns quinze dias e depois foi embora cuidar da vida dela. Fazia dezessete dias que ele tinha morrido, minha filha foi para casa de uma amiga dela para sair um pouco de casa. E eu não sabia o eu fazer, não conseguia me concentrar em nada. Ligava a televisão, mas não prestava atenção. Tentava dormir, mas não conseguia. Então, eu peguei um pedaço de papel e uma caneta e escrevi uma crônica para ele, chamada Pedaços Pedaços. Nela eu conto que a vida é um quebra-cabeça, feita de pedaços e a gente vai juntando, juntando... E termino falando que agora falta um pedaço que era no caso, ele. Daí a um mês, surgiu um concurso de crônicas – não necessariamente uma crônica, podia escrever qualquer coisa sobre Campinas - num jornal aqui da cidade. O tema era: Os caminhos de Campinas. Eu não tinha nada, a não ser aquela crônica que havia escrito recentemente, e transformei os pedaços em caminhos. Aí eu contei toda a história dos caminhos. Como nos encontramos, cruzamos o mesmo caminho, o caminho da igreja onde nos casamos. Depois o caminho da maternidade onde a filhas nasceu. Depois o caminho que eu percorri até o hospital, mas não cheguei a tempo, pois quando cheguei lá ele já tinha morrido. Peguei o primeiro lugar no concurso.           
José Flávio – Ficou surpresa com isso?

Sarah Passarela – Fiquei. Fiquei surpresa. Eu nem lembrava que tinha enviado essa crônica. Então falei: “Acho que é isso que eu sei fazer: escrever. Depois disso, não parei mais de escrever. Faz vinte e três anos.

José Flávio – A Sra., ultimamente, está em estado de graça...

Sarah Passarela – Estado de graça? Como assim?

José Flávio – Com o nascimento de sua neta, Pietra Aurora.

Sarah Passarela – Sim. É um estado de graça, sim!

José Flávio – Como está sendo essa experiência de ser avó de uma menina tão bonita?

Sarah Passarela – É muito bom. É uma experiência única. É diferente, é diferente de ter filho. É um amor maior... Dizer que é um amor maior que o da filha, é meio estranho, mas é, sabe? Você ama diferente. Não sei é porque você não tem a responsabilidade, você só tem o prazer, o lado gostoso da coisa. A Tessa sempre foi uma filha muito boa. Uma filha que foi muito amiga quando eu fiquei sozinha. Mas é um encantamento ter neta, independente, de ela bonita ou não. Se ela não fosse bonita, eu ia gostar dela do mesmo jeito.

José Flávio – A avó Sarah permite tudo?

Sarah Passarela – Não. Eu sou mais exigente do que a mãe. Os outros avós, eles são mais açucarados, pois vêem menos os netos. Outro dia eu estava conversando: “Olha, ela é bonita, ela tem muita saúde, mas ela tem que ser educada”. Então, é assim, agrado, brinco, se ela tivesse aqui agora eu estaria sentada no chão, brincando com ela. Preocupo-me com a alimentação dela. Preocupo-me muito com o vocabulário dela. Ela tem uma responsabilidade de falar corretamente, afinal, ela é neta de uma escritora. (risos)

José Flávio – Para terminar, que mensagem você gostaria de deixar para aqueles que vão ler essa entrevista?

Sarah Passarela – Depois que eu escrevi meu primeiro livro, eu levantei uma bandeira sobre o livro. Explicando para as pessoas, o valor do livro. Às vezes eu vou fazer palestra nas faculdades de letras sobre literatura. Então, eu digo para eles o valor do livro. Antigamente tinha-se uma idéia de que o brasileiro não lia porque o livro era caro. Hoje não fazem mais essa associação, porque eles viram que, realmente, não tem sentido. A pessoa, ela pode comprar um livro e o livro pode ser passado para várias pessoas. Então, uma pessoa compra um livro, mas 30, 40, 50 pessoas podem ler esse livro. Ou ela pode fazer um rateio entre 30, 40 pessoas e ler. Eu faço uma comparação e até pergunto para as pessoas: “Quantas vezes você deu um livro de presente para alguém. Eu lhe faço essa pergunta? Quantas vezes você já deu um livro de presente?

José Flávio – Não lembro, mas sei que não foram muitas.

Sarah Passarela – Então eu pergunto nas palestras: “Quem já deu um livro de presente”? Ninguém levanta a mão. “Quem já ganhou um livro de presente”? Ninguém levanta a mão. Então a pessoa compra... Vamos colocar esse livro. Esse livro custa vinte reais. Se você comprar um vidro de perfume, uma caixa de bombom, um buquê de flores, ele vai custar mais caro do que 20 reais. O perfume acaba, a flor murcha, o bombom engorda. Então, não é melhor dar um livro de presente?

José Flávio – Uma última pergunta. Você tem um escritor favorito?


Sarah Passarella – Olha, em termos de poesia, eu gosto muito do Fernando Pessoa. Em termos de Brasil, eu gosto do Guilherme de Almeida. Acho a rima do Guilherme de Almeida, uma coisa muito boa. Tem uma escritora que as pessoas quase não conhecem: Emí Bulhões Carvalho da Fonseca. Para mim, ela é a melhor escritora que eu já li. E é brasileira. Hoje, mudou muito a literatura. Hoje você não consegue recomendar para um jovem, um Machado de Assis. Ele não consegue ler. Porque Machado de Assis é um grande escritor, mas ele era muito minucioso. Eu até costumo falar nas palestras que ele levava quatro páginas para falar do calcanhar da donzela. Hoje, calcanhar de donzela não é mais fetiche para ninguém.    
 

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